1058 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 168
industrialização, porque o ferro e o aço constituem a base da indústria mecânica, e é esta que fornece o equipamento a todas as demais indústrias.
De tal modo que até países praticamente desprovidos de matérias-primas, como a Itália, ou largamente deficitários em carvão e ferro, como a Hungria e a Romaria, criaram a sua indústria siderúrgica.
2. Há muito que se pensa em instalar a metalurgia do ferro no nosso país.
No relatório da proposta de lei sobre fomento e reorganização industrial, apresentada pelo Governo à Assembleia Nacional em 1944, figurava essa indústria entre as actividades a instalar durante a 1.ª fase do plano, Reconheceu-se, porém, depois de promulgada a lei, que o problema não estava ainda suficientemente esclarecido para realizações imediatas; por isso, nomeou-se em 1948 uma comissão a fim de determinar as bases da instalação da indústria e procedeu-se ao exame acurado do problema durante 1949 e 1950. Até que, supondo-se terminada a fase dos estudos, se publicou em Junho deste último ano um despacho orientador, onde se formulavam as directrizes gerais a seguir na criação da siderurgia.
3. A viabilidade imediata desta indústria no nosso país é garantida pelo mercado de ferro e aço, cuja amplitude é suficiente para permitir a instalação da indústria em condições económicas. Na verdade, as estatísticas das importações mostram que o consumo anual médio de gusa de fundição se aproxima de 20:000 toneladas e o de laminados de 150:000.
É certo que não pode pensar-se em produzir logo de entrada todos os tipos especiais de gusa de fundição e ferro-ligas, nem todos os laminados, pois alguns desses produtos têm uma procura tão pequena que não justifica instalações próprias. Contudo, não será exagero prever-se uma siderurgia para a produção inicial de, pelo menos, 100:000 toneladas - de gusa e laminados -, tanto mais que se tem de contar não só com o desenvolvimento normal do consumo nos próximos anos, como com a criação de indústrias derivadas da siderurgia e o indispensável abastecimento das províncias ultramarinas. Ora, aquela produção já permite, sem dúvida, unidades de dimensão aceitável, mesmo em países siderurgicamente avançados.
O problema, portanto, é outro: visto que dispomos de matérias-primas - de reservas, importantes de minérios de ferro, cinzas de pirites e sucatas, castinas em abundância, alguns carvões mintais e madeixas transformáveis em carvão vegetal - e temos rios com uma capacidade energética ainda largamente por utilizar, o que importa é decidir qual de entre os processos técnicos possíveis satisfaz a estes três requisitos: máximo aproveitamento de recursos nacionais, mínimo custo e urgente instalação da indústria.
4. São muitos, na verdade, os possíveis processos técnicos. Todavia, alguns deles parece deverem ser excluídos: assim, o do alto forno a coque, generalizadíssimo no estrangeiro, mas que, além do mais, não aproveitaria os nossos carvões, por estes serem insusceptíveis de transformação em coque metalúrgico; o do alto forno a antracite, cuja exploração seria duvidosa se trabalhasse exclusivamente com combustível nacional, além de se não prestar à utilização dos minérios ricos em sílica, como as hematites de Moncorvo; e o do alto forno eléctrico, cujas desvantagens têm conduzido à sua progressiva substituição no estrangeiro pelo baixo forno eléctrico.
Outros processos parece poderem contar apenas com um papel reduzido adentro da nossa siderurgia.
Assim, o baixo forno a oxigénio, que exigiria carvão classificado e com uma conveniente percentagem de cinza, reduzindo a pouco os combustíveis nacionais utilizáveis, mas que poderá vir a interessar como gerador de gás, nas fábricas de amoníaco, com vista à produção conjunta de gusa e gás de síntese; assim também o da esponja de ferro, que não aproveita à maior parte dos nossos minérios, mas que, através de um forno Wilberg, poderá servir para a produção de aços especiais, em fase mais adiantada da siderurgia.
O alto forno a carvão vegetal é uma boa solução em países que disponham de grandes superfícies florestais. Só a produção da gusa, de que necessitamos numa 1.ª fase siderúrgica, requeria o mínimo de 60:000 toneladas de carvão, equivalentes a 300:000 toneladas de madeiras, que absorveriam a produção de 100:000 hectares de pinhal em povoamento normal e plena exploração. Ora, as nossas lenhas já são hoje relativamente caras, produzindo, portanto, carvões de preço elevado. A procura cada vez maior de madeiras, inclusivamente para a indústria da celulose, que está a montar-se, não deixaria também, certamente, de vir a fazer sentir os seus efeitos sobre a procura de carvão vegetal para a indústria siderúrgica, tornando aleatórios os respectivos preços e quantidades disponíveis.
Ao forno Basset têm sido apontadas algumas desvantagens que parece não ter sido ainda possível remediar inteiramente. Tais são as dificuldades de obter simultaneamente bom cimento e boa gusa e a pequena duração do revestimento. No entanto, como essas dificuldades não são eliminatórias e existe já no País uma instalação, admite-se a possibilidade de ele vir a concorrer também com o processo que for escolhido.
De qualquer modo, devem restar apenas três soluções principais:
a) A de se obter toda a gusa de fundição ou para aços pelo baixo forno eléctrico, pelo forno Humboldt ou pelo forno Sturzelberger;
b) A de se produzir a gusa de fundição por um desses processos, obtendo-se o aço a partir da lupa Krupp-Renn;
c) A do emprego exclusivo deste último método.
O baixo forno eléctrico pode produzir aquelas quantidades de gusa mediante o consumo de 200-240 milhões de kWh. Mas a verdade é que, mesmo abstraindo do preço, não podemos dispor, por enquanto, para tal efeito, de um volume tão elevado de energia.
O forno Humboldt constitui um processo novo e ainda não utilizado em regime industrial contínuo, parecendo, assim, dever aguardar-se os resultados das experiências em curso, sob pena de comprometer, com o seu emprego exclusivo, o êxito da fase inicial da siderurgia.
Por último, o forno Krupp-Renn. consome qualquer combustível: antracite, lignite, pó de carvão de madeira, poeira de semicoque, etc., e funde de preferência os minérios com alto teor em sílica, parecendo assim aplicável às hematites de Moncorvo.
5. Em última análise, a opção por qualquer dos processos ou até a escolha de uma solução mista não se afigura fácil.
Só será possível formar um juízo seguro sobre a via em que convém orientar a nossa siderurgia depois de um ensaio em escala adequada que permita estudar a fundo e conhecer, sem surpresas, o comportamento dos nossos minérios, a qualidade dos produtos obtidos e a economia do processo.
O volume de capitais a investir nesta indústria e a delicadeza da sua técnica justificam todos os cuidados.