21 DE NOVEMBRO DE 1902 1117
tensões de serviço passaram de 220 a 400 kV; as maiores potências de corte dos disjuntores, que não iam além de 3 500 MVA, já cobrem, os 5 000 MVA e avançam para os 10 000.
A noção de que é preciso duplicar todo o equipamento eléctrico de um país em cada período de dez anos ou, mais claro ainda, o conhecimento de que o ritmo português actual excede a média, mundial atrás indicada e se aproxima antes dos 10 ou 11 por cento, com a duplicação do equipamento ao fim de sete anos; o saber que esse aumento de consumo representa hoje, em valor absoluto, 150 milhões de kilowatts-hora (com tendência para crescer), que é preciso gerar, transportar e distribuir a mais em cada ano - estes factos, bem compreendidos e bem meditados no seu avanço assustador, mostram o risco que, se corre se deixamos afrouxar a cadência de novas construções de centrais e de linhas.
Se pensarmos que uma central hidroeléctrica de tamanho médio pode produzir 50 a 100 milhões de kilowatts-hora amiais e que uma central grande (para as condições dos nossos rios, exceptuando o Douro internacional) pode atingir 300 ou 400 milhões; se pensarmos ainda que as centrais do Castelo do Bode e Vila Nova tiveram por missão, antes de mais nada, substituir a energia térmica das principais centrais de serviço público, que atingiu 438 milhões de kilowatts-hora em 1950, e que Belver está largamente comprometida para a fabricação de amoníaco, ter-se-á a noção exacta de que a marcha das novas construções terá de ser ininterrupta para não nos atrasarmos, terá mesmo de comportar obras simultâneas, contados três a cinco anos como tempo mínimo para realização de cada uma.
Interessa mesmo concretizar, porque é um exemplo a reter, o que se está passando com aquelas duas primeiras centrais. Quando se decidiu a sua construção não faltaram alarmes sobre o volume do dinheiro a gastar e a dificuldade de encontrar colocação para a massa de energia que nelas se ia gerar. Mas ao lindar o ano de 1952, o primeiro ano de exploração completa das duas unidades, verifica-se que elas esgotaram as suas capacidades de produção, que foram totalmente absorvidas pelo consumo, o que aliás esperavam as pessoas entendidas.
É por isso que quando os descrentes ou mal esclarecidos, tímidos ou comodistas dizem palavras negativas ou simplesmente desencorajantes deste esforço, que é a própria vida de uma nação em marcha, se estão tornando, talvez sem plena consciência, os responsáveis pelas faltas ou dificuldades que possam vir a sentir-se alguns anos mais tarde.
É dos livros que ter boa memória não é virtude dos povos; tudo que passa esquece. Para refrescar memórias fracas recorda-mos as duras limitações de consumo de energia eléctrica que o Norte ido País para cima de Santarém sofreu desde 1943, e tiveram o seu período mais agudo em 1949, ano em que as restrições duraram oito meses e o consumo chegou a estar reduzido, em princípio de Setembro, a 40 por cento do valor normal. As habitações não tinham corrente durante, o dia, as fábricas laboravam três dias por semana e os operários, abolidos os horários, começavam à meia-noite o seu dia de trabalho.
Disse-se, e foi verdade, que isto foi culpa da estiagem; mas não se disse a verdade toda, porque também tiveram pesadas responsabilidades a falta de potência instalada e a falta de linhas de interligação.
Estas palavras têm por objectivo mostrar que é útil ter um plano e que é necessário dotá-lo sem grandezas mas com suficiência.
b) A prioridade de construção. - É assunto que preocupa muita gente a ordem por que devem construir-se os aproveitamentos hidroeléctricos conhecidos. Há bons
dez ou onze anos - ainda as ideias de electrificação estavam in ovo - houve quem defendesse o critério de que, antes de se tomar posição quanto às centrais hidráulicas a preferir para as primeiras construções, se deveria fazer o estudo completo de todas as quedas viáveis, para então se escolherem da lista as que oferecessem melhores características de preço da energia. Como se há-de escolher bem se não se conhecem todas as soluções possíveis? - perguntava-se com aparente lógica e, ao mesmo tempo, com total desconhecimento do problema. Não se coutava com o tempo exigido por tal método (que não consta tenha sido aplicado alguma vez) e atribuíam-se-lhe vantagens que não existem, como veremos algumas linhas adiante, a propósito do pequeno valor que tem o escalonamento das centrais baseado no preço de custo da energia.
Quase ao mesmo tempo outro critério, igualmente errado por se basear, como o anterior, em ideias abstractas, veio aumentar a confusão dos espíritos: pretendia-se que, em vez de se iniciar a construção de novas centrais em dois sistemas diferentes, um no Norte e outro no Centro, como estava pensado desde início e veio efectivamente a fazer-se, se concentrassem as atenções, num só sistema, o do Zêzere, cujos estudos estavam mais adiantados.
Aos olhos da pessoa avisada saltam imediatos os inconvenientes da. solução. Em tempo normal, a alimentação da rede de transporte a partir de um só ponto i orna esta mais cara, aumenta as perdas e reduz a segurança de serviço, porque a avaria numa linha afecta geralmente maior zona consumidora; em período perturbado de guerra - ou agitação interna, a concentração em área restrita das maiores fontes de energia é de um perigo evidente; e a instalação dessas fontes na mesma bacia hidrográfica acentua a influência das estiagens e elimina a vantagem das compensações de potência que podem dar-se entre centrais de bacias diferentes - compensações que não são de desprezar, mesmo em países, como o nosso, em que os regimes hidrológicos dos diversos rios são essencialmente do mesmo tipo.
Mais tarde, já começados os trabalhos do Castelo do Bode e de Vila Nova, apareceram novas ideias; não deveriam concluir-se os sistemas do Zêzere e do Cávado (exceptuadas as duas centrais já começadas - erradamente segundo alguns), dando-se, pelo contrário, prioridade a outras centrais reputadas de mais baixo custo de produção; e esta doutrina ganhou rapidamente numerosos adeptos. O problema hidroeléctrico português tornou-se então um curioso puzzle em que as pessoas se divertiam a pôr o Douro à frente do Tejo, ou o Tejo atrás do Ocreza, ou o Ocreza adiante do Zêzere, ou o Zêzere por cima. do Côa, à procura de uma ordenação óptima com seu quê de cabalístico.
Tudo isto tem pouca base; não pode dizer-se que a ordenação segundo os preços de custo seja destituída de valor, mas está longe de ter a importância que lhe empresta o volume da discussão de que é alvo e a preferência que muitos lhe dão.
A ordem de construção das centrais hidroeléctricas pode ser condicionada por diversos factores além do preço da energia: o grau de regularização, dependente de ser mais necessária em dada época a energia de Inverno, a energia de Verão ou a energia regularizada todo o ano; a potência instalada, subordinada ao volume das necessidades a suprir em potência ou energia; a continuidade de marcha dos estaleiros, aconselhando a construção sucessiva de centrais vizinhas; a melhoria que uma central construída a montante pode trazer sobre as centrais de jusante; o tempo de construção ou o avanço do projecto, quando haja urgência em conseguir rapidamente a entrada em serviço de nova unidade; por último a localização, dependente da posição dos consu-