1130 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 168
rio. O consumo da nossa linha de Cascais é da ordem de uns magras 5 milhões de kilowatts-hora por ano.
Explicado, sem admissão de contradita, que há energia para electrificar, torna-se necessário esclarecer, porque o não foi ainda, que vantagens se podem esperar desse empreendimento.
Tentar uma coordenação de transportes à força de regulamentos sem melhorar o caminho de ferro é uma quimera. É esta a doutrina da Lei n.º 2008; daí uma primeira necessidade de electrificar.
Comecemos pelas nossas duas grandes cidades. A primeira vantagem que salta à vista é acabar com os fumos nos túneis de Lisboa e Porto, o que ainda concorre para a conservação tio material; e por outro Indo, em todo o transporte, mas principalmente no transporte de arrabalde, a vantagem para o passageiro de não ter de sujar as mãos ou a cara é geralmente apreciada. Se ao mesmo tempo pensarmos que neste transporte é socialmente necessário torná-lo cómodo e rápido, para que a população se habitue a irradiar da cidade, só na tracção eléctrica encontraremos as acelerações necessárias para harmonizar a rapidez da viagem com o grande número de paragens e para obter a intensificação do número de circulações. A nossa linha de Vila Franca é hoje o exemplo acabado de um mau serviço de arrabalde; o que espanta é que ainda tenha passageiros.
Há, por cima de tudo isto, um factor psicológico que não se pode esquecer: tracção eléctrica é, no subconsciente do povo, sinónimo de civilização; a tracção eléctrica atrai o passageiro. A linha de Cascais, onde a tracção eléctrica começou no princípio de 1927 e onde o acréscimo médio anual do número de passageiros era nessa época de 190 000, registou naquele ano o acréscimo de 938 000.
Até aqui as razões que militam a favor da electrificação das linhas suburbanas de Lisboa e Porto; e, se não se aproveita a ocasião de defender que, pelo menos as primeiras, bem justificam alguns complementos, é só para não se ser acusado de fazer castelos na areia.
Feita aquela electrificação, impõe-se estender o sistema à linha Lisboa-Porto, a principal artéria da nossa rede, porque assim se prolongará a obra já começada nas extremidades e se terá um conjunto unificado em que a electrificação mostre as suas vantagens.
Acumula-se neste conjunto quase 50 por cento do tráfego ferroviário português - parcela que libertará a Nação de comprar por ano 75:000 contos de combustível estrangeiro e se libertará a si própria da contingência do seu abastecimento. Por outro lado, há muito se tem dito e repisado que o tráfego nesta parcela da rede, onde se concentra uma densidade de consumo de carvão acima de 300 t por quilómetro e por ano, é superior à média de alguns países de electrificação florescente com os métodos até hoje clássicos: corrente contínua a 1 500 ou 3000 volts e corrente monofásica a 15 000 volts, 16 2/3 Hz.
Mas um recente progresso técnico se apresenta hoje como esperançosa promessa, capaz de reduzir os custos de transporte na tracção eléctrica, pela diminuição da despesa de 1.º estabelecimento: a tracção por corrente monofásica a 50 Hz com tensões de 20 a 30 kV. Alarga-se assim o âmbito da electrificação proveitosa a linhas de tráfego cada vez menor; aumenta n segurança com que se investe o dinheiro em obras que já seriam úteis com as soluções ciáticas, e afasta-se, a hipótese de que ressuscite o velho do Restelo.
... meneando
Três vezes a cabeça descontente.
Começada pelos alemães em 1936, na linha de Hõllental, continuada a seguirá guerra pêlos franceses, que lhe deram notável impulso, esta nova técnica já hoje desperta o interesse dos Estados Unidos, da Inglaterra, da Itália e da Rússia, que ensaiam ou se preparam para ensaiar instalações deste tipo no seu território.
Em França foi tão seguro o êxito da primeira linha, de Aix-les-Bains a Roche-sur-Foron, que uma nova linha de (pesado tráfego com cerca de3001uu (Thionville-Valenciennes) começa em montagem pelo novo sistema para estar pronta dentro de dois anos.
O receio de que pesadas cargas monofásicas perturbassem o equilíbrio de tensões da rede geral trifásica, diminuindo a qualidade do serviço desta, começa a desfazer-se com os ensinamentos da experiência francesa; e embora a rede portuguesa, pelo valor ainda pequeno da sua potência de curto-circuito, seja particularmente vulnerável a esse efeito, a pequena potência que, por seu lado, a tracção vai exigir, as regras técnicas de defesa já conhecidas e a possibilidade de um ensaio prévio num analisador de redes já nos deixam olhar com tranquilidade para a possível solução monofásica.
É conhecido como algumas administrações de caminhos de ferro electrificados fazem o elogio desta forma de tracção; é sabido que em algumas redes as economias de cinco ou seis anos de exploração pagaram todo o encargo de 1.º estabelecimento; e é intuitivo que só uma real vantagem pode levar aos programas que metodicamente se sucedem em muitos países da Europa. A corrente monofásica à frequência industrial, se se firmar, como se espera, virá a ser mais um factor de vitória da tracção eléctrica.
E é chegada a altura de enumerar a virtude mais saliente da nossa electrificação ferroviária. Temos um deficit na exploração das vias férreas; poderá dizer-se que muitos se queixam do mesmo, mas há que distinguir a posição dos que exploram deficitàriamente mas mantêm um serviço esplêndido em velocidade, comodidade e número de circulações (Inglaterra, França, Itália) e aqueles que, como nós, acumulam o déficit com um serviço inferior. Entre Lisboa e Porto há um «rápido» por dia e mais um três vezes na semana; tudo o mais é na proporção.
Anda-se afanosamente a combater o déficit, em parte com economias que não melhoram a qualidade do serviço; e não pode passar-se em silêncio sobre a única solução efectivamente construtiva. Nunca ninguém construiu não fazendo algo de novo; não parece provável reanimar a nossa rede mal equipada, em cuja vida se adivinha a sombra de um fatalismo que entorpece, com a simples operação de cortar verbas no orçamento; há que fazer alguma coisa de mais rasgado.
É por tudo isto que, antes de se ter espalhado a ideia desencorajante de que não haveria electricidade, não pode ter estado nas intenções- iniciais do Plano uma 1.ª fase de electrificação limitada a Sintra; e a prova está em que o relatório anexo faz referência à possível extensão dessa 1 .ª fase até ao Setil. Em boa verdade, a electrificação não consiste em pôr umas automotoras eléctricas na linha de Sintra, porque isso seria, quando muito, um problema turístico de Sintra, e não um problema ferroviário.
O que é ferroviário é a electrificação como fomento, aquela que melhora o serviço e saneia as contas; é electrificar todo o tráfego dos arrabaldes de Lisboa e Porto e a linha entre as duas cidades, pelas razões de densidade que já se apontaram. Mas não tem faltado nem defenda, que tendo a linha do norte um pouco menos de tráfego no troço central entre o Entroncamento e Aveiro se deveriam limitar aí as electrificações partidas de cada cidade.
Há nisto um erro de técnica. Por um lado, sendo esse troço o mais acidentado da linha, é aí que a electrici-