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15 DE DEZEMBRO DE 1952 371

que nada acrescentam à sua glória e são ofensivas da verdade e da consciência nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Não é aqui o lugar próprio para a análise crítica do livro deplorável, nem tenho títulos que para tanto mo imponham à benévola atenção de V. Ex.ª, Sr. Presidente, e da Câmara para o fazer com proveito.
Não apoiados.
É, em todo o caso, urgente fazê-lo, porque Aquilino Ribeiro, pelos primores do seu estilo terso e vernáculo de prosador, tem larga e merecida audiência no público redor do País.
Não são só reis e príncipes que Aquilino Ribeiro amesquinha e ridiculariza, mas a própria Universidade e os seus mestres, que achincalha e reduz à mediocridade risível e enfatuada. E com isto não atinge apenas a vetusta e sábia corporação, madre da cultura, mas a própria cultura nacional, que ela fomentou e mantém.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Para que a Câmara se aperceba do tamanho da injúria, vou transcrever as palavras de Aquilino Ribeiro, situadas no tortuoso perfil de D. João III, a pp. 146 e 147 do livro referido.
A propósito da transferência da Universidade para Coimbra e da reforma e renovação do ensino realizadas por aquele rei, Aquilino Ribeiro aproveita o lanço para aludir aos processos que a Inquisição moveu a alguns professores do Colégio das Artes e concluir daí que, perseguidos tais professores, o espírito científico e indagador abandonara para sempre a egrégia instituição e o País. Na verdade, Aquilino Ribeiro escreveu:

Assim ou assado, a Universidade, pedra lar das artes e das letras, onde deviam prevalecer as luzes da razão em prejuízo das ideias estáticas da escolástica e da ciência antropocêntrica, tinha vivido o tempo que vivem as rosas.
Dali em diante ficou, no geral, a instituição bafienta, inútil, arcaica, submissa às ideias feitas, onde jamais foi possível entrar um verdadeiro ar de civilização e sair outra coisa que não fossem as metanas exaladas pelo timpanismo dos mestres mais possidónios, mais abroeirados, mais sapateirais do Orbe.

Esta linguagem podem usá-la os pasquinários sarrafaçais que passam sem reparo, gorgulhando como os enxurros, a caminho da sarjeta; Aquilino Ribeiro, pela sua categoria mental e pelas responsabilidades que criou, não pode nivelar-se, barba por barba, com esses desesperados da notoriedade.
E tudo isto porquê, Sr. Presidente?
Só porque no século XVI alguns professores, que nem sequer o eram da Universidade, foram processados pela Inquisição!...
Pois o aleijão incurável vem daí, daqueles processos - daqueles processos e dos jesuítas, claro.
O Doutor Egas Monis, Prémio Nobel, ao ler as palavras de Aquilino Ribeiro, devo sentir grande conforto moral, por ver assim apreciado o seu labor do tantos anos!... Internacionalmente coroam-no com os louros reservados aos grandes da Medicina, mas na sua própria terra atiram um ramo de urtigas ao seu «possidonismo abroeirado o sapateiral».
Apetece perguntar em que sujo tinteiro molhou Aquilino Ribeiro a sua pena de ouro do escritor, para dela escorrer as achincalhantes expressões desfechadas às
gerações de homens que ao serviço da cultura consagraram e consagram a sua vida trabalhosa.
E a cultura teria ficado irremediavelmente comprometida pela Inquisição ao processar e punir os mestres do Colégio das Artes?
É o que em breves palavras tentarei esclarecer.
Pesa-me não poder referir em pormenor o que foi o esforço perseverante de D. João III para arejar o ensino universitário e dotá-lo com professores à altura das novas correntes culturais geradas no renascimento.
Fá-lo-ei todavia em breves palavras.
A ressurreição da cultura clássica e por ela o amor da natureza, as viagens e navegações o aproximação e contacto com outras civilizações vieram revelar novas fontes e modos de saber. A cultura antropocêntrica extroverte-se e o homem volta-se para o real, para a Natureza o interroga-a no esforço de compreendê-la.
Ao mesmo tempo corrigem-se, pelas navegações, os erros da távola ptolemaica com os dados experimentais colhidos directamente. Criam-se a filologia e outras ciências auxiliares e procura-se recriar a própria antiguidade para melhor a compreender.
Os velhos quadros do saber medieval estavam ultrapassados.
Homem do seu tempo, curioso e atento ao real, Duarte Pacheco Pereira, que nas suas navegações verificara os muitos erros de Ptolemeu, pôde escrever, como verdadeiro homem de ciência que era: «depois do que dito é, a experiência, madre das coisas, nos ensina a verdade e toda a dúvida nos tira».
Atentos ao que no mundo da cultura se passava, cedo pensaram os nossos reis na reforma do ensino universitário.
Coube, porém, a D. João III preparar, com tenacidade e largueza, os meios do reformar com êxito a velha Universidade dionisina, ultrapassada pelo brilho cultural da Renascença.
Durante trinta anos este grande rei subsidia estudos nas Universidades estrangeiras mais afamadas, onde prepara o novo quadro do professores com que há-de dotar a Universidade reformada. Para França dirige então a maior parte dos estudantes, os quais vieram a repartir-se pelos Colégios de Santa Bárbara, em Paris, e de Guiena, em Bordéus.
Uma vez preparado o escol de professores, D. João III transfere a Universidade para Coimbra, reforma-a e dota-a largamente de meios e de professores à altura da sua missão cultural. «A D. João III - escreve o Dr. Mário Brandão -, «só a ele, cabo a glória de ter realizado, desajudado de auxílios, e quantas vezes contrariado pelas resistências e más vontades, a reforma do ensino».
Transferida a Universidade para Coimbra, confia aos antigos bolseiros tanto as cadeiras que constituíam o curso universitário propriamente dito como as do Colégio das Artes, também de fundação joanina. E, como não chegassem os professores portugueses, contratou no estrangeiro os mestres mais afamados, estipendiando-os tão largamente que o célebre Azpilcueta Navarro foi o mostre mais bem pago da Europa.
D. João III foi, assim, o grande amigo da cultura, o protector desvelado da Universidade, e bem merece, por isso, a reverencia dos que prezam as grandes o belas coisas do espírito.
A Universidade de Coimbra, enobrecida por este rei magnânimo, foi então um centro cultural, cujo brilho igualou o das mais célebres Universidades estrangeiras daquela época.
Grande e caluniado rei, que a história vai desembaraçando do escalracho das mais vis o persistentes calúnias, só por este acto bem merece a reparação histórica com que o Governo se honrou mandando erigir no pátio da sua querida Universidade a bela estátua que