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15 DE DEZEMBRO DE 1952 373

tabilizaram nas letras, como o Dr. João de Barros, António Ferreira, Uriel da Costa e Duarte Nunes de Leão; canonistas, como o afamado Agostinho Barbosa, tão respeitado em Roma, e Serafim de Freitas, professor na Universidade de Valhadolide, que se imortalizou com a sua crítica das doutrinas de Grócio; médicos como Zacuto Lusitano, eminente patologista e deontologista, Ambrósio Nunes, um dos primeiros higienistas, e Aleixo de Abreu, autor da primeira nosografia do escorbuto e da rectite gangrenosa, a que se chamava comummente «mal do bicho», temível doença que dizimava a infeliz escravaria negra.
A reforma de 1612 - acrescenta noutro passo - que amarra definitivamente os mestres, cortando-lhes toda a iniciativa pedagógica, vejo contribuir para desactualizar o seu ensino ...

Certamente que, se compararmos este balanço com o século XVI - o século de ouro da cultura nacional, apesar da Inquisição e dos jesuítas -, não pode negar-se o lento esmorecer do brilho excepcional de um grande século português. Apesar de tudo, o trabalho continuou e com ele a cultura.
A Restauração deveu à Universidade a sua justificação filosófico-jurídica, pois a velha corporação esteve sempre presente em todas as emergências em que perigou a vida da Nação.
Paulo Merea, a p. 230 dos Estudos de História do Direito, escreveu:

Graças aos impulsos destes eminentes restauradores da escolástica, a doutrina da soberania popular ganhou nova energia e atingiu pleno desenvolvimento, podendo mesmo considerar-se este período o do seu apogeu. Precisou-se e sistematizou-se a doutrina, fixaram-se os princípios, salientaram-se e relacionaram-se os aspectos essenciais, especialmente a ideia de pacto anteposta à constituição da autoridade política, e finalmente, tirando das premissas todas as conclusões lógicas, sustentou-se desassombradamente que os povos podiam depor o rei.
A decadência não foi, pois, a extinção da elaboração cultural, nem de outro modo se compreenderia a existência da plêiade brilhante do diplomatas e políticos de que o estado renascente teve de lançar mão e o serviram com dignidade e sucesso.
Quando, após a Restauração, o País pôde curar as feridas da sua carne ensanguentada e houve meios materiais para o fazer, logo se pensou na necessidade de reformar o ensino, e para isso trabalhou ainda D. João V. Nisto, porém, como em outras coisas, o marquês de Pombal apenas teve o trabalho de dar seguimento e realização a ideias anteriores, já delineadas ou apenas sugeridas.
Fez-se a reforma pombalina, já de harmonia com a nova ordem de estudos, mas, se compararmos o número ,de professores estrangeiros então contratados com os que teve de contratar D. João III, logo se vê que no País estava preparada a quase totalidade dos novos professores. Seja-me lícito, por pendor de espírito, recordar o eminente Melo Freire, renovador do ensino do direito pátrio.
Ora, se a Nação pôde fornecer a quase totalidade dos novos professores, como pode dizer-se, com verdade, que a cultura se perdera entre nós? Onde se prepararam então os professores portugueses dessa nova época? Desde então, e pela extinção dos institutos religiosos, a cultura nacional ficou exclusivamente entregue à Universidade de Coimbra, à qual se juntaram, há cerca de um século, as duas restantes Universidades portuguesas.
Os que em institutos privados deram também o seu esforço meritório para a tarefa prepararam-se nas aulas universitárias e eram, portanto, uma extensão da actividade cultural da Universidade.
E agora mesmo, fora do meio universitário ou do meio por aquele preparado, não se vê a quem a cultura nacional deva mais relevantes serviços.

O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Pelas palavras de V. Ex.ª parece não ter existido a Universidade do Évora, instituição do século XVI que tanto brilho deu às letras pátrias.

O Orador:- Só mo estou ocupando da Universidade do Coimbra.
Onde está, pois, o possidonismo abroeirado e sapateiral dos universitários, de que fala Aquilino Ribeiro?
Acode-me que Aquilino Ribeiro queira aludir à falta de algumas técnicas, neste século tecnicista, que outros mais largamente providos de meios desenvolveram e criaram. Se é isto, Aquilino Ribeiro confunde progresso com cultura. Culturalmente qual é a superioridade do nylon sobre o linho patriarcal dos bragais? Reduzir a cultura às técnicas, mais ou menos aperfeiçoadas, é confundir progresso material com os mais altos e imperecíveis valores do espírito.
Peço perdão à velha Universidade, onde aprendi o pouco que sei, por ter vindo a terreiro, para a desagravar, voz tão fraca e desautorizada. Daqui, porém, lhe testemunho a minha enternecida reverência, à velha avòzinha e aos seus mestres.
Sr. Presidente: não quero terminar sem saudar as Universidades portuguesas, centros da cultura nacional, na pessoa de todos os catedráticos com assento nesta Câmara, e pedir licença para, de um modo especial, distinguir nesta respeitosa saudação a minha Escola do Coimbra, na pessoa dos seus ilustres professores Doutores Mário de Figueiredo, Manuel Lopes de Almeida e Diogo Pacheco de Amorim. Estou certo do que a Câmara não recusará comigo a alta corporação dos trabalhadores do espírito a reconfortante certeza do seu carinhoso respeito e alto apreço.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Múrias: - Sr. Presidente: depois do ensaio crítico em forma de discurso que ouvimos talvez não valesse a pena ir mais longe. Todavia, há ainda uma pergunta a fazer:
Como é que, depois de um esforço de rectificação histórica, a prolongar-se sistematicamente e a esclarecer-se, embora com altos e baixos, há mais de cem anos; e, posto que há menos tempo e no decorrer de um esforço de rectificação política e social, a cuja eficiência já se não podem opor dúvidas, como é que são ainda possíveis livros como este do Sr. Aquilino Ribeiro sobre Príncipes de Portugal - Suas Grandezas e Misérias?
Na «Advertência ao leitor», que os editores antepõem ao livro do Sr. Ribeiro, esboça-se uma explicação:

O critério dele foi o do romancista: interessou-lhe tudo o que não é comum. Para a história, de resto, não há apenas ouro, há também o oricalco.
Não tem que considerar apenas a glória, mas ainda as sombras salitrosas que a empanam. Arte ou ciência, olha com o mesmo ar curioso santos e facínoras, contanto que tenham dado leis e conduzido homens ao cadafalso ou à prosperidade.