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374 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 183

E, sem atenderem ao que poderia ser a modéstia do autor, se a tivesse, os editores vão mais longe:

A história é um juízo de Deus antecipado por um critério humano, sequioso de acerto e de equidade.

Coisa que o Sr. Ribeiro está longe de pretender e o redactor da «Advertência» lhe não concedeu ao escrever:

Aquilino Ribeiro olhou para esses grandes de Portugal e pintou-os, como Velasquez fazia, com cores de arco-íris.
Tais como eram. Melhor, tais como lhe pareceram. Sem deixarem de ser obra do historiador, escreveu estes perfis o novelista.

Esboço de explicação, como dissemos - está muito longe, porém, de explicar as incursões novelística?, por mais de uma vez, em matéria histórica -, menos susceptível, à primeira vista, de se deixar submeter à imaginação do romancista sem quebra de dignidade.
E também aqui nos encontramos perante um equívoco, que é indispensável esclarecer.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ribeiro principiou a sua vida literária, pela novelística.
Faltou-lhe sempre a imaginação capaz de se limitar ao verosímil. Para o conseguir, mais ou menos, cingia-se a formas de autobiografia ou de memorialista. O próprio «Malhadinhas», uma das páginas que ficarão (se não tiver ensejo de a estragar, como principiou a fazê-lo na última revisão), saltou-lhe, como por acaso, mais do que da imaginação, da retina.
Tirante a prosa, não é obra de artista a sua, também o não é de romancista - é obra de fotógrafo ou, como sucede com certos pintores, de retocador hábil de fotografias sem luz nem relevo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Eis porque ressalta de todas as suas obras a aspiração ofegante de ocultar, nos rodopios do estilo duro, a falta evidentíssima de imaginação criadora, que só pôde esconder nas primeiras obras, quando o leitor, desprevenido, se não podia esquivar à surpresa da manobra estilistica. Eis também porque, ao declinar da vida, quando tomava consciência maior da sua própria incapacidade criadora, deu em enveredar pela tradução (traduttore, traditore) e pela história.
Para tradutor falta-lhe, porém, quase sempre, o saber perfeito dos idiomas que tem traduzido e também o mesmo conhecimento da própria língua, quando se trata de trasladar certas expressões, e certos pensamentos de alta nobreza, a que não anda habituada a pena rude do beirão mal amanhado, que nem sequer parece capaz de entender o que ainda, e sempre, graças a Deus, persiste na alma e no coração da boa gente rural da Beira Douro, e de mais longe, e que dir-se-ia não ter topado jamais no seu caminhar por veredas escura».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para historiador falta-lhe o que pode dizer-se: «não bebeu história em pequeno», além duma inadaptabilidade aflitiva e renitente de expressão, justificável pelas mesmas razões que explicam as traduções de textos, latinos ou (como quem não quer a coisa) de textos gregos.
O historiador, no Sr. Aquilino Ribeiro, surgiu fora de horas; e há no livro Príncipes de Portugal uma espécie de confissão involuntária de senilidade precoce, ao levantar gostosamente das imundícies encravadas, na História aquele inverosímil caso, que só uma carência total de senso crítico e de escrúpulos pode aceitar como bom: o do casamento de El-Rei D. Manuel I com a Infanta D. Leonor de Áustria, irmã de Carlos V e da futura mulher de D. João III, a Rainha D. 'Catarina. Saboreando, deliciado, a atoarda, a que não traz o abono da mais leve demonstração, o Sr. Ribeiro lança esta pergunta reveladora:
O velho veio a. sabê-lo?
a velho é D. Manuel, que morreu cora 02 anos e tinha 49 ao desposar D. Leonor. Ora, se D. Manuel podia ser considerado velho entre os 49 e os 52, que se há-de pensar agora do Sr. Aquilino Ribeiro, que escreve este livro de atrapalhada história à volta dos 67?
Vendo bem, nem sequer é história o que se desenrola através das duzentas páginas do livro, para rectificar o qual seria preciso não uma singela anotação, como a que se lhe faz agora, mas um grosso volume, abonado de farta, embora fácil, documentação, para se fazer ideia da inconsciência com que o escritor abocanha, desde Viriato a D. Sebastião, passando pela excelsa figura do Condestável, algumas das mais altas figuras morais da história portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Custam, sem dúvida, a evitar nesta tribuna, onde já não é costume empregarem-se expressões indignas de assembleias representativas, as palavras candentes que melhor qualificariam a proeza, e não as usaremos agora, se bem que a desenvoltura com que salpica a pena enlameada santos, heróis, reis e instituições que são lustre da Pátria e a ajudaram a constituir, a engrandecer e a manter livre e altaneira, durante .séculos e séculos, autorize, noutro lugar, a solta linguagem do Sr. Aquilino Ribeiro para o mesmo Sr. Aquilino Ribeiro.
Historiador? Não! Nem agora, neste feixe de insidiosas diatribes contra altíssimos valores espirituais da Nação, nem quando, ao traçar num volume grosso e grosseiro o perfil de D. Constantino de Bragança - embora, por mais espantoso que pareça, lhe tenha sido encomendado e pago pela Fundação da Casa de Bragança, nem quando, de perto ou de longe, em livros ou artigos de jornal, bordeja a história.
No fundo, trata-se, afinal, de arremetidas políticas, onde a invocação histórica não é, nem quer ser, outra coisa senão a agressão mal encapotada ao regime que assume expressamente a responsabilidade de reerguer e defender Portugal na sua grandeza para o futuro, que laboriosamente se procura levantar cada vez mais firme e cada vez mais belo.
Como entende também disto o Sr. Aquilino Ribeiro? Como se esgueira ele a colaborar na acção que se pode definir como a missão de portugueses para o nosso tempo? Pois, como se vê a todo o momento nos seus escritos, procurando esvaziar os que o atendem ou podem segui-lo de qualquer sentimento ou pensamento superior, arredando-os do respeito devido aos grandes servidores da Nação no correr dos séculos, que o Sr. Aquilino Ribeiro de modo especial se consagra.
A página consagrada à Universidade de Coimbra exprime talvez melhor do que outra qualquer as intenções que o conduzem. Lê-se e mal se entende que possa haver ainda alguém capaz de a congeminar, redigir e assinar.

Vozes: - Muito bem!