15 DE DEZEMBRO DE 1952 379
As exigências da guerra e as suas consequências provocaram em todos os países, grandes e pequenos, uma interpenetração prática das finanças públicas nas actividades económicas, e as fases sucessivas da revolução russa trouxeram à tela da discussão e das perigosas experiências políticas a tese extremista que atribui ao Poder Público a posse de todos os meios de produção e a direcção exclusiva da circulação e da distribuição dos consumos.
E de novo vimos multiplicarem-se as teorias defensoras de um intervencionismo económico nas actividades particulares, que estas seriam as primeiras a reclamar e a defender na medida em que lhes convinha.
Também me absterei de fazer aqui a fácil exposição das várias teorias condensadas nos compêndios, e que vão do puro colectivismo à socialização mais ou menos extensa das actividades económicas, ou à promoção das iniciativas particulares ao plano da vida pública, para mostrar a originalidade sua solução portuguesa que informou esta proposta.
Da mesma forma, que a Lei n.º 1 914, a proposta em discussão tem todas as características de uma lei de meios, e por isso podemos dizer que nesta hora e neste momento estamos a discutir não uma, mas duas leis de meios: uma para ser executada no orçamento ordinário de 1953; outra para ser executada através dos orçamentos de 1953 a 1958.
Duas leis de meios, mas um só orçamento, que assegura a unidade da política a seguir, e, através de um só orçamento, procurar atingir a realização de dois equilíbrios, um de carácter financeiro e anual, outro cíclico e de carácter económico e social, o equilíbrio a que se refere o § 1.º do artigo 31.º da Constituição, «o equilíbrio da população, das profissões, dos empregos, do capital e do trabalho».
Esta a solução portuguesa, que ouso considerar incomparavelmente superior a outras preconizadas por várias teorias e executadas em vários países.
Como lei de meios, da proposta constam apenas previsões e linhas programáticas de uma política a executar através dos orçamentos de vários anos. Nem as actividades mencionadas no esquema da proposta excluem as que constam normalmente do orçamento ordinário, nem este fica inibido, e antes pode ficar obrigado, a favorecer a execução dos empreendimentos do Plano com outras medidas que para sua melhor execução se julguem complementares.
Compreende-se, pois, o pouco interesse que poderia ter para esta Assembleia que lhe fossem reconhecidos poderes para alterar os pormenores das rubricas gerais inscritas no Plano ou os números globais que nesse Plano correspondem apenas a previsões a longo prazo.
Qualquer alteração dos números globais, além de difícil justificação, resultaria praticamente inútil ou ilusória. Os cálculos mais rigorosos terão de ser feitos pelo Governo ao inscrever anualmente no orçamento as verbas julgadas suficientes, e ninguém discutirá que ao Poder Executivo compete, exclusivamente deixar em sobras as verbas inscritas, se não é possível realizar as obras ou reforçar as verbas, quando necessário, sob pena de o plano da política anual não ter execução.
Em qualquer caso a alteração feita a longo prazo dos números globais inscritos no Plano seria absolutamente inútil ou ilusória.
Mas se na sua característica jurídica de lei de meios, a proposta se aproxima da Lei n.º 1 914, na orgânica do seu intervencionismo económico revela-se, creio eu mais avançada, prosseguindo na execução dos princípios constitucionais, que são. como VV. Ex.ªs sabem, ao mesmo tempo anti-socialistas por isso respeitadores das iniciativas particulares e antiliberais e por isso orientadores das mesmas iniciativas, chamadas pela proposta a colaborar com as actividades do Estado na execução do plano económico de engrandecimento nacional.
Política, pois, de solidariedade e de cooperação de todas as energias e de todas as reservas da economia da Nação, tal é, a meu ver, a política inspiradora da proposta em discussão, mas creio ainda, Sr. Presidente, que. como lei de meios a executar ao longo de seis anos, o valor da proposta dependerá em grande parte da boa ou má execução que lhe for dada.
E que pensará o Governo acerca da. sua possível execução.
Confesso que não tive contacto de qualquer espécie com qualquer dos ilustres membros do Governo sobre o Plano: mas, como tenho o hábito de ler jornais, li, com certo empenho, a entrevista dada em Lourenço Marques aos jornalistas pelo Sr. Ministro das Finanças a respeito do Plano de Fomento. Nela se lêem as seguintes palavras, atribuídas ao Sr. Presidente do Conselho:
Vamos ter imenso que fazer para dar realidade ao Plano. O Governo tem à sua vista uma tarefa violenta e complexa. Há-de formular novos estatutos jurídicos, chegar a novas disciplinas, estabelecer diferentes processos administrativos.
Precisa de inventários, estudos, depoimentos técnicos, prospecções. Tem de habilitar-se com ensaios, experiências e relatórios de missões; tem de completar algumas instalações. Certos serviços públicos virão a ser alterados, completados ou reformados. Serão ditadas novas regras jurídicas adequadas às circunstâncias.
Quer dizer: o Governo, segundo estas palavras do Sr. Ministro das Finanças, é o primeiro a reconhecer que o êxito da proposta dependerá da sua boa ou má execução.
Não quero cansar a Assembleia, mas desejaria ainda fazer uma ligeira referência à estranheza de uma política de facilidades sobre a parcimónia do recurso ao crédito externo previsto na proposta. A razão deu-a ainda o Sr. Presidente do Conselho nestas palavras, que importa nesta hora recordar:
Não se pode esquecer que a plena independência em relação às bolsas estrangeiras nos permitiu nas duas últimas décadas apreciável liberdade de movimentos. É, além disso, salutar que, sempre que possível, o País conte sobretudo consigo, sem que isso signifique menor interesse ou simpatia pela cooperação do capital estrangeiro no desenvolvimento de algumas das nossas riquezas.
É na verdade salutar que o País conte sobretudo consigo.
Ouvimos já comparar o esforço de renovação revelado por esta proposta ao período de regeneração que foi conhecido pelo «fontismo».
Creio que o confronto é possível, mas para logo notar esta diferença: os caminhos de ferro, os telefones e os eléctricos foram estabelecidos e apetrechados quase todos por técnicos e capitais estrangeiros.
Não é que faltasse nesse tempo capital português, como se podia verificar pelos avultados créditos registados nos bancos estrangeiros a favor de portugueses. Estes, porém, não contavam consigo mesmo: tinham perdido a confiança da reconstituição nacional e, por isso, se contentavam com receber os baixos juros pagos pelos bancos de Londres e de Paris.
Esses capitais portugueses eram depois trazidos pelos capatazes, que vinham rasgar os caminhos de ferro, montar os telefones e os eléctricos, pelo que era de aplicar el cuento do galego que vinha vender água para