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15 DE DEZEMBRO DE 1952 375

O Orador: - Contra D. João III? Não. Também não ... Abarca-se perfeitamente o objectivo visado na falsificação das razões que levaram a transferência para Coimbra, quando se encontram palavras como estas:

... a Universidade, pedra-lar das artes e letras, onde deveriam as luzes da razão em prejuízo das ideias estáticas da escolástica e da ciência antropocêntrica, tinha vivido o tempo que vivem as rosas. Dali em diante ficou, no geral, a instituição bafienta, inútil, arcaica, submissa às ideias feitas, onde jamais foi possível entrar um verdadeiro ar de civilização e sair outra coisa que não fossem as metanas exaladas pelo timpanismo dos mestres mais possidónios, mais abroeirados, mais sapateirais do Orbe.

Causa vertigem o debruçarmo-nos perante semelhantes abismos de ignorância e tão completa e redonda inconsciência do respeito que a si próprio devo quem
empunha uma pena a indicar caminhos aos que acreditam e estão dispostos a confiar.
E é preciso, realmente, deixar-se vencer pela curiosidade de alcançar os limites possíveis da falsa cultura, desrespeito pela verdade ou ódio por certos estilos de vida espiritual superior, a que nem todos são capazes de se erguer, mesmo se quisessem - para fugir a tentação de pegar com a ponta dos dedos uma ponta do papel e atirá-lo fora...
A Universidade entrava precisamente então num período de esplendor que raras vezes alcançou; e os mestres que nela ensinaram, se por algum tempo foram esquecidos pelo advento de ideias e modas estrangeiras, erguem-se agora de novo no vigor do seu vulto, cada vez mais vincado e mais singular, à medida que os vão libertando os estudos persistentes de investigadores beneméritos da poeira dos séculos que os encobria.
Ainda há pouco pareceria incrível ver alguém com responsabilidades intelectuais efectivas ou fabricadas atrever-se a delinear o retrato moral e político de D. João III, para o condenar pela reforma que abriria novos caminhos à Universidade. Mas ainda parece mais difícil de entender que se pretenda erguer o perfil do grande rei, se invocar nele o homem extraordinário que lançou o fundamento da maior epopeia positiva da Nação Portuguesa - a da colonização do Brasil.
Creio ter chegado a hora V em que se terá de pôr de novo a questão de saber se outras preocupações mais urgentes no momento, e que, por isso mesmo, nos têm
Ocupado noite e dia, não tomaram o lugar no nosso espírito de certos valores nacionais deixados de lado ...
Terá então de se proceder em conformidade com o novo arranjo dos problemas que devam ser colocados à, frente das nossas preocupações dominantes.
Espero que não tarde.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Lopes de Almeida: - Sr. Presidente: as considerações que acabam de ser feitas na Assembleia Nacional obrigam-me a proferir também algumas palavras, e não desejo que elas sejam de réplica nem de animadversão. Não de réplica, porque não é este o lugar apropriado para o fazer, nem de animadversão, porque, graças a Deus, tenho o meu coração isento de malquerenças ou raiva.
Mas se algum tom pode encontrar-se nas palavras que disser, esse é de tristeza pelo reconhecimento de uma grave falha da nossa cultura geral, a ausência
quase total de uma consciência crítica, impoluta e desassombrada.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - A não se verificar essa ausência de consciência - crítica na nossa pobre república das letras, seria impossível a alguém, com a responsabilidade de usar nela um nome mais ou menos famoso, lançar a público, periodicamente, um acervo de literatolices que a pasmaceira e a complacência nacionais julgam valer qualquer coisa mais do que a rubicunda cor lhes empresta.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quem põe alguma atenção ao movimento literário do nosso país depara, por vezes, com as coisas mais estranhas e mais inusitadas. Por um lado, erguem-se nos escudos das referências bibliográficas, com objectivará o excessiva, trabalhos e autores que um errado espírito de solidariedade aponta como merecedores de renome geral.
Por outro lado, deixam-se à parte ou dedicam-se apenas duas dúzias de linhas a outros trabalhos que bem mereciam, pela sua seriedade ou por exprimirem uma promessa de espírito criador e fecundo, uma página de análise sagaz e fortemente animadora.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quando um autor, depois de ter deitado a público uma porção numerosa de volumes, alcança alguma notoriedade e consegue leitores fiéis, ou ao menos coleccionadores fiéis dos seus livros, dá-se-lhe o título de mestre, e naturalmente com esta palavra querem significar coisa diferente do que ela etimològicamente significa. Mestre ... eles chamam-lhe mestre. Mestre de quê? Mestre de quem?
A função de ensinar é uma alta, honrosa e difícil missão e pede a todos os que a desejam exercer uma consciência recta, uma preparação séria, um espírito elevado, uma dignidade incompatível com paixões e inconformável a subordinações de partido ou de seita.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não se é exclusivamente mestre na cátedra de qualquer grau de ensino; mestre sempre pode ser todo aquele que comunica com o público em larga audiência, por tudo quanto se escreve ou profere em qualquer espécie de tribuna. E quanto maior receptividade surpreender em seu auditório tanto maior também é a responsabilidade que lhe cabe.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Eu digo que é muito grave a posição do mestre que na escola induz propositadamente em erro os seus discípulos porque lhes afeiçoa o espírito à injustiça, à mentira, à intenção dolosa. Eu afirmo que é igualmente reprovável a atitude de quem não possui a sensibilidade bastante e a inteligência suficiente para compreender a sua missão de educador e distribui como pábulo propositado a semente envenenada da sua palavra atrabiliária e derrancada.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas não é menos grave a posição do homem de letras que conta de antemão com a incultura geral, com a complacência dos que têm poder