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372 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 183

as mãos de Francisco Franco compuseram. Veio tarde a hora da justiça, mas veio.
Contemos agora o tenebroso caso do processo dos mestres do Colégio das Artes, que Aquilino Ribeiro agarra como pretexto para o seu mau falar.
À semelhança do que sucedia em Paris com o Colégio de Santa Bárbara, D. João III decide, em complemento da sua reforma, criar junto da Universidade o Colégio das Artes, como escola autónoma de Latinidade e Filosofia.
Para leccionarem neste Colégio chama D. João III os bordaleses do Colégio de Guiena, dirigidos por André de Gouveia. Com os portugueses daquele Colégio vieram, para completar o quadro professoral, o escocês Jorge Buchanan e outros, todos eles homens de grande fama e merecimentos.
A criação do Colégio das Artes (1548) levou a desapossar das cátedras do Artes e Gramática os professores parisienses do Colégio de Santa Bárbara, leccionando então na Universidade, e os que não foram desapossados tiveram de transitar para o novo estabelecimento de ensino em condições de subalternidade.
Daqui se originou grave questão entre parisienses e bordaleses, que veio a culminar na denúncia à Inquisição da heterodoxia destes últimos. Aqui está como a Inquisição veio a processar e julgar os professores João da Costa, Diogo de Teive e Jorge Buchanan. Ora é justo dizer que quanto a Buchanan a acusação era bem fundada.
Quanto aos outros, havia apenas suspeita de erasmismo, o que não era, de resto, perfeita ortodoxia. Em todo o caso a Inquisição tratou benevolamente os acusados, e Diogo de Teive pôde até recuperar a cátedra.
Sobre este sucesso escreveu o Dr. Mário Brandão, no prefácio ao seu livro exaustivo A Inquisição e os Professores do Colégio das Artes:

A simpatia pelo escol de mestres companheiros de André de Gouveia não nos impede de compreender as razões que moveram muitos dos antagonistas a denunciá-los como herejes.
E poderíamos, porventura, sem incorrer em hipocrisia, acusar de fanatismo e crueldade os inquisidores, que julgaram alguns daqueles lentes com relativa lenidade, se a nossa época saeculum furiosum - conhece outros tribunais mais atrabiliários e desapiedados?

Os ventos da Reforma tinham quebrado a unidade espiritual da Europa, mantida ainda pela língua sábia comum - o latim - e pela religião.
Essa unidade, que sobrevivera ao período de formação das nacionalidades, estava doravante radicalmente comprometida, quer na Europa, quer dentro das próprias nações.
Para salvar a unidade moral da Nação pela unidade da fé, instituiu I). João III a Inquisição, e pode dizer-se que esse objectivo o alcançou inteiramente.
Efectivamente escapámos às lutas religiosas que ensanguentaram outros povos, provocando mais vitimas e destruições do que a moderada repressão inquisitorial daquela época.
Ora o erasmismo já trazia a França perturbada, e tanto que, apesar da protecção que Francisco I dispensava ao humanista de Roterdão, a Universidade de Paris, em Julho de 1531, condenou os Colóquios, de Erasmo, obra que não só foi queimada mas proibida, sob pena de morte, a sua aquisição ou venda. Daqui, portanto, a formação antieramista dos parisienses da Universidade de Coimbra, que veio a reflectir-se no conflito com os bordaleses do Colégio das Artes o provocar a intervenção da Inquisição.
A questão foi esta e não se vá como Aquilino Ribeiro pôde escrever sem corar:

O sucedido mostra bem o apego que D. João III tinha ao ministério das letras e a delicadeza de alma que professava para com hóspedes que procuravam desempenhar a sua missão com honra!

Após o julgamento da Inquisição, Buchanan e os outros estrangeiros abandonaram o Colégio das Artes e o Pais. Foi, sem dúvida, um acontecimento lamentável, mas preservou-se talvez a paz religiosa e civil, e não se vê bem como a falta de alguns professores, embora ilustres, de Filosofia e Latim tenha representado para a velha Universidade e para a cultura nacional um aleijão de que não logrou curar-se ainda, nem dá esperanças disso.
Que há-de dizer-se ao exagero verrinoso de Aquilino Ribeiro?
A carnagem da Revolução Francesa privou a França de muitos homens cultos, entre os quais o sábio Lavoisier, e pôde, apesar disso, refazer a sua cultura; a verdadeira ciência sofre nos países além da «cortina de ferro» a mais feroz e sanguinária perseguição da história sempre que compromete a linha do partido ou os princípios do comunismo militante.
Vamos supor, por isso, que esses países vão ficar totalmente incapacitados de refazer a sua cultura? Como classificará Aquilino Ribeiro o possidonismo obediente dos sábios, porque os há, que, apesar de tudo, continuam a trabalhar ali?
Um infeliz conjunto de circunstâncias, entre as quais avultam a morte de D. João III, a desajuda da Corte, as questões com os jesuítas e a crise que veio a culminar na tragédia de 1580, desencadeiam um período de decadência para a velha Universidade.
Não foi, porém, o ocaso que por ai apregoam os menos esclarecidos, mas uma meia-luz com alguns clarões. De resto, a crise foi geral e não atingiu apenas a Universidade de Coimbra, mas também as estrangeiras. Demos, porém, balanço a esse período de abatimento para o julgarmos com recto espírito.
Damião Peres escreveu em A Universidade de Coimbra na Cultura Nacional, a pp. 2 e 3:

Prolonga-se para além da morte de D. João III esta brilhante época da nossa Universidade.O seu quadro docente, de que, pouco a pouco, tinham saído, pela jubilação ou pela morte, alguns dos grandes valores, ia sendo reforçado por outras mentalidades igualmente notáveis.
Entre estas devem citar-se o legista Pedro Barbosa, que sucedeu a Manuel da Costa e veio a ter por sucessor o célebre Álvaro Vaz, ou Valasco, em cujos livros, volvidos quase dois séculos, ainda os juristas buscavam ensinamento.
Acrescentemos os contemporâneos e émulos de Valasco - António da Gama, mestre na prática forense, e Jorge de Cabedo, um dos autores das Ordenações Filipinas, e ainda, já um pouco distanciados deles cronologicamente, o cosmógrafo André de Avelar, sucessor de Pedro Nunes, e o padre Francisco Suarez, teólogo e canonista, a quem os contemporâneos significativamente chamaram Doctor eximius.
Já a este tempo - continua o ilustre professor - era bem visível a projecção do labor universitário no panorama cultural do País. Pelas aulas da Universidade tinham passado vultos que vieram enobrecer a cultura portuguesa dos séculos XVI e XVII.
Eis alguns dos mais representativos: um teólogo, o Dr. Diogo Paiva de Andrade, que fez parte, apesar da sua assaz curta idade, da delegação portuguesa ao Concílio de Trento; legistas que se no-