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476 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 188

uma notoriedade que depresso o elevou a mais altos postos.
Depois de uma campanha acesa, em que revelou os seus dotes oratórios, foi eleito pela primeira vez Deputado em 1807. Fez a sua estreia parlamentar - não nesta sala, que tinha ardido t1 estava, em obras, mas na sala da Câmara dos Pares, onde funcionava a dos Deputados - no dia 1 de Fevereiro de 1898. Estreia auspiciosa. Desde então foi reeleito por vários círculos, para quase todas as legislaturas, até à queda da monarquia. E tão apreciadas eram as suas qualidades de tribuno que o escolheram para leader do partido, cargo que desempenhou brilhantemente, como, por exemplo, ao replicar a Afonso Costa na malfadada questão das cartas de Fernando Serpa.
Convidado para fazer parte do Ministério presidido por José Luciano de Castro em 1905, sobraçou a pasta das Obras Públicas, onde deixou assinalada a sua forte personalidade, especialmente na acção que desenvolveu em prol das escolas industriais. De novo Ministro, mais tarde, da Marinha e Ultramar, no efémero Gabinete de concentração de Campos Henriques, deve-se-lhe, além do interesse que dedicou a questões ultramarinas, a proposta de lei relativa, à transferência do Arsenal da Marinha para o Alfeite, o que veio a tornar-se realidade.
Sr. Presidente: a nossa monarquia liberal, que só teve uma vida equilibrada, durante o reinado de D. Luís, decompunha-se a olhos vistos. A realeza era apenas uma sobrevivência na democracia florescente. Regime de transição, inadaptável à índole dos povos latinos, se resistiu durante setenta anos neste país, isso se deve - segundo penso - ao valor dos príncipes que o representaram e ao alto nível de grande parte dos estadistas que o serviram.
A antinomia veio a manifestar-se, dolorosa, inevitável. A falta de convicções, a dissolução dos partidos, o desrespeito pela Coroa foram as consequências mais salientes do individualismo liberal e da falência do parlamentarismo, que contaminavam a nossa ética política. Assim como sem a estrutura, de certo modo antidemocrática, do chamado Estado Novo não seria possível a obra de regeneração e de reconstrução realizada neste quarto de século sob a regência do Sr. Doutor Oliveira Salazar, assim também, inversamente, por culpa acima de tudo dos princípios, que não dos homens, meras instrumentos de uma ideologia Corruptora - la maladie occidantale, de que já falava Comte -, se esfacelou e afundou a monarquia constitucional.
Perante a derrocada, o dilema pôs-se com toda a sua evidência: ou salvar a realeza, sacrificando os princípios, ou defender os princípios, deixando soçobrar o Trono.
El-rei D. Carlos vi i o problema admiràvelmente - foi o grande precursor; quis salvar a realeza, não apenas porque era esse o seu dever, mas porque reconheceu, pela experiência, que os princípios arruinavam moral e materialmente a Nação.
Dos estadistas do seu tempo, quantos, desconhecendo a verdade política, que hoje se nos apresenta incontroversa, preferiram manter-se fiéis aos dogmas de 89, que consideravam intangíveis! E assim sacrificaram o rei e ajudaram a derrubar a instituição monárquica. Muitos - quero crer - de boa fé. Vieram então a insensatez desagregadora, os ataques dementados, as injúrias infamantes. Figuras gradas dos partidos cometeram algumas baixezas. Nunca a palavra ou a pena de António Cabral se mancharam a pactuar com as facções republicanas, a desrespeitar a família real ou a enxovalhar o soberano. Disso muito se orgulha, e com toda a razão.
Proclamada a República, e quando tantos dos seus pares se acomodaram ou se retiraram, o conselheiro Cabral não hesitou, não renunciou. Pelo contrário, intensificou a sua actividade política e foi ocupar a primeira linha de fogo contra o novo regime.
No Correio da Noite, no Dia, no Liberal - jornal que dirigiu com desassombro -, em livros, em conferências, por todos os meios ao seu alcance, defendeu ardorosamente a monarquia e trabalhou pela sua restauração. O ataque às misérias e arbitrariedades da demagogia e a defesa esforçada da Igreja e do Trono impuseram-lhe sacrifícios e levaram-no várias vexes à cadeia. Nunca por causa disso António Cabral abrandou no combate ou curvou a sua fronte altiva.
Muitos de VV. Exas., por certo, estarão lembrados da sua actuação corajosa, saneadora, desenvolvida nesta sala, ao lado do nosso ilustre colega Dr. Paulo Cancela de Abreu.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a longa observação dos factos, o contacto com as realidades, o estudo do problema político, levaram-no à convicção de que só na monarquia tradicional, adaptada à complexidade da vida moderna, a Nação poderia reencontrar o fio glorioso dos seus destinos.
Numa das páginas das suas Memórias políticas, documento precioso para a história dessa época revolta, e a propósito da primeira legislatura em que foi deputado, o conselheiro António Cabral escreveu:

O Parlamento! Ia eu reconhecer, na prática, os graves inconvenientes do parlamentarismo, que tanto me seduzia nessa época, enquanto o não conheci de perto e as lições da experiência me não varreram do espírito as ilusões que o deslumbravam. Ia eu saber, como figurante, e não como espectador, o que era e o que valia a força parlamentar, com discursos longuíssimos e ocos, arruaças temerosas, carteiras espedaçadas, obstrucionismo irritante, leis votadas a troixe-moixe, domínio insuportável de maiorias facciosas, em que a força esmagadora do número tantas vezes vencia e calcava a razão e a justiça!

Quando em Portugal se concretizaram os princípios representados pelo integralismo lusitano, o conselheiro António Cabral, ao invés da maior parte dos políticos da sua geração, manifestou por eles simpatia e afirmou corajosamente a sua concordância.
Ao constituir-se a Acção Realista, larga organização que se propunha unificar toda a actividade monárquica em torno daqueles princípios - aos quais não foi estranho o movimento de 28 de Maio -, o antigo Deputado progressista e Ministro de Estado veio dar-lhe pùblicamente a sua adesão. Nestes termos se refere a esse gesto desassombrado e sincero:

Desinfectei o meu espírito e o meu cérebro expurgando-os das más ideias políticas dos princípios deletérios, que os tinham envenenado. Persistir no erro e nos vícios do liberalismo regalista não era coerência; seria teimosia antipatriótica. Fui, pois, para a Acção Realista.

Profissão de fé semelhante à de Ramalho, dez anos atrás, e à do conselheiro Fernando de Sousa, um ano depois, deve-se, a meu ver, considerar esta atitude de inteligência e hombridade do conselheiro António Cabral como um dos momentos mais transcendentes da sua vida política.