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12 DE FEVEREIRO DE 1953 633

Proibição de se aproximarem da amurada, tanto à chegada como à saída do barco, para verem a família, sob pena de passagem de bilhete de desembarque.

Sou extremamente afectivo e por isso tenho muito respeito pelas manifestações congéneres do meu semelhante. Mas neste terreno, no sentimento, para homens experimentados que escolheram a vida do mar, a ausência de um mês em periodicidade de contrato tornará mortal de saudade atrasar a manifestação afectiva de umas duas horas aproximadamente?

Por outro lado, não compreenderá o Sr. Deputado Jacinto Ferreira que num navio daquela categoria deve ser impecável o aspecto das partidas e das chegadas, como em todas as circunstâncias, e que no à-vontade, no granel, de certa tripulação o passageiro, para quem devem convergir todas as atenções, seja qual for a sua condição, se via por vezes compelido a usar do espaço com constrangimento?

Não compreenderá o Sr. Deputado Jacinto Ferreira que diante da corrida ás amuradas, nessa manifestação aflitiva de saudade à partida e à chegada, era frequente acontecer que os passageiros nestes momentos não encontrassem por vezes quem os atendesse?

Nunca teve curiosidade de assistir ou entrar a bordo nos momentos apontados antes da promulgação destas medidas?

A disciplina, a correcção, a noção do dever perante obrigações formais, harmónicas com a natureza do empreendimento, não humilham ninguém. De resto, quem seria o sádico que ditasse medidas capazes de humilhar quem trabalha que não merecesse franca reprovação das autoridades competentes?

Um navio mercante nacional nos portos nacionais está essencialmente para o efeito sob a jurisdição da autoridade marítima.

Que ideia pretende fazer o Sr. Deputado Jacinto Ferreira da dignidade dessas autoridades, que obedecem às regras da honra militar e comandam marinheiros?

Mas na matéria sou ainda mais rigoroso. Perfilho a prática dos Ingleses, isto é, nos grandes paquetes não são consentidas visitas a bordo nas partidas. Os familiares e amigos dos passageiros despedem-se no cais. Porquê? Por método, por necessidade de ordem e, sobretudo, por segurança. A entrada maciça de visitas cria a lei da mistura, favorece a clandestinidade, a confusão.

Mas continua o Sr. Deputado Jacinto Ferreira:

Para ser assegurada a efectividade dessas medidas vexatórias chegaram a ser colocadas nos corredores cancelas com cadeados, em manifesta transgressão dos (regulamentos, e até taipais nas escadas de acesso às baleeiras, com grave perigo para o êxito de possíveis operações de salvamento.

Chega-me a causar calafrios ter de responder a isto, a esta tristeza.

Tenho, contudo, de responder por amor à verdade, e é com mágoa que vejo que o Sr. Deputado Jacinto Ferreira foi assimétrico na apreciação do problema.

Porque não ouviu, porque não procurou informar-se junto das entidades oficiais idóneas? Porquê?

Vou relatar sucintamente os factos ou, antes, o drama das cancelas.

Em primeiro lugar, devo dizer desde já, porque seria grave, que, quando o ,Sr. Deputado Jacinto Ferreira diz que a colocação das cancelas, em manifesta, transgressão dos regulamentos, impedia o acesso às baleeiras em possíveis operações de salvamento, não está informado com segurança. O acesso aos decks estava assegurado; o facto foi rigorosamente controlado pelo capitão do Porto de Lisboa.

Entretanto farei sucinto relato do incidente.

Nas vésperas da chegada ao Rio de Janeiro o comandante do Vera Cruz, homem de têmpera e marinheiro experimentado, consciente das responsabilidades da sua missão, ordenou, após estudo, que fosse barrado, por meio de cancelas, o acesso de passageiros à cozinha, copa e outras dependências na 3.ª classe, onde havia fundadas suspeitas de se praticarem actos condenáveis.

O caso motivou entre o pessoal desta câmara enervamento, excitação, protestos, e em certo momento alguém deste pessoal telefonou para o segundo-comandante para que viesse à câmara de 3.ª classe, porque estava ali reunido o pessoal, etc.

O segundo-comandante desceu imediatamente com o imediato e deixemos que o auto de notícia, levantado a bordo, nos informe.

Vou ler o seu extracto:

No salão de jantar da 3.ª classe encontravam-se reunidos com arruído, muitos dos tripulantes da câmara e de cozinha, os quais foram pelo imediato convidados a expor as razões que os tinham levado a reunir-se no referido salão e quais as queixas que pretendiam apresentar.

Em resposta a este convite o tripulante Arsénio da Cruz Brás, criado paioleiro, fez as seguintes declarações:

Tenho observado que se andam colocando várias cancelas nalguns corredores que dão para os paióis e para os nossos alojamentos. Como nos vão dificultar o acesso a estes, não concordamos com essa medida e, se não as tirarem, desembarcaremos todos à chegada a Lisboa.

Em seguida o cozinheiro José Garcia de Almeida, encarregado da cozinha da 3.ª classe, declarou que as referidas cancelas lhe prejudicavam
a comunicação da cozinha com o paiol, dizendo ainda que, se desembarcasse, desembarcaria todo o pessoal ao serviço da cozinha de que é encarregado.

Ainda, o criado José Augusto Martins invocou ser vexatório para os tripulantes a colocação das ditas cancelas. Foi-lhes pelo imediato respondido que a colocação das referidas cancelas em nada prejudicava qualquer dos tripulantes ou qualquer dos serviços e, portanto, continuariam no lugar, devendo eles declarar quais os que não concordavam com a renovação daquela medida, indicando os seus nomes para desembarcarem à chegada, a Lisboa.

Assim, no cumprimento da ameaça que tinham feito, tentando resistir à legítima determinação do capitão, pediram nesse momento o seu bilhete de desembarque os seguintes tripulantes ...

O auto de notícia, indicando a seguir exclusivamente o nome dos tripulantes - trinta e nove - que solicitaram o seu desembarque, nada mais contém. Relata, como se acaba de ouvir, os factos. Nada mais e como competia. Não tinha de classificar o incidente na ordem jurídica. Isso pertence exclusivamente às autoridades marítimas, depois da investigação nos acontecimentos e dos trâmites normais.

Pois bem: o Sr. Deputado Jacinto Ferreira não hesita em dizer:

Isto não impediu que esses quarenta homens, alguns dos quais com trinta e cinco anos de serviço