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710 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 207

Não se faz, no parecer da Câmara Corporativa, qualquer referência à classificação dos criminosos de difícil correcção constante daquele decreto-lei. Mas Ora, uma vez que no n.º II da base LXXI se determina que o sistema prisional seja estendido ao ultramar, parece desnecessário que no n.º 111 da mesma base se permita a criação nas províncias ultramarinas de estabelecimentos penais visando maior segregação e intimidação. Isso já está no sistema prisional, a não ser que se pretenda estender esse sistema, modificando-o já, e antes que se veja ou sinta a sua extensão.
Mas no n.º III não está só isto: está também que no ultramar poderão ser criados estabelecimentos penais visando a mais fácil correcção de criminosos primários ou de tipo exógeno, quer dizer, de todos aqueles delinquentes cuja criminalidade derive de razões do ambiente, devendo tais estabelecimentos enquadrar-se, no limites do possível, em planos de colonização interna ou ultramarina.
Esta é que é a novidade; vendo bem, a única novidade do n.º III.
Mas será esta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma novidade aceitável?
Salvo a minha consideração que já e durante a discussão na generalidade declarei ter pelo ilustre-relator do parecer e pelos ilustres Procuradores que o assinaram, as razões da negativa são fundamentalmente estas:

1.º Não é razoável que delinquentes .primários, de uma maneira geral, possam ser utilizados em trabalhos de aproveitamento de zonas climàticamente duras, como se diz a p. 965 do parecer;
2.º As razoes de ambiente das quais deriva a criminalidade de certos delinquentes podem ser corrigidas com o internamento desses delinquentes nas colónias penais da metrópole ainda mesmo que a sua actividade criminosa se tenha exercido na própria metrópole;
3.º Parecendo, à primeira vista, que se trata de aproveitar em planos de colonização condenados não classificados como de difícil correcção, o certo é que na leva de condenados primários ou de tipo exógeno podem ir os piores criminosos no começo da sua trágica carreira; 'E, quando assim não suceda,
4.º Basta tratar-se de condenados para que não se esboce sequer a ideia de os aproveitar na colonização das nossas províncias ultramarinas;
5.º Teríamos o renascimento, ainda que modernizado, dos coutos de homizio do tempo de D. João III, que trasladámos para o Brasil e pelos quais temos sido bastante censurados - nem sempre com toda a razão -, apesar de a França e a Inglaterra, designadamente, terem feito muito pior no Canadá, na América e na Austrália;
6.º O sentido que imprimimos à última revisão constitucional briga com a ideia de incluir quaisquer estabelecimentos penais, em planos de colonização ultramarina;
7.º A lei. orgânica do ultramar não pode separar-se de tal sentido, que se reflecte na elevação do conceito de colonização e da sua integração na actual norma metropolitana de desbravar e povoar com gente sã.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Evidentemente que deve elevar-se quanto possível o conceito de colonização, mas isso não é estar a tratar do problema que agora se debate. Uma coisa é fazer colonização, isto é, civilizar em geral, e outra coisa é fazer colonização interna.
São dois conceitos completamente diferentes.
Não vamos fazer civilização das populações indígenas através de criminosos, mas não é disso que se trata.
Do que se trata é de fazer colonização interna lá como se faz cá.

O Orador: - A colonização interna, a chamada colonização interna que se faz cá, é por intermédio de elementos sãos.

O Sr. Mário de Figueiredo: - E então nas colónias penais?

O Orador: - Nas colónias penais os presos podem trabalhar, mas o trabalho dos presos não figura naquilo que se designa entre nós por colonização interna. Isto sem subtilezas ...

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª é que está com subtilezas, abusando da palavra e colonização.
V. Ex.ª está no seu direito de dizer o que lhe parecer, mas afirmar que quando se diz «fazer colonização internas» e «fazer colonização no ultramar» é uma e a mesma coisa ...

O Orador: - Eu uso, não abuso, e não estou aqui para adiantar o que me parece, estou aqui para dizer o que deve ser.
É evidente que fazer colonização interna não é fazer colonização no ultramar. Nem eu afirmei o contrário. O que digo e afirmo é o seguinte: criar nas províncias ultramarinas estabelecimentos penais de tipo predominantemente aberto, enquadrados em planos de colonização interna, é incorrer no risco de levar o trabalho dos delinquentes mais longe do que convém.
Nas zonas do ultramar climàticamente duras não se pode prescindir da mão-de-obra indígena. A julgar pelo que está no parecer da Câmara Corporativa, penso que os presos não iriam trabalhar absolutamente isolados. O seu contacto com os nativos seria inevitável.
A p. 965 chega mesmo a escrever-se isto:

Este pensamento de utilizar, com as devidas precauções, delinquentes para aproveitamento e exploração de terrenos incultos e, de um modo geral, para dar os primeiros passos na colonização de certas regiões, é velho na história portuguesa, encontrando tradução inclusive nas Ordenações.

Não; parece-me que não se trata de unia simples e pura acção sobre o meio físico, sobre o chão inculto. Está também em jogo o chão das almas.
O branco é olhado, principalmente pelo nosso indígena de Angola e Moçambique, como um modelo, como um exemplo. Que tristeza pôr-lhe o modelo, o exemplo, ao contrário.
A meu ver, ficaria tudo bem se nos limitássemos a decretar a extensão da reforma prisional ao ultramar nos termos sugeridos pela Câmara Corporativa no n.º II da base LXXI.
Acrescentar-se que os estabelecimentos penais serão enquadrados na medida do possível em planos de colonização interna ultramarina é que não acho bem, não acho e combato vivamente.