836 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 215
Mas tudo isso, sendo muito, repito, é muito pouco perante a grandeza da obra a executar.
Nas zonas rurais do País vive mais de 70 por cento da população total e, segundo um inquérito feito há anos, chegou-se u conclusão de que mais de 80 por cento das nossas freguesias são caracterizadamente rurais.
Não obstante tais conclusões, as freguesias urbanas beneficiam de 70 por cento das comparticipações concedidas pelo Estado. Eis o segundo aspecto do problema, que entendo necessário encarar.
Num total aproximado de 650 mil contos de comparticipações concedidas de 1945 a 1949 os melhoramentos urbanos e as obras de abastecimento de água ao domicílio e de saneamento beneficiaram de cerca de 400 mil contos e os melhoramentos rurais, incluindo sempre o abastecimento de água por fontanários, somente de pouco mais de 190 mil contos.
Eu sei das fortes razões que justificam a preferência dada até agora aos melhoramentos de carácter urbano sobre os de carácter rural.
Sei também que certos melhoramentos considerados urbanos aproveitam a conjuntos populacionais que ultrapassam os limites estritos das sedes dos concelhos, e que desta forma se não pode dizer com rigor que as chamadas populações rurais foram excluídas de dois terços do valor das comparticipações concedidas durante aquele quinquénio.
Mas é aninha convicção de que na altura em que muitos dos principais problemas das sedes dos concelhos e dos centros urbanos estão resolvidos ou em vias de resolução, se poderá começar a olhar um pouco mais pana os que interessam a uma grande parte da população portuguesa, precisamente a maior parte e a que vive anais afastada dos benefícios da civilização, problemas que, aliás, o Governo não desconhece, pois os tem considerado sempre, posto que subordinados a preferências que seria justo rever.
Oxalá que as dotações orçamentais para melhoramentos rurais, mesmo com sacrifício dos melhoramentos de carácter urbano, sejam aumentadas nos próximos anos, para que se satisfaçam os legítimas anseios de tantas as delas e povoados, cujos humildes habitantes esperam há muito ver construídos ou reparados os seus caminhos ou os chafarizes a jorrar água.
Que isso está no pensamento do Governo não me restam dúvidas.
Bastará ler-se o passo do citado relatório para chegar a tal conclusão:
Manteve-se baixa a verba distribuída para estradas e caminhos, em consequência de ser muito reduzida a dotação orçamental correspondente - melhoramentos rurais -, mas o problema, desta feita, não criou embaraço de maior pelo já mencionado facto de ter havido regularidade na absorção de braços pela lavoura. O assunto, porém, merece ser ponderado no sentido de se aumentarem substancialmente as verbas em questão, pele a verdade é que elas se destinam a obras do maior interesse pura, a economia nacional.
Há ainda um outro aspecto do problema que não quero deixar de focar, embora somente nos seus traços gerais.
É ele o da subordinação das obras a efectuar em cada concelho a um plano geral e a sua coordenação, por forma a ser dada preferência absoluta, sem distinção do seu carácter urbano ou rural, às que representarem unia maior utilidade pública e urgência de execução.
E essa utilidade pública e urgência não será difícil de determinar.
Entre as obras de salubridade, as vias de trânsito, as casas para pobres, os edifícios públicos e os jardins poder-se-á estabelecer em qualquer momento uma ordem de preferência baseada na sua utilidade pública e urgência de execução.
Tara que as minhas palavras não possam ser mal interpretadas, quero lembrar neste momento aqueles que, com um desinteresse e uma dedicação sem limites, à custa tantas vezes do sacrifício dos seis mais legítimos interesses e sofrendo a incompreensão dos seus concidadãos e do próprio Estado, souberam e sabem acompanhar o passo dos impulsionadores da obra de reconstrução material do País, transformando os concelhos que lhes foi dado administrar em terras progressivas.
Sòmente quem já passou pelos postos da administração municipal poderá avaliar da grandeza da luta entre u febre de desenvolvimento e a insatisfação que domina as nossas pequenas terras da província e um Estado que não pode dar tudo quanto se lhe pede ou tão depressa quanto se deseja.
Mas a verdade, a grande verdade, é que a administração municipal, na generalidade dos casos, tem ligado maior importância à resolução dos problemas da sede do concelho ou dos meios urbanos do que das freguesias rurais.
Eu compreendo perfeitamente a premente necessidade que existia de modernizar as nossas cidades e as nossas pequenas vilas, urbanizando-as, abrindo-as ao ar e ao sol, dando melhores condições de vida aos seus habitantes, tirando a esses centros urbanos o aspecto tristonho e desmazelado que tantas vezes os caracterizava.
Mas terão essas obras e esses melhoramentos obedecido a planos organizados com a intervenção do Estado, segundo uma ordem de preferências, rigorosamente subordinada ao seu interesse e utilidade públicas?
E terão esses planos, que o Ministério das Obras Públicas tem mandado organizar, encarado em pé de igualdade todas as necessidades dos concelhos, independentemente das suas características urbanas ou rurais?
Nem sempre assim tem acontecido, porque então não encontraríamos câmaras municipais que se tivessem abalançado a construir grandiosos edifícios para as repartições públicas, tantas vezes instaladas em razoáveis condições e ooni a modéstia própria ou compatível com os seus rendimentos, e a meter-se em obras nitidamente sumptuárias, quando todos ou a maior parte dos problemas das freguesias rurais, e até das sedes dos concelhos, como vias públicas e abastecimentos de água, estão por resolver.
A propósito destes abastecimentos, suponho que o problema das aldeias ou povoações rurais se poderá resolver em moldes idênticos aos adoptados para as sedes dos concelhos.
Já aqui em tempos abordei o assunto e creio que ele tem um interesse cada vez maior.
Apesar do que se tem feito pelo Ministério das Obras Públicas - e muito se tem feito -, apesar das medidas de profilaxia tomadas pela Direcção-Geral de Saúde, e que representam, na verdade, um esforço notável em defesa da saúde pública, as estatísticas acusam ainda numerosos casos de febres tifóide e paratifóides.
E não restam dúvidas de que a maioria dessas febres foram e são de origem hídrica e que uma grande percentagem das perturbações digestivas de natureza infecciosa ocorridas em crianças durante a estação estival é atribuída justamente ao mau estado das águas em muitas aldeias e povoações do País.
São as águas inquinadas dos poços de mergulho e das minas de chafurdo, tão numerosas ainda, as principais responsáveis das graves e lamentáveis doen-