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23 DE MARCO DE 1953 1043

aspecto político. A este respeito pode mesmo verificar-se que, pela feição eminentemente social do nosso tempo, os regimes e as ideologias tendem, em grande parte, a ser criticados e julgados através da maneira como resolvem esta grave questão.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - De passagem, um comentário em relação ao caso português.
Temos um sistema de previdência. Com suficiências, com desvios? Sem dúvida. Mas, em todo o caso, obra positiva, já com resultados volumosos, concretos e palpáveis e que se deve inteiramente à ânsia construtiva que anima a política do regime.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Apesar de tudo, a obra, em vez de servir para prestigiar o regime, tem servido mais para críticas e vitupérios. É que os homens são mesmo assim. Esquecem depressa o que recebem. Não vêem o que já lhes foi dado. E só reparam no que lhes falta ou não satisfaz.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Há em toda esta questão um ponto de partida em que me parece estarmos todos de acordo: é o reconhecimento de que a actual organização da Previdência não satisfaz adequadamente os seus fins.
As críticas podem resumir-se assim: há insuficiência de serviços e desvios doutrinários na organização.
Vou limitar a minha intervenção exclusivamente ao departamento dos serviços médicos.
Em face das deficiências e dos desvios o que há então a fazer? Logicamente, dar à organização maior eficiência e corrigir os desalinhes heterodoxos.
Enunciemos, resumidamente, os princípios basilares em que deve assentar a nossa organização da Previdência:

1.º Não deve estender-se a toda a população. Nem aos estratos populacionais de alto rendimento, que devem assumir, por si, os encargos da sua saúde, nem aos de muito baixo nível e aos indigentes, que ficam ao abrigo da assistência pública;
2.º Alimentar-se financeiramente apenas da contribuição dos interessados. Ë, aliás, já perfeitamente respeitado na actual organização da nossa Previdência;
3.º Instituir-se a partir dos organismos corporativos. Assim se faz também entre nós. Apenas se inflectiu desta norma com a Federação das Caixas de Previdência; não propriamente pelo princípio da concentração, mas pela maneira como ela foi feita;
4.º Reduzir ao mínimo os gastos de administração. Princípio evidente, porque as receitas da Previdência devem, quanto possível, encaminhar-se paira o seu objectivo próprio;
5.º Estender o mais possível, em superfície, em tempo em profundidade, o esquema de benefícios;
6.º Assegurar a liberdade de escolha do médico e a liberdade de tratamento. E, como corolário, dispensar postos e instalações privativos e utilizar os consultórios e instalações particulares dos médicos para o serviço ambulatório das beneficiários. Com isto se obterá uma grande economia - de instalações, de
pessoal e de material. E mais: dá-se ao beneficiário um ambiente de maior intimidade e confiança, melhor adequado ao carácter reservado dos actos médicos, ao mesmo tempo que também se dignifica, pondo-o ao nível da outra clientela.

Porque esta discussão já vai longa ,e o essencial já está dito, só quero, por mim, considerar o último destes princípios basilares enunciados, ou seja: o da livre escolha do médico.
Na nossa Previdência está quase universalmente adoptado o sistema de médico privativo, com ordenado fixo. É isto um erro, um dos pecados mortais da organização.
O princípio da livre escolha do médico impõe-se em nome da dignidade .e do interesse do doente; da dignidade do médico e da sua valorização; da essência da medicina e do carácter irredutível mente humano do acto médico.
a) É uma imposição da dignidade do doente e do seu interesse.
Há que dar liberdade de escolha ao homem em assunto tão delicado e que tão directamente o afecta: a sua saúde e a sua vida - dois dos seus bens mais preciosos. Não se- trata aqui das liberdades retóricas, das falácias do liberalismo, mas de uma liberdade real o concreta do homem de carne e osso, melhor, de carne e espírito - o direito de o homem doente eleger o médico da sua confiança para se lhe entregar confiadamente.
Privar desta liberdade, impor o médico a quem sofre, a quem se debate nas inquietações e angústias da doença é uma crueldade. Sabem-no bem os que algum dia foram doentes e estiveram ante as perspectivas da morte.
E é ainda outra coisa: é um erro e um malefício, porque afecta e desvaloriza o rendimento dos actos médicos. Escolher o médico é entregar-se ao médico da sua confiança. E a confiança vence reservas, aquieta emoções, afasta .receios e abre mais rasgadamente o homem à devassa da medicina - ajuda o conhecimento da doença e do doente. A confiança ainda é fonte de fé, de alegria, de esperança, tónico da vontade portanto ajuda terapêutica, porque as molas espirituais são poderoso factor de cura.
b) É uma imposição da dignidade do médico e da sua valorização.
Primeiro: raramente de outro modo o médico poderá ter remuneração material condigna. É uma profissão, bem sei, que exige acima de tudo altruísmo, desinteresse, espírito de sacrifício. Mas deixemos os angelismos hipócritas- tem também exigências de ordem material. Carreira- longa, trabalhosa, cara e difícil; profissão que exige um alto nível intelectual, moral, técnico e até de capacidade física; que obriga a constante esforço de readaptação -com livros, revistas e, não raro, visitas e até frequência de centros médicos-, porque a ciência e a técnica médicas estão em permanente revisão e progresso; que impõe duro trabalho, sem horas e a desoras, com sacrifícios e emoções - o médico tem direito a um alto nível de vida. Este é até, vistas as coisas a luz das realidades humanas, unia exigência do seu prestígio social.
Segundo: só o regime de escolha permite boa selecção de valores médicos. É pelos seus méritos próprios, pela afirmação das suas qualidades, no terreno aberto da clínica livre, que se faz a escolha e a hierarquização profissional. É a democracia dos doentes. Mas aqui eu aceito a democracia, porque, além do mais, na base da escolha, da boa escolha, está o interesse vivo, pessoal, imediato de quem escolhe: o amor à saúde e o amor à vida.