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23 DE MARÇO DE 1953 1045

humano - carne e espírito. Carne e espírito, porque o homem é um todo, uma unidade psicofísica, e tanto na saúde como na doença. Há doenças originariamente do espírito, como as nevroses, ricas em reflexos orgânicos. E às doenças mais caracterizadamente orgânicas andam aliadas manifestações da esfera neuropsíquica as mais variadas, não raro dominantes no quadro clínico, ainda que, aqui, secundárias na origem umas resultantes de repercussões de ordem fisiológica, outras de proveniência emotiva e espiritual.
A verdade é que, mais ou menos, o homem adoece de corpo e de espírito. A vida orgânica e a vida psicológica entrelaçam-se e reflectem-se reciprocamente do modo mais íntimo. Na doença há entre o corpo e o espírito múltiplas acções e reacções, que complicam e enriqueceu! o quadro clínico.
E porque o homem é sempre carne e espírito e o doente adoece sempre de corpo e alma, nem o doente pode ser olhado e tratado como uma máquina nem o médico pode ser um técnico que monta e desmonta engenhos. Seria a mecanização do homem e a desumanização da medicina. E, por isso mesmo, o contacto do médico com o doente reclama do médico, a par da ciência, uma grande humanidade, e do doente, acima de tudo, uma ampla margem de confiança. E por isso mesmo ainda é que a essência do acto do médico está verdadeiramente nesse contacto humano.
Não pretendo dizer, entenda-se bem, que o lado técnico do caso possa, as mais das vezes, decidir-se no âmbito desse encontro pessoal nem que o problema da doença, na sua origem e nas suas consequências, haja de limitar-se ao aspecto individual. A devassa do caso clínico e as suas ligações e reflexos terão de projectar o contacto pessoal em espírito e em actos. O «colóquio humano» não é tudo, mas está no centro de tudo.
Não é tudo na ordem técnica. A prática da medicina, com o seu carácter actual, altamente científico, não pode hoje exercer-se quase nunca apoiada apenas no simples interrogatório e nos recursos pessoais de observação do médico. Há que apelar para o laboratório, e não raro para o concurso de técnicas e especialidades. Há até às vezes que recorrer a internamentos em centros de clínica médica ou cirúrgica.
Sem dúvida esta evolução da medicina científica trouxe um período de grande desorientação, que veio a reflectir-se largamente nos conceitos médicos e na prática clínica. A medicina tendia para um conjunto de técnicas desligado do homem e as especialidades parcelavam-no em fragmentos desgarrados, esquecidas da indestrutível unidade da vida. Parecia que iria perder-se de todo o espírito da medicina tradicional. Mas entramos já em período de reconsideração e de penitência e começamos a refazer-nos dos desnorteamento das primeiras horas. De todos os lados, e até de além-Atlântico, onde o desvaire tinha ido mais longe, se levantam clamores e se pretende arripiar caminho. No último encontro internacional de Genebra (1952) foi este um dos assuntos discutidos e dos que mais interesse suscitaram. E ali se proclamou mais uma vez a boa doutrina. Há que harmonizar as exigências técnicas e científicas da medicina contemporânea com os valores humanísticos da medicina tradicional.
O homem não é feito de peças soltas. Tudo nele é interdependente. Interdependência na vida orgânica. Interdependência na vida psicológica. Interdependência da vida orgânica e da vida psicológica. Não há compartimentos estanques. E tanto na saúde conto na doença. A observação do doente é um trabalho de análise. Muitos podem comparticipar na análise - laboratórios, técnicos, especialistas. Mas o diagnóstico é uma obra de síntese. E, por sua vez, a terapêutica é uma conclusão ditada pelo conhecimento total do doente. É preciso relacionar todos os elementos dispersos da análise. É preciso integrá-los no todo psicofísico do doente. Ao médico assistente, que tudo coordena e centraliza, fica, o encargo da integração e da síntese. O que a medicina moderna tem de impor afinal não é a dissociação do homem nem a desumanização das atitudes médicas. É a colaboração médica ao serviço do doente, ordenada no interesse do doente. O que veio foi ampliar as responsabilidades do médico, do médico verdadeiro e verdadeiramente assistente do outro, que terá de estar no centro de tudo a pedir as colaborações oportunas, extrair-lhes o sentido e concluir com espírito de totalidade.
Também não está toda a realidade da medicina na visão individual do problema médico. Mais uma vez, aqui, o homem não é um ser destacado do seu ambiente. É preciso considerá-lo como homem e como doente, nos seus vínculos sociais e cósmicos. A própria doença está muitas vezes relacionada na sua origem ou na peculiaridade das suas feições com as condições do ambiente. E, por sua vez, tem, não raro, para a família e para a colectividade consequências mais ou menos amplas e que podem ser de ordem vária. Umas, por exemplo, para a economia familiar. Outras ainda de ordem profiláctica, como a oportunidade de internamento de um contagioso ou de um mental de índole anti-social.
É a projecção social do acto médico. É mais uma vez a indissociável natureza individual e social da pessoa humana.
Mas, insistamos, a intimidade pessoal das relações entre o doente e o seu assistente haverá sempre de estar no centro de tudo. E mais uma vez a essência deste contacto reclama simpatia humana, confiança do doente, condições que impõem, com lógica de ferro, a liberdade de escolha do médico pelo doente. Nem haverá confiança se o módico é imposto. Nem o módico su sente dignificado e com prestígio e autoridade para dar assistência conveniente a um homem que o não escolheu e pode muito bem até nem o amar nem intimamente o aceitar.
A verdade, vistas assim as coisas, em toda a sua realidade científica e humana, é que entre este problema nem temos a liberdade de optar. 0 direito à livre escolha do médico de sua confiança é uma imposição irrecusável da nossa filosofia do homem e até do nosso coração humano.
O que temos é do procurar adaptar esta exigência às nossas realidades.
Vejamos o problema de remuneração do médico em regime de livre escolha. Há duas modalidades - por capitação e por unidade de serviço. Tomo abertamente posição a favor da última. Parece-me preferível. Primeiro: em boa justiça, porque é a remuneração em função dos serviços prestados. Segundo: é a que anais confiança dá ao doente. O doente é naturalmente desconfiado e susceptível. Supõe muitas vezes, erradamente, que lhe não são prestados todos os cuidados devidos. E outro modo de remuneração pode dar ocasião e vulto às suas suspeitas. Podem assim envenenar-se as relações entre o doente e o médico. Desde que a remuneração seja feita por unidade de serviço não fica lugar para a suspeição.

O Sr. Pereira de Melo: - E terão as caixas de previdência as disponibilidades suficientes para pagar a todos?

O Orador: - A terceira razão da minha preferência é que a retribuição por unidade é a que mais estimula o médico, porque o remunera na medida do seu trabalho.
Tem inconvenientes? Tem, como tudo. Nesta magna e complexa questão da previdência as dificuldades e os inconvenientes surgem de todos os lados. Nenhuma solução está isenta de reparos. Há sempre que escolher