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1046 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 225

apenas a menos má. Até o próprio princípio da Previdência levanta críticas e as mais graves. Tem contribuído, para o relaxamento moral dos beneficiários, paru agravar o seu espírito de imprevidência e perturbar seriamente, com os seus encargos, a produção, alteando o custo da vida. Se nos embaraçam os inconvenientes e as objecções, detemo-nos logo no limiar da questão.
Vejamos os dois inconvenientes em que se insiste: é caro a presta-se a abusos.
Respondo ao primeiro reparo. Mais dispendioso é, sem dúvida. Mas, embora as considerações económicas sejam de primeira importância na solução destes problemas, nem só as razões de ordem económica devem intervir. A verdade é que com esta modalidade presta-se uma assistência de muito mais alto nível. E, por outro lado, também há que salientar uma compensação importante na ordem material. O aproveitamento dos consultórios e das instalações particulares dos médicos daria uma economia substancial à organização, dispensando instalações e material próprio e reduzindo o número de funcionários nos serviços.
Os abusos são, como em tudo que há homens, inevitáveis. Mas, pergunto: há que esperar um volume de abusos que possa invalidar as vantagens apontadas? Eu penso decididamente que não. Tenho em alta conta o nível moral da classe médica. E estou certo de que bem poucos serão capazes de trabalhar com menos dignidade neste clima de liberdade. Ainda assim haveriam de tomar-se as medidas possíveis para reduzir ao mínimo a inevitável margem de desmandos. O primeiro freio é o da comparticipação do beneficiário nos encargos dos serviços clínicos. Pequena que seja esta comparticipação, torna-o solidário da caixa e fiscal zeloso dos seus interesses, em defesa natural contra abusos e ganâncias. Fica a possibilidade do conchavo entre o médico e o doente. Mas para isto, para que um médico desça até ao ajuste degradante com a outra parte, é preciso que o rebaixamento moral seja tão fundo que só por excepção será possível. E as excepções não bastam. Por outro lado, haveria que criar um bom serviço d e fiscalização, com sanções as mais pesadas e severas. O castigo dos abusos, com rigor implacável, não só eliminaria da classe os piores elementos, mas serviria de aviso profiláctico para muitas tentações. O sistema de caixas de área limitada contribuiria muito para o saneamento moral. Dentro delas p conhecimento mais próximo das situações permite facilmente localizar desmandos e denunciar abusos.
E agora outra questão. Fala-se hoje muito de socialização e colectivização da medicina. Que sentido podem ter estas expressões?
Dentro do espírito eminentemente social do nosso tempo procura-se assegurar a todos os homens, sem distinção, a possibilidade de assistência médica. Conforme os climas nacionais e as ideologias, inspirados por diferentes conceitos da sociedade e do homem, estão em funcionamento ou em projecto organizações do tipo mais diverso. Umas que abrangem a totalidade da população, outras mais moderadas, interessando apenas algumas áreas populacionais. Umas totalmente montadas e subordinadas ao Estado, outras em que o Estado apenas intervém móis ou menos abertamente. Entre nós a Previdência destina-se aos que, pelo trabalho, auferem rendimentos que lhes não permitem afrontar os encargos eventuais, não raro elevados, da doença. Deixa de fora os de alto nível de possibilidades, que por si devem assumir as responsabilidades da sua assistência, e os de muito baixo nível ou indigentes, que ficam a cargo da assistência pública. Nestes estratos médios da população, os trabalhadores e as empresas, na maioria dos casos, contribuem com prestações periódicas, que vêm a ser, logo distribuídas ou capitalizadas, o apoio financeiro da organização. O Estado intervém na qualidade de promotor, orientador e fiscalizador. É o sistema do seguro social.
Com que verdade se fala, em relação a estas organizações, ide socialização e colectivização da medicina? Há aqui que encarar dois aspectos da questão: o da organização em si, nos seus fundamentos ideológicos e da sua ordenação administrativa, e o outro, inteiramente distinto, do modo de prestação dos serviços clínicos. No primeiro aspecto há sempre socialização, estatizada ou não, conforme os casos. Às organizações do nosso tipo cabem talvez melhor as expressões «mutualização» ou «cooperação social». O termo a socialização», embora não contenha todo o socialismo, presta-se a confusões, ou porque para o socialismo se encaminha, ou porque muitos, como Mann, lhe atribuem já significado particular e com um sentido que não podemos perfilhar.
Em relação ao segundo aspecto, tudo depende do modo como os serviços médicos são prestados. Se há livre escolha de médicos e liberdade de tratamento, como defendi, a medicina conserva o seu carácter próprio de ciência do homem e para o homem, baseada no carácter humano dos actos médicos. Os serviços da Previdência só intervêm para assegurar o custeio. As caixas apenas funcionam como centros administrativos. Há mutualização, cooperação, se quiserem até socialização, dos encargos e dos riscos de assistência médica. Mas a prestação dos serviços clínicos - a medicina - conserva o seu carácter próprio e específico. Não há socialização ,da medicina. Mas, se a organização alinha médicos privativos ou serviços privativos, então entramos francamente no caminho da socialização e, em todo o rigor, na burocratização da medicina. Mais: o caso tem até um sabor francamente totalitário, porque, já vimos, esta maneira de prestar serviços médicos deforma gravemente a essência da medicina, rebaixando o seu rendimento humano no aspecto técnico e no aspecto espiritual. Há aqui invasão de uma esfera vedada ao Estado moderado e cristão, que, num sadio pluralismo, deve respeitar a ideologia e a essência de instituições autónomas, mormente quando estão em causa, como aqui, valores humanos de tão subido quilate.
Neste segundo aspecto podemos bem dizer que algumas organizações fortemente socializadas e até estatizadas, como na Inglaterra e na Suécia - socializadas e estatizadas no primeiro aspecto -, é que estão na linha da nossa doutrina personalista e pluralista. E somos nós, em conflito com a nossa doutrina, socializantes e totalitários.
Sr. Presidente: sobre o destino do homem pesam boje as ameaças mais sombrias. Depois de uma era de liberalismo, em que os egoísmos individuais andaram à rédea solta, entramos no caminho sinistro de um mundo colectivizado, em que a personalidade está condenada à subversão total.
Dois extremos, irmãos desavindos, mas irmãos gémeos, ambos saídos no mesmo instante, em princípio, ao menos, do ventre nefasto do individualismo, porque o liberalismo e o colectivismo são as duas faces do mesmo erro, as duas faces ou, se quisermos, as duas lógicas do individualismo. Se considerarmos o homem ser autónomo e a sociedade uma soma aritmética de indivíduos justapostos, há dois modos de construir ou ainda, se quisermos, dois sentidos de visão para a construção da vida. Ou a partir do indivíduo isolado, da poeira solta - e é o liberalismo - ou a partir da soma, da poeira aglutinada em bloco - e é o colectivismo.
O primeiro será o preferido dos senhores, o segundo o preferido dos desfavorecidos. E o individualismo dos