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696 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 86

E então, tal como nos barcos que estão prestes a afundar-se, surgiram os ratos. As pressões, os empenhes e as amizades julgaram que chegara o seu momento. Felizmente assim não sucedeu.
Que uma reforma era indispensável, todos nós o sentíamos, sobretudo aqueles cuja vida profissional se fizera sempre a descoberto. Mas, porque alguns homens falharam, porque alguns não cumpriram os seus deveres, porque se estabeleceram maus hábitos, porque, numa palavra, se tornou necessário reformar os próprios costumes, nào se entende por isso que essa reforma consista em rebaixar e fragmentar uma organização superior do Estado, como a dos Hospitais Civis ou do Hospital Escolar de Santa Maria.
As organizações do Estado têm forçosamente uma categoria que lhes é inerente. Uma Universidade é sempre uma Universidade. Aos elementos dessas organizações correspondem planos diversos, com responsabilidades e direitos definidos. Quando um dos seus sectores importantes claudica ou necessita ser reformado, o Estado devo sustentá-lo e reforçá-lo, nunca diminui-lo. Procedendo doutra forma o Estado desprestigia-se a si próprio.
Perante esta situação julguei que tinha chegado a um triste final o meu mandato e comecei a pensar na minha renúncia. Mas sobreveio por mero acaso nessa ocasião uma circunstância que abriu novas prospectivas sobre a questão.
Tive de procurar o Sr. Ministro do Interior para tratar de alguns aspectos relativos à transferência do meu serviço para o novo Hospital de Santa Maria.
Nesse primeiro encontro, que se desenrolou num ambiente de franqueza e clareza absolutas, S. Exa deu-me a honra de abordar a questão do aviso prévio. Mostrou o desejo de conversar comigo sobre o assunto. Eu respondi-lhe que me encontrava à sua disposição com toda a minha alma e boa vontade.
>Sei que fui criticado por não procurar entrar em contacto com o Governo após o encerramento do debate sobre o aviso prévio. Bem ou mal, sempre considerei que isso não me era permitido.
Recusei por isso várias propostas de um amigo comum para provocar um encontro cera o Sr. Ministro do Interior.
Convidado a levantar os problemas na Assembleia, sempre considerei que só ao Governo competia tomar qualquer iniciativa de contactos directos. Ainda hoje assim o julgo.
Mas uma vez convidado pelo Sr. Ministro, a situação tornou-se outra. É com grande prazer que recordo agora o ambiente em que decorreram as numerosas e prolongadas entrevistas que S. Exa me concedeu. Nunca me senti limitado na liberdade com que exprimi as minhas ideias perante um Ministro que apagou as hierarquias e aceitou sem vacilar e sempre com um elevado espírito de compreensão tudo quanto entendi ser meu dever exprimir-lhe e explicar-lhe.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Logo a primeira entrevista nos revelou quanto as nossas ideias e conceitos pareciam distantes e opostos. Se qualquer de nós perdesse a paciência, o que é humano, ou não procurasse compreender o outro, o que ainda é mais humano, creio que os nossos encontros teriam logo terminado.
Mas rapidamente nos apercebemos ambos de que, se os pontos de vista eram divergentes, a convicção com que os defendíamos não era interessada. O desejo de resolver com eficiência era o mesmo. A vontade de justiça igual. Muito do que estabelecia o nosso afastamento residia, sobretudo, na forma diferente de encarar a solução do problema e na filosofia do caso.
Foi esse estado de espirito que permitiu a criação laboriosa, mas progressiva, de um plano de entendimento aceitável, sem sacrifícios impossíveis ou compromissos que desvirtuam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esse plano foi por mim concretizado da seguinte forma:

Princípios:
1) O Hospital Escolar de Santo Maria é destinado ao funcionamento dos serviços da Faculdade. Os serviços que não correspondam a funções docentes poderão ser dirigidos por pessoal médico não pertencente à Faculdade.
2) Os serviços que impliquem ensino são inerentes às respectivas cadeiras ou cursos.
3) Nos quadros médicos dos serviços as funções que impliquem docência são hierarquicamente superiores às outras, e por isso as categorias e as hierarquias e seus acessos serão revistos nesse sentido.
4) Estabelecer-se-á o Internato de Lisboa, comum aos hospitais centrais e que passará a ser considerado como a base necessária e comum para o acesso aos cargos clínicos mais elevados da carreira civil ou universitária.
5) As direcções e supervisões dos serviços clínicos e auxiliares que dependem da Faculdade ficarão sempre a cargo de um professor.
6) A direcção do Hospital será entregue a um director clínico e um director administrativo.
7) É criado um conselho técnico obrigatòriamente consultado e que por sua vez pode levantar qualquer questão, estudá-la e apresentar as sugestões que entender.

Criação das condições de funcionamento do Hospital:

Criação de uma comissão competente com autonomia e capacidade suficientes para organizar e colocar o Hospital em condições de funcionar. Estudaria, portanto, toda a orgânica hospitalar, procederia a todas as reformas necessárias, quer pedagógicas quer puramente hospitalares, e procederia à revisão e estudo de tudo quanto fosse necessário para adaptar o novo edifício às suas funções.
Nesse plano estavam encarados os aspectos mais importantes a atender, mas não julgo necessário prolongar esta exposição com o seu enunciado.
Embora aceite como base de trabalho, mas não aprovado incondicionalmente pelo Sr. Ministro, julguei que chegara o momento de alargar o âmbito das discussões ao Ministério da Educação. Desse passo tive eu a iniciativa, pois que não era possível conceber uma discussão coerente e útil com um só Ministério sobre uma questão que interessa igualmente a dois.
Com o Sr. Ministro da Educação Nacional encontrei um ambiente tão acolhedor como no Ministério do Interior.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Os problemas a abordar eram mais circunscritos, mas não menos importantes. As aposições bastante menos violentas e menos marcadas.
Nesta fase, a que poderei chamar biministerial, a proposta inicial sofreu uma modificação no que respeita à constituição da comissão especial. Esta abrangeria representantes das três Faculdades e não atenderia aos aspectos relacionados com o edifício. Este sector ficaria especialmente a cargo do conselho técnico.