16 DE MARÇO DE 1956 555
será fugir às realidades, falsear as soluções e desmentirmo-nos a nós próprios. Temos de pensar em construir para rendas até 80$, pelo menos.
Discorda o Sr. Deputado Almeida Garrett de forte auxílio do Estado, embora reconheça que ele é praticamente universal.
Num estudo abrangendo quase toda a Europa e que não tem muitos anos, apenas uma excepção se encontrava-a da Suíça. Apenas ai víamos o Governo Federal a não prestar quase a sua protecção, mas só desde o ano de 1950 para cá, e os cantões e comunas a reduzi-la.
Nos demais países, os estados têm-se visto forçados a ajudar fortemente a construção destinada às classes economicamente mais débeis. A questão foi perfeitamente resumida pelo XIX Congresso Internacional de Habitação e Urbanismo, conforme disse em Coimbra, na II Conferência da União Nacional, o Sr. Eng.° Saraiva e Sousa, actual Subsecretário de Estado das Obras Públicas, técnico cuja distinção é atestada por uma fulgurante carreira oficial e quiçá o nosso primeiro especialista na matéria: uno estado actual da técnica da construção não se pode construir para as classes menos abastadas sem a ajuda de subsídios».
É, pergunto, donde hão-de vir os subsídios, entre nus e nas nossas condições, senão do Poder Central?
Como proceder de outro modo, com esperança de resultados?
O padrão teórico do alojamento mínimo elevou-se por toda a parte; e para equilibrar sem auxílios do Estado os encargos das construções melhoradas não se pode esperar que aumentem bastantemente as parcelas dos seus rendimentos que as classes menos abastadas podem afectar às despesas do alojamento.
A dádiva de 10 contos por cada casa construída ao abrigo do Decreto-Lei n.° 34 486 não representa senão o reconhecimento desta necessidade; e pareceu-me ter ouvido durante este debate o pedido de que se elevasse para 12 contos.
Consta-me, aliás, que durante os estudos do considerável plano de construção de casas para famílias pobres - alguns milhares de moradas em que a Câmara Municipal do Porto está generosamente empenhada se considerou como necessária à realização do plano precisamente a elevação do subsidio do Estado para a mesma cifra de 12 contos.
Por outro lado, na imprensa veio há meses a notícia de que para a construção de apenas 30 casas de rendas económicas fora necessário que o Grémio dos Industriais de Ourivesaria do Norte contribuísse com 1000 contos, para que o limite das rendas dessas casas ficasse na ordem dos 2005.
Melhor seria que toda a construção das casas baratas pudesse ser a iniciativa particular, mas continuo a crer que isto não ó possível sem fortes auxílios.
E quanto a ficar a propriedade delas para as câmaras municipais, ninguém as inveje, mas o que assim se pôde fazer em uma dezena escassa de anos é quase tanto em número como a obra propriamente do Estado no dobro do tempo.
Acerca da posse de casas pelas caixas de previdência, de que ouvi também discordar, pergunto se haverá emprego mais digno, mais nobre e mais belo para o dinheiro que provém do contributo dos operários do que arranjar para eles, para os seus camaradas, ou para os seus filhos, habitações decentes.
Também não me apoquenta o labéu de socialismo para o Estado pelo facto de elo se tornar possuidor, por motivo da sua construção, de tais casas, pois não me repugna que se adopte um método que possa ter a simpatia de socialistas se a estrutura política que o executa não for socialista, nem a sua intenção. E, por muito socialista que fosse a solução em teoria, não o seria na prática que apenas 50 O00 ou 60 000 casas ficassem a ser possuídas pelo Estado ou autarquias em 2,5 milhões delas.
Aliás, socialismo ó substituir-se o Estado à iniciativa privada, e nisto seria somente supri-la onde não aparece nem manifesta desejos de aparecer.
Não nos preocupemos com os rótulos mais do que com os conteúdos c sobretudo não tomemos o caminho, porventura cómodo, mas falso e até perigoso, de afastar soluções possíveis e, não construindo outras, só por medo a alcunhas, deixar ingentes problemas agravarem-se ainda mais.
Já expus desta tribuna, por mais de uma vez, a minha concepção do modo de actuar do Estado neste campo, que é o de se licitar o Estado os capitais particulares, em condições atraentes, sublinharei, associar-se-lhes por suplementos, não dados, mas reembolsáveis, e providenciar à sua melhor aplicação. Que haveria nisto de socialismo? Fosse este o mais marcado que pudéssemos notar...
Também procurei inteirar-me, junto de especialistas da aplicação de capitais, da probabilidade de levar o investimento particular a contentar-se com juros de 4 por cento e todos me desanimaram. Aliás, qualquer se pode certificar pela módica soma de £80, adquirindo um jornal e lendo os seus anúncios, de que não são juros destes os que o capital particular encontra a oferecerem-se-lhe todos os dias em aliciantes aplicações prediais.
E quanto a pensar-se em coacções, por muito que o fim as pudesse justificar, creio que nunca proporcionariam maneira de trazer à construção de casas baratas, como a qualquer outro fim, o capital particular.
Seria a forma mais segura de não o encontrar, quando se fosse por ele.
O Sr. Almeida Garrett: - Eu não disse que queria coagir o capital particular. Referi-me a prédios de renda alta, porque desses prédios já os há de mais. Se não me exprimi com suficiente clareza, que me desculpem, mas a ideia era esta.
O Orador:- Peço desculpa a V. Ex.ª se o entendi mal. Haveria um modo de coacção indirecta, haveria, cerceando os terrenos à construção de prédios de renda livre, mas disto parece que podemos ir desesperando e bem se sabe porquê.
Estas são as considerações que me vêm principalmente em diferença de V. Ex.ª e pela força das minhas próprias observações.
Mas há outros pontos que eu ainda quereria trazer à atenção da Assembleia.
Atrás disse que o problema da habitação deveria merecer também o bálsamo do nosso carinho, e carinho realmente - esse jeito de alma que leva à vontade de encontrar soluções e remover dificuldades - é que muito tem faltado aos problemas da nossa habitação popular. Os exemplos que acabámos do ouvir citar à nossa ilustre colega que me precedeu são disto bem demonstrativos.
Sem dúvida, a legislação não pode prever todas as dificuldades, nem talvez seja possível pôr todas as questões no quadro dos diplomas legais. Os exemplos que ouvimos e outros que referirei adiante mostram-nos, porém, que há muitas asperezas a limar no domínio dos problemas habitacionais.
Tenha-se em vista o que se está passando com & demolição de barracas construídas sem licença. Ela é imposta por amor dos regulamentos, mas não se tem ocultado que também como recurso para contrariar a vinda para Lisboa de toda essa gente que de qualquer modo não deixará de vir para cá, na esperança de encontrar o trabalho para si e o pão para seus filhos, que tanta vez não encontra nas suas próprias terras.