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556 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 129

Além disso, seria uma das formas encontradas para fomentar a construção privada. Mas essas demolições são feitas com falta de carinho. Não conheço de pessoas que vejam este problema melhor do que o padre Américo e os seus colaboradores, e por isso peço licença para ler dois trechos que me afligem, mas ilustram tão bem os sentimentos que quereria trazer a VV. Ex.ªs que não resisto a lê-los. Peço até a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que eles sejam integrados na acta desta sessão, porque se enquadram muito bem nas minhas ideias, são parte integrante delas.
Ouçamos o primeiro:

Passa de um ano que a área do Campo Grande ficou limpa de barracas, para que os atingidos não tivessem a ousadia de se refugiar em qualquer canto. Quem demoliu teve o cuidado de levar também os materiais desmontados. De entre as vitimas, um assalariado do Ministério da Justiça. Com uns tostões que obteve em subscrição entre colegas, comprou um oleado, que à noite coloca por cima das barras da cama, onde se acomoda com a família. É a sua casa.

E agora outro comentário:

Aqui há tempos passei por um bairro perto de Londres, para onde têm sido e estão sendo transferidos os «favelados de Lisboa. Não acredito que alguém aprove aquilo, a não ser os que o fizeram. De muitas famílias a quem perguntei, todos me diziam: cantes a barraca». São blocos de dez vivendas com materiais provisórios. Cada uma é uma sala de entrada, uma alcova sem janelas e não é mais nada. Se três, se cinco, se sete filhos, não importa, todos têm de caber. Não há esgotos e isto faz arrepiar! São muitos blocos idênticos em filas extensas, onde falta piedade.
Em cada uma das extremidades há duas retretes públicas, onde as mães vão despejar e das quais todos se servem. Não há ninguém que aprove.

Não vale a pena, porque já está tudo dito, reenaltecer as vantagens dos inter relações de vizinhança entre pobres e ricos. Ora estas - tem-se acentuado bastantemente - são quase sempre esquecidas nos planos de urbanização.
Eu sei que as casas para pobres não justificam os elevados custos dos terrenos, não consentem as largas avenidas, nem dão motivo às belas perspectivas que os urbanistas sempre gostam de traçar.
Mas a prática de as relegar para zonas periféricas, como que de desprezo ou abandono, ou a escassez de provisão particularmente notória nas cidades capitais, como se quisessem relegar os pobres, com todos os seus problemas de moradores, aos concelhos vizinhos, enquanto as cidades aproveitam dos frutos do seu trabalho, nunca será de mais reprovado.
E preciso tratar da questão das casas para famílias pobres também com amor e carinho.
Quero por último referir-me, ainda dentro deste tema, a um caso a que já ia atrás a aludir.
Certa família de amigos meus verificou que poderia dispensar uma porção de terreno, com cerca de 1,5 ha, que dispunha à beira da estrada nacional, em sítio adequado a construções, não muito longe do centro da freguesia dessa área. Dirigiu-se, por isso, ao presidente da junta de freguesia a dizer-lhe das suas intenções, isto é, que desejaria entregar à junta o seu terreno para que esta o dividisse como entendesse e o distribuísse pelas famílias mais necessitadas e merecedoras, a fim de procederem ali à construção de casas, que poderiam ter sido até uma vintena.
Pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, verificou-se que seria preferível vender aquele terreno à junta de freguesia, do que doá-lo, pois a sisa pela venda seria menos de metade de que o imposto pela transmissão gratuita. Não valeria a pena para casos deste género mais uma isenção fiscal?
Creio igualmente que alguma vez se reconhecerá também útil proceder a revisão de certos aspectos da legislação sobre o inquilinato, já que a restrição da liberdade dos contratos de arrendamento começa a aparecer a muitos espíritos como contraproducente.
Não esqueço por um só instante a extrema complexidade da questão, pois ainda ontem, nesta mesma sala, alguém me fazia ver como o simples facto das demoras e encargos, desde os de processo aos de honorários de advogados, nos eventuais e inevitáveis casos de despejo, constitui obstáculo a demover os particulares de construírem casas de rendas baratas, pois um só caso destes bastaria para consumir meses ou anos de renda.
Direi, pois, que, em matéria necessitada de considerar todas as possibilidades de achegas, ainda as mais ligeiras, para integrar o grande esforço necessário, pormenores destes não desmerecera de alguma atenção.
Sei que poderia tornar-se desumana, em certos casos, uma forma sumária de despejo (já que a insinuei como exemplo), mas há que pesar a questão, com todas as suas vantagens e com todo» os seus inconvenientes.
Se se vai fazer um grande esforço na construção de casas para operários, creio que os capitais nelas empregados deveriam ser defendidos contra a quebra e desvalorização da moeda, fenómenos que tendem a repetir-se e que estão para além da vontade dos homens, mas não devem ficar fora das suas previsões.
Não me parece que fosse descabida prudência começar a admitir e a impor que os moradores das casas económicas e de rendas económicas construídas com capitais que se devem considerar quase sagrados ficassem adstritos a escalas de rendas móveis com os índices de custos de vida ou os índices gerais do solários e vencimentos.
Os Srs. Deputados Galiano Tavares e D. Margarida Craveiro Lopes dos Reis referiram-se à necessidade de coordenar os estudos e soluções de todos os problemas de habitação barata num único departamento; e eu próprio já ouvi dizer que esta ideia não era ingrata ao espirito do genial Duarte Pacheco, o que sumamente me abona.
Há presentemente quatro serviços do Estado, em dois Ministérios, a tratarem questões que se relacionam ou interpenetram, porventura com duplicações de despesas; e, quando problemas, como o das casas económicas, têm de ser tratados por dois em conjunto, há-de haver, por melhor que se entendam pelo menos a perda de muito tempo.
Existem técnicos competentíssimos em todos esses departamentos e há estudos valiosos, os quais não ficariam decerto inutilizados se todos passassem a trabalhar sob um comando único e sob orientação preparada para considerar em cada problema todas as modalidades de solução e escolher ou conjugar as melhores.
Quero fazer um reparo: nesse comando único deve existir como preocupação fundamental evitar a todo o custo o exclusivo anseio do óptimo, fugir à paixão do só novo, nada sacrificar à fachada.
Não ouvi que ninguém se referisse ainda à vantagem de procurar a participação das grandes empresas no alojamento dos seus empregados.
Sinto-me bastante à vontade para falar neste ponto e preconizar que as empresas comerciais ou industriais, cujas disponibilidades lho permitam, sejam convidadas a uma tal colaboração, quer na realização directa, quer indirectamente, por contribuições para os organismos construtores.