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23 DE MARÇO DE 1956 629

o progresso de todos só se consegue através da espoliação da riqueza particular.
Até aqui todos os elogios são poucos a uma intervenção que possui o mérito de desprezar fórmulas demagógicas tão em moda nalguns parlamentares de todo o Mundo.
Mas não há rosa sem espinhos, nem beldade sem senão. Por isso o ilustre interpelante não ficará surpreendido pelo facto de correspondermos ao seu convite de agitação de ideias por meio de algumas discordâncias.
A primeira que apresento é fundamental: o domínio económico há que condenar a tendência de, a propósito de tudo ou nada, apelarmos para a intervenção do Estado.
Dizemo-nos corporativistas e negamos a própria essência da corporação ao irmos solicitar dos Governos soluções para problemas que nós próprios criámos ou agravámos. Afirmamo-nos campeões da iniciativa privada, mas quando nos excedemos ou atrasamos nas iniciativas vamos pedir ao Estado que nos dê uma mezinha providencial. Responsabilizamos os Ministros pelas consequências das secas, pelos estragos do frio e das chuvas; porque plantámos demasiado ou colhemos pouco; porque instalámos fábricas a mais; porque há monopólios ou porque, a indústria está demasiadamente dispersa; porque se consente a produção cara, como único meio de salvar pequenas indústrias, ou, ao contrário, porque se provoca a ruína de pequenas indústrias quando, através dos equipamentos modernos, se barateia a produção.
Queixamo-nos de estatismo e somos nós próprios que criamos o estatismo. Dizemo-nos anti-socialistas e somos nós próprios que advogamos soluções socializantes. Combatemos doutrinàriamente o comunismo e aconselhamos os métodos de dirigismo económico aplicados na Rússia Soviética e nas suas colónias europeias e asiáticas.
Exigimos do Estado aquilo que ele não pode dar-nos. Divinizamos o Estado, impomos-lhe tarefas sobre-humanas, como se os governantes, por melhores que sejam, pudessem igualar Deus.
Na verdade, já manifestamos preguiça: pretendemos que outrem resolva os nossos próprios problemas e, se não podemos ser atendidos, choramos, gritamos ou protestamos como as crianças pequenas, que são o símbolo vivo da dependência inconsciente e desorganizada.
Para coordenação económica não faltam organismos em Portugal: nas actividades agrícolas, industriais e comerciais especializadas, comissões reguladoras, juntas e federações. De nenhuma pode dizer-se que trabalhe mal. Arriba delas, a, Comissão de Coordenação Económica. Mais acima, o Ministério da Economia, com os Subsecretariados de Estado da Agricultura e do Comércio e Indústria. Mais alto ainda, o Conselho Económico e o Conselho de Ministros para o Comércio Externo.
Também não faltam fundos: para regularização de preços (Fundo de Abastecimento), para incremento do comercio exportador (Fundo de Fomento de Exportação) e para investimentos industriais (Fundo de Fomento Nacional).
É indiscutível que possuímos órgãos de coordenação mais que suficientes. Até, às vezes, acontece que, por serem tantos órgãos e tão numerosos os problemas de pormenor do dirigismo oficial, se torna materialmente impossível atendê-los na oportunidade melhor. E as resoluções tardam nuns casos dias, noutros semanas, meses ou anos.
Mal das pessoa? Não. Mal do sistema, mal da necessidade de coordenação ou mal dos excessos de coordenação. Coordenar significa substituir a decisão individual, que poderia ser imediata, por resolução individual ou colectiva realizada após série mais ou menos longa de consultas, negociações e discussões.
Para coordenar os países entre si já há quem proponha e até quem aceite autoridades supranacionais. Na ânsia de atingir-se o céu do óptimo acabaremos por construir a Torre de Babel.
Nos negócios internos julga-se encontrar remédio por meio de um Ministério supraministerial.
Quanto mais alto nível atinge a coordenação de pormenor mais demorada se toma a decisão final.
As grandes empresas privadas no estrangeiro e em Portugal encontram-se perante problema semelhante.
Quanto mais grave quanto maior for a vastidão do empreendimento. Simplesmente, souberam resolvê-lo graças a sistemas de organização que permitem assegurar a ligação entre serviços sem impedir a rapidez de decisões.
É caso para dizer que to Estado deve aproveitar os ensinamentos da concorrência particular» ...
Recentemente, o despacho conjunto dos Srs. Ministras da Economia e do Ultramar relativo a exportação de oleaginosas e óleos das províncias ultramarinas para a metrópole foi publicado com cerca de dois meses de atraso, por efeito de ser absolutamente indispensável coordenação ou acordo entre os dois Ministérios. Desta demora resultou que as compras de oleaginosas e óleos estrangeiros, necessárias este ano para cobrir o déficit de azeite, foram e vão ser feitas com milhares de contos de prejuízo em relação às cotações internacionais de Janeiro último.
Outra exemplo: por proposta muito lógica e salutar do Sr. Ministro da Economia, o Fundo de Abastecimento passou, já há anos, a ter orçamento anual, aprovado em Conselho de Ministros e visado pelo Tribunal de Contas. Entrou, assim, em regime de coordenação.
Resultado: estamos no final de Março e os serviços ainda não receberam o orçamento aprovado, com sacrifício grave das empresas que não têm podido cobrar os seus créditos já conferidos e vencidos.
Nem o próprio Plano de Fomento Nacional, cuja execução terminará em 1958, escapa aos inconvenientes que a coordenação apresenta, mesmo quando, como neste caso, ela é indispensável. Tem funcionado como retardador da instalação já prevista de duas indústrias-base - adubos azotados e siderurgia - essenciais à vida económica portuguesa.
Os exemplos citados pelo ilustre interpelante não invalidam o que acabo de dizer. Pelo contrário, parecem condenar excessos de dirigismo de pormenor.
O caso da manteiga é típico: em consequência de se ter criado oficialmente a ilusão de que a zona abastecedora de leite de Lisboa a ser o paraíso das vacas e dos proprietários respectivos, nasceu forte sobreprodução de leite, acrescida, para efeitos de manteiga, com a desnatação parcial de um produto que deveria ser entregue ao consumo em estado natural.
Sobrou leite, sobrou manteiga, houve que armazenar esta em frigoríficos e houve que vender parte dela, rançosa, ao preço do sebo, às fábricas de sabões.
A única solução possível, naquele momento, era efectivamente a exportação da manteiga. Entretanto baixara o preço do produto no mercado interno de 40$ para 35$ o quilograma. Exigiu-se aos produtores leiteiros o sacrifício incomportável de entregarem parte do leite, para a indústria, a preços ruinosos.
Desfez-se a ilusão, procedeu-se ao massacre dos inocentes, que nesta história são apenas as vacas e as vitelas, faltou leite para o consumo, passou a faltar leite paru a indústria e houve que importar manteiga estrangeira, o que também foi a única solução possível nesta emergência.