DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 148 1006
saber as importações e exportações dos meses críticos da crise de abastecimento.
Prolixo e confuso?
Por querer saber a discriminação das verbas orçamentadas e gastas dos respectivos organismos de coordenação e de outros organismos oficiais afins, na ordenação e fomento da produção, no combate às doenças da oliveira e azeitona, no estudo das variedades da azeitona mais próprias para o azeite ou consumo directo, no aperfeiçoamento das condições de fabrico e conservação do azeite, para assim poder julgar com inteira justiça a actuação dessas organizações;
Por querer saber da existência de inquéritos, como ordena a lei, acerca da existência de azeites e óleos, marcadamente num ano de contra-safra;
Por desejar conhecer os meios empregados, que os há, de, em certa maneira, paliar à contra-safra;
Por desejar conhecer as causas próximas do aumento de acidez dos nossos azeites, o que levou até a delegação portuguesa a ter de travar uma verdadeira batalha na classificação de azeites na última conferência internacional ;
Por querer saber da existência exacta dos azeites extra, para assim poder determinar a minha critica com equanimidade ;
Por desejar que as estimativas de previsão se efectuassem dentro das regras da precisão possível neste género de calculação económica.
Quero repetir que acho mais útil politicamente, numa crise de abastecimento, uma actuação dúctil e maleável, com flexibilidade para se ajustar às reacções do consumidor e do respectivo comércio, e não para aprisioná-la num colete-de-forças, mas das más forças legais duma portaria.
Ontem num aparte, dos a que voluntariamente não dei resposta, insinuou-se que eu chamara porcaria à mistura; não é exacto, chamei-lhe simplesmente mistura, e nem por graça fácil, nem sequer em pensamento, troquei uma das letras com que se escreve «portaria».
A digestão é um direito sagrado, embora não constitucional; diante da mistura o consumidor reage, prefere até o antipático racionamento. Sem inquéritos conhecidos da existência do azeite e óleo, andamos perfeitamente às cegas no abastecimento. Que azeite extra há? Seria perigoso deixá-lo livre no preço, garantido que fosse o abastecimento dos doentes? Se há pouco -exportou-se tanto -, que perigo real ofereceria; se há muito, há que discutir em face dos números, quando o Ministério da Economia os adiantar.
A venda cumulativa -dizem- oferece o perigo de fazer desaparecer o azeite do mercado, da sua evaporação económica; mesmo que assim fosse, era preferível que o agente do «mercadito negro», o consumidor, voluntariamente aproveitasse o óleo e vendesse o azeite.
À escala do retalhista, do pequeno armazenista, numa palavra, do oportunista, o problema é o mesmo do «mercado negro» do azeite, que ninguém sabe onde pára, nem nunca foi declarado; mas para isso lá está a Intendência dos Abastecimentos. Todas as gorduras animais deram um pulo desde a rarefacção do azeite e da mistura.
É de crer que o Governo conheça bem esse problema.
Para defender o azeite nunca ataquei o óleo e as suas qualidades próprias; ataco a mistura, contraplebiscitada pela opinião publica, pois a mistura não é a média das qualidades organolépticas, do grau de digestibilidade e do teor energético de cada um dos produtos misturados: é um produto novo, com qualidades próprias - o azeitóleo. A química não é tudo na aplicação à fisiologia do Português; o azeitóleo não demonstra as suas qualidades por análises laboratoriais, por mais cuidadosas que sejam, mas deve experimentar-se útil e praticamente numa retorta: o estômago do Português.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem !
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Camilo Mendonça: - Sr. Presidente: ao subir a esta tribuna pela primeira vez nesta sessão legislativa, desejo reiterar a V. Ex.ª os meus cumprimentos respeitosos de muito apreço e sincera admiração.
Srs. Deputados: das considerações que aqui ouvi à volta da matéria em discussão tenho de reputar o problema inteira e cabalmente esclarecido. Todavia, para além das afirmações feitas, parece-me haverem ficado por analisar alguns aspectos e questões que a imprensa tem focado ou constituem objecto de conversas e interrogações formuladas aqui e além.
Por outro lado, para lá das apreciações feitas nesta Câmara, afigura-se-me existirem ainda dúvidas, que até mim chegam, exprimindo a reacção, a estranheza e a sensibilidade do público perante a medida tomada, a sua justeza e justificação.
Compreendo essa atitude do País, não estranho esse sentimento de muitos portugueses e entendo esse estado de espírito, que, longe de merecer um remoque, tem o direito de ser bem entendido e claramente esclarecido.
Vou tentá-lo em palavras breves, fazendo algumas considerações que me parecem necessárias e até indispensáveis. Começarei por declarar que não aceito todos os argumentos aqui aduzidos para defender a solução adoptada e que não posso considerar procedentes todas as críticas que lhe têm sido dirigidas.
Mas... prescindindo de certos argumentos de defesa, creio não ter mais dificuldades em justificar a solução adoptada. A questão é, efectivamente, simples, muito simples: naquele momento o azeite disponível não chegava para assegurar o regular abastecimento público.
Desconhecendo-se o processo de o multiplicar, restavam duas soluções: o racionamento ou a mistura.
Duas soluções, porque excluo, por impraticável, a da libertação pura e simples ou condicionada às qualidades dos preços, deixando, naquelas condições, o mercado sujeito ao império exclusivo da lei da oferta e da procura, no momento, note-se, em que a maior parte do azeite estava transaccionado.
A libertação dos preços, nessa situação, criaria, não só lucros ilegítimos, como uma injustiça relativa entre os produtores que haviam vendido o sen azeite -a maioria- e aqueles que ainda o não tinham feito.
Para além dessas circunstancias, a libertação de preços, em tal emergência, teria como consequência a sua alta sensível e inevitável, alta que nem se justificaria nem podia de forma nenhuma consentir-se.
Havia, pois, apenas dois caminhos. Mas não ouvi ninguém defender o racionamento -solução que também não recomendo -, pelo que, efectiva e praticamente, restava uma solução, como que inevitável: a da mistura.
Naquelas condições, não havia de facto outro caminho nem outra solução real e positiva.
Mas perguntar-se-á: a solução da mistura satisfaz inteiramente as nossas preferências, os nossos gostos, os nossos hábitos ? Tem méritos próprios para além de uma solução de emergência, postulada pelas circunstâncias concretas do momento? Penso que não. Penso que traz dificuldades aos nossos hábitos alimentares, que não tem justificação possível fora da sua necessidade e como medida de emergência, que -felizmente- vai de encontro ao gosto e preferência da grande maioria da nossa população.