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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 148 996

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente:-Continua o debate dos avisos prévios do Srs. Deputados Melo Machado e Pinto Barriga sobre o azeite.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cerveira Pinto.

O Sr. Cerveira Pinto: - Sr. residente: não constitui originalidade nenhuma, e representa uma verdade de constante observação, o afirmar-se que o povo não quer nem aceita que os males de que em determinado momento sofre derivem, como quase sempre derivam, de causas variadas e complexas.
O povo, precisamente porque é simples, tem horror à complexidade. Deseja que o seu mal-estar seja explicado por uma causa determinada e única. E quem, consciente ou inconscientemente, com convicção ou sem convicção nenhuma, o confirmar na certeza da cansa única de que resultam os seus males terá auditório assegurado e não lhe faltarão os aplausos da multidão.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Nos tempos calamitosos da guerra -e só por grande exagero este adjectivo poderá ser aplicado ao nosso pais, dada a infanda tragédia de que foram vítimas quase todos os povos da Europa- a carência de bens de consumo, as dificuldades da sua aquisição e distribuição e a subida do custo da vida derivavam, na mente popular -na mente popular e na dos falsos profetas-, de uma causa única: a existência dos grémios.
A incipiente organização corporativa, que teve de ser desviada do seu crescimento normal para improvisar um sistema que obviasse às dificuldades da conjuntura, foi considerada, sem apelo nem agravo, a responsável dos maus tempos que então se viveram. Sem grémios tudo correria muito melhor.
A injustiça deste julgado bradava aos céus, mas não havia que lutar, pois que ele era aceite como verdade incontroversa.
Poucos curavam de ver -e, dos que viam, pouquíssimos tinham a coragem de o proclamar- que sem organização corporativa, não obstante as suas inevitáveis deficiências, os males seriam mil vezes maiores. Deu-se até o fenómeno aberrante, mas compreensível, de os que mais protestavam contra a organização corporativa serem precisamente os que mais beneficiaram com a sua acção.
Todos estamos recordados de que foi assim mesmo.
Passada a tormenta e desvanecida a corrente emocional provocada pelas dificuldades de então, poucos serão certamente os que, no foro da sua consciência, não terminaram por reconhecer que fora altamente meritória a actividade desenvolvida pela organização corporativa durante os difíceis anos da guerra.
A justiça chegou tarde, mas chegou..
Fiz este pequeno intróito, Sr. Presidente, para em rápidas palavras me referir ao assunto do aviso prévio do ilustre Deputado Melo Machado e por ver que à volta da portaria determinativa da mistura de óleo e azeite se estabeleceu, embora em muitíssimo menor grau, claro está, um ambiente parecido com o que rodeou a acção da organização corporativa durante a guerra.
Segundo se ouve dizer, a portaria constitui, se não o único, pelo menos o mal maior quanto a abastecimento oleico do País, e sem ela as coisas correriam muito melhor.
E para reagir contra este grave atropelo u verdade evidente que me determinei a intervir na discussão do palpitante aviso prévio do nosso querido colega Melo Machado.
É sabido que, em virtude de inelutáveis condições meteorológicas, o azeite da última safra é manifestamente insuficiente para ocorrer às necessidades do consumo. Isto é indiscutível.
E indiscutível é também que a carência olivícola que ora se verifica não pode ser suprida pela importação, já que os outros países produtores se encontram, pelas mesmas causas, em situação de insuficiência, já porque, se exportassem azeite, exigiriam um preço que para nós seria absolutamente incomportável. Em vista do que, e dado que ninguém hoje suportaria o regresso ao moroso, complicado, caro e enervante sistema de racionamento, próprio do clima de guerra, só três soluções poderiam ser adoptadas: permitir o livre jogo da lei da oferta e da procura; condicionar a venda de azeite à aquisição elo consumidor de igual quantidade de óleo; mistura do óleo com o azeite.
A primeira solução, que é defendida, pelo menos quanto ao azeite extra, pelo Sr. Deputado Pinto Barriga, parece-me não ter defesa possível.
Em face da existente escassez de azeite, a sua aquisição tornar-se-ia privilégio exclusivo e odioso das classes abastadas. Os economicamente débeis, como agora se costuma dizer, nenhuma possibilidade teriam de o comprar.
A injustiça desta solução creio que dispensa mais comentários.
Os próprios olivicultores, que seriam os imediatos e episódicos beneficiários desta medida, experimentariam, dentro em pouco, os efeitos catastróficos que dela fatalmente haviam de resultar, pois não seria compreensível, nem justo, nem legítimo que o Governo deixasse subir os preços nas épocas de carência e os aguentasse nos períodos de abundância.
A solução indicada em segundo lugar -que tem numerosos adeptos, entre os quais o Sr. Deputado Pinto Barriga- não resiste à mais ligeira crítica.
Na verdade, esta solução, além de provocar a corrida ao abastecimento de azeite por parte dos que para tanto tivessem possibilidades económicas, o que redundaria no rápido escoamento deste produto, faria aumentar o «mercado negro D que já hoje existe e há-de existir até que desapareçam as circunstâncias anómalas que nesta matéria presentemente se verificam.
Com efeito, sabe-se que existem consumidores exclusivos de óleo. Para estes não tem interesse a mistura, visto poderem continuar a adquirir óleo simples. Mas é certo e sabido que, desde que esta solução fosso adoptada, os retalhistas imediatamente lançariam no «mercado negro e as quantidades de azeite correspondentes às de óleo estreme que vendessem.
Ora uma solução que permitiria a excessiva compra de azeite por parte das classes abastadas, com injúria das mais humildes, e necessariamente daria incentivo ao «mercado negros não é de aceitar.
Isto parece-me evidente.
Resta, por exclusão de partes, a terceira solução: a mistura.
Com ela estabelece-se a igualdade de todos perante as dificuldades do abastecimento de azeite. Com a mistura obtém-se um produto bom para a alimentação.
Acresce ainda que, pelo facto de o azeite da última colheita ser, além de pouco, de má qualidade, a mistura reduz-lhe a acidez, o que representa um indiscutível benefício.
O que dá o cheiro e o paladar ao azeite é a acidez. Pois a mistura continuará u cheirar e a saber a azeite, porque ainda ficará ácida bastante para derrancar o fígado e vísceras anexas.
Não haverá, portanto, o perigo para a olivicultura nacional de os consumidores se habituarem ao óleo e perderem o gosto pelo azeite.