5 DE ABRIL DE 1957 561
Dei o meu concurso, fraco sem dúvida, mas como soube e como me foi possível, ao notarei aviso prévio do nosso ilustre colega engenheiro Daniel Barbosa, a quem renovo os meus agradecimentos por ter trazido a esta Assembleia, e com tal elevação, um assunto de tanto interesse e importância.
Reconheceu S. Ex.a todo o esforço realizado pelo Governo no sentido de melhorar a nossa posição económica e que todos o acompanhamos no desejo que manifesta de que se multiplique esse esforço. Podemos, porventura, discordar de qualquer dos processos indicados; uma coisa, porém, é certa: todos Assembleia. Governo e Nação, encontrarão nesta discussão novos alentos, porventura novas ideias, em que firmar e prosseguir o propósito de desenvolver cada vez mais o País. E, se outro não foi o propósito do ilustre Deputado avisante, podemos felicitá-lo e felicitar-nos se do seu esforço notável e da nossa colaboração resultar trazermos para o problema que focou a atenção do Governo e o interesse da Nação, que se não pode abstrair dos grandes problemas que equacionam efectivamente o seu futuro.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Abrantes Tavares: - Sr. Presidente: os êxitos científicos do século XIX originaram a crença ingénua de que a ciência iria regular a vida ... cientificamente. Os mais optimistas não deixaram, até, de abalar o Mundo com as suas previsões e esperanças, que, afinal, a ciência não pôde realizar. Da ciência e com o seu descrédito caíra-se no cientismo.
O uso imoderado que hoje, e um pouco por toda a parte, se faz da estatística leva a recear se caia, paru seu descrédito também, no estatisticismo. A ciência não pode reduzir a vida aos seus esquemas frios e implacáveis; a estatística não me parece possa ter mais êxito com o hieratismo seco das séries numerais. A vida. na sua densa e total complexidade, não ó redutível à simplicidade do esquema ou do número.
Do mesmo modo que a ciência teve de regressar ao domínio que lhe é próprio, desembaraçando-se de profetas e sonhadores, a estatística há-de melhorar, decerto, os seus métodos de investigação, apuramento e interpretação de dados e factos económicos e sociais e superar esta vaga. geral de mística estatisticista.
A estatística elabora médias, e nada mais fora, da vida real do que as médias aritméticas ou ponderadas. Dificilmente o investigador deparará o salário médio, o consumo médio, a mortalidade, média na vida real sobre que se debruça e cujo sentido pretende captar.
Não ignoro que na América, o país dos- inquéritos e das estatísticas, há muito quem diga dever esta riquíssima união o seu desenvolvimento e prosperidade à estatísca. Pendo em crer, porém, sem menosprezar o que de útil pode colher-se numa estatística bem elaborada e correctamente interpretada, que a extraordinária prosperidade americana resulta da feliz complementaridade as aptidões e riquezas naturais dos vários estados e da poderosa capacidade organizadora, iniciativa e técnica dos seus habitantes. Sem as riquezas naturais que por ali abundam e a estatística não poderia propiciar nada do que é teria sido.
Avaliadas correctamente as suas possibilidades, a estatística, como as outras ciências, será um fecundo instrumento de trabalho. Por agora, a sua metodologia, quer na investigação, quer na elaboração e interpretação dos dados e factos investigados, não reuniu ainda a unanimidade dos que na matéria podem ter voto. Há, portanto, que aceitar as conclusões dos especialistas, com a prudente dúvida metódica aconselhada pelo filósofo.
Advertindo o perigo das distorções e fraudes estatísticas, escreveu o Dr. José Figuerola (Teoria Y Métodos de Estadística del Trabajo): «Não é admissível que por desejo de notoriedade umas vezes, para servir interesses particulares ou de classe outras, por mero desejo de lucro muitas, as investigações da vida económica e social e a consequente medição estatística dos factos observados se vejam deformadas». «Em estatística, continua o mesmo autor, a fraude é fácil porque frequentemente o documento original é secreto, e, mesmo que o não seja, é pouco menos do que inacessível à maioria dos profanos. Esta espécie de clandestinidade deve ser compensada com uma ética profissional a toda a prova que assegure completa escrupulosidade nas elaborações e veracidade absoluta nos resultados. Correspondendo a estas garantias, os comentadores não devem procurar golpes de efeito, interpretando tortuosamente as compilações estatísticas. O prejuízo que pode ocasionar-se com um comentário erróneo ou maldoso raras vezes poderá atenuar-se com rectificações tardias».
«Nas discussões parlamentares e académicas, na luta entre classes e partidos, nas campanhas de imprensa os números -como acertadamente disse André Liesse - são projécteis que se atiram os adversários sob o impulso dos interesses e das paixões», acrescenta judiciosamente o autor citado.
Assim advertidos, podemos agora tomar a matéria do aviso prévio, tão brilhantemente realizado, para tema de algumas considerações.
Técnico de coisa nenhuma, as opiniões pessoais que venha a emitir despretensiosamente são fruto de algumas leituras, nas quais a minha curiosidade encontrou matéria de reflexão ou informação. Recebam-mas, pois. V. Ex.a. Sr. Presidente, e a Câmara pelo que valerem. E já me dera por satisfeito se pudesse produzir-me na certeza de pelo menos, não enfadar demasiado os que me concederem a sua benévola atenção.
Suponho não interessar ao fim do aviso prévio a averiguação do custo de vida para os vários grupos em que, sob o ponto de vista da suficiência ou insuficiência económica, a população portuguesa pode dividir-se. Há variações de preço em artigos de consumo que atingem certo ou certos grupos e são indiferentes para outros. Na verdade, os preços de certo tipo de carne, pão, massas, frutas, peixes e mariscos, por exemplo, pode reflectir-se em alguns orçamentos familiares, mas ao operário e ao pequeno empregado é indiferente que a carne de primeira, o pão de primeira, o salmão e a lagosta subam ou desçam de preço, já que normalmente não pode adquiri-los.
Vem isto para dizer que o índice de custo de vida, para ter algum rigor, deve ser determinado por grupos sociais bem definidos e dentro do grupo ou grupos encolhidos, e estudar então as variações dos preços no tempo, referindo tais variações si composição quantitativa e qualitativa de dado orçamento familiar. Este orçamento terá de eleger-se entre os mais baixos do grupo ou grupos a estudar, pela sua maior sensibilidade às variações de preço dos artigos básicos que constituam o mínimo indispensável para satisfazer as necessidades a que tal orçamento familiar deva ocorrer.
Já, se terá visto, decerto, que não basta atender apenas às variações de preço dos artigos de consumo para determinar o custo da vida, pois este só é dado pela incidência dos preços no orçamento ou orçamentos familiares representativos do grupo ou grupos a estudar. Era este o método adoptado e sumàriamente referido, mas não sei se é ainda o actualmente seguido.