O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

562 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 198

Ora, a ser assim, como suponho, não sei que entre nós se tenham realizado, recentemente, inquéritos directos às famílias - tipo do grupo considerado no aviso prévio. Daqui que haja de opor-se justificada reserva à determinação do nosso custo de vida, mesmo que nos venha despachado pelos conceituados serviços especializados da O. N. U.
Ignoro quais os elementos de que na O. N. U se serviram para determinar a capitação de calorias e proteínas animais disponíveis para a população portuguesa.
E ainda que se houvesse determinado com rigor o nível de vida, havia que inquirir ainda sobre os hábitos de alimentação dos Portugueses e, complementarmente, sobre a distribuição dos produtos alimentares. Ora, repito, que eu saiba a O. N. U. nada averiguou a este respeito, pelo que os seus números carecem do rigor que deveriam ter para serem significativos.
Como só a determinação do custo de vida nos pode dar o poder de compra do salário ou ordenado, a não me iludir, no caso em discussão procedeu-se de modo inverso. Não se determinou o custo de vida relativamente ao orçamento mais baixo do grupo familiar dos operários ou empregados para estabelecer o poder de compra do salário ou ordenado, mas foram estes que vieram a determinar-se partindo de certo agrupamento de produtos a certos preços. Quer dizer: não se determinou o uivei de vida de determinado grupo ou grupos - conjunto de bens e serviços efectivamente consumidos-, mas fixou-se um Standard de vida - o consumo que se considerou necessário ou conveniente- partindo daqui para a determinação do salário ou ordenado suficiente para atingir o standard fixado.
Ao abordar o problema da alimentação há que tomar em consideração os hábitos alimentares da nossa população e o clima; a estatura e ocupação são outros tantos elementos ponderáveis. Não nos deixemos perturbar por comparações menos razoáveis com outros povos, diferentes no clima que os rodeia, na ocupação predominante, nos hábitos e grau de suficiência económica. Esta diversidade de elementos ponderáveis torna extremamente difícil e precária qualquer tentativa de comparação dos níveis alimentares dos vários povos. Vejamos dois casos típicos dos hábitos alimentares dos portugueses: sabe-se qual foi o comportamento da população abastecida em 1947 com carne importada da Argentina. Habituada ao consumo tradicional de carne magra, já se esperava que a carne argentina não conquistaria o nosso apreço. De facto, e não obstante importarem-se, de preferência, os quartos dianteiros por menos gordos, os consumidores, pelo geral, não gostaram de carne muito mais gorda do que a habitualmente consumida.
Pois era o tipo de carne preferida pelos nórdicos, mais rica e sápida do que a produzida pelo nosso gado de trabalho. Suponho que ninguém contestará a excelência da carne argentina sobre a nacional, mas a verdade é que sendo superior, não correspondia às exigências de um hábito tradicional.
Desde o reinado de D. Manuel I, pelo menos, que os nossos navios de pesca demandam os mares do noroeste para a pesca do bacalhau. Este peixe, seco e nem sempre bem cheiroso, desagrada, pelo geral, aos estrangeiros que nos visitam, mas é o favorito das consoadas do Natal, é o mais aceite e estimado pelo País.
Nem o requintado espírito de Fradique Mendes resistiu ao prato de meia-desfeita, na taberna da Mouraria: «Não de ideias! -exclamou.- Deixem-me saborear esta bacalhoada em perfeita inocência de espírito, como no tempo do Sr. D. João V» - antes da estatística e da dietética, acrescentaria hoje.
Vê-se, pois, o peso dos hábitos na organização da dieta alimentar.

(Nesta altura assumiu a presidência o Ex.mo Sr. Deputado Augusto Cancella de Abreu).

O clima impõe também as Mias exigências. Os nórdicos, por virtude do meio ambiente, mais frio, necessitam de maior quantidade de corpos gordos, pois são, de entre todos os alimentos, os maiores produtores de calorias. Transformados em lipidos devem manter a temperatura interna do corpo e, como esta tem de permanecer estável qualquer que seja a do meio ambiente, é evidente que são necessários em maiores quantidades nos climas frios do que nos temperados ou nos quentes.
O género de ocupação também determina o tipo conveniente de alimentação.
«Para assegurar uma ração calórica tão importante (5000 calorias para o trabalho pesado) é necessário, sobretudo, aumentar a quantidade de glucidos», escreve Boulet-Gercourt. «Libertam, com efeito -continua o mesmo autor-, facilmente a sua energia e exigem pouco oxigénio para a combustão. É necessário, pois, consentir que os trabalhadores musculares recebam uma alimentação rica em pão, feculentos, massas, batatas, arroz e alimentos açucarados. Os lipidos podem ser aumentados, mas de maneira menos considerável. Quando aos protidos, o seu papel energético é acessório. Não intervêm mais do que na substituição dos protidos dos tecidos destruídos pelo trabalho muscular, porque esta destruição é desprezável. A ração protídica mantém-se, pois, inalterada, o que sua justifica a tendência de muitos trabalhadores musculares em consumirem grande quantidade de carne ou peixe, que comem às duas refeições».
Se isto é assim, já se entende a razão de, pelo geral, os Portugueses consumirem muito pão e batatas, dado que as suas ocupações habituais são predominantemente musculares. Na verdade, só a agricultura, a silvicultura, a caça e a pesca ocuparam, em 1900, l 569 120 trabalhadores, numa população activa de 5 998 923, na qual a indústria comparticipava apenas com 732 460. Actividades predominantemente musculares exigem, por isso, forte ração alimentar de pão, batatas e equivalentes. Consumindo-os, esta larga massa de trabalhadores dá preferência, embora sem consciência disso, aos alimentos requeridos pela sua forma particular de actividade.
A sobriedade foi sempre virtude ou imposição do meio natural, característica da população portuguesa. Léon Poinsard percorreu o País e estudou directamente uma família-tipo de cada região diferenciada.
Por toda a parte deu conta do desconforto, da pouca higiene, do passadio escasso e, coisa notável, da boa ou regular saúde dos grupos familiares estudados, não obstante a vida trabalhosa que levavam. Não direi que estes bravos camponeses constituam um desmentido ao cientismo da dietética contemporânea, mas um aviso para que não recebamos como definitivas algumas conclusões apressadas.
E, pois, que somos um país de escassos recursos, importaria ver se o aumento da população agravou o problema das subsistências ou se teremos melhorado alguma coisa. Esforcei-me, no brevíssimo tempo de que pude dispor, por encontrar números que me conduzissem a resultados claros. Infelizmente não fui feliz e terei de contentar-me com certos números como indicadores de acentuado progresso.
Vejamos como progrediu o produto nacional bruto aos preços do mercado (preços de 1954) e respectivas capitações anuais.