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586 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 199

O Orador: - O meu propósito, a finalidade desta intervenção que já por demais se prolonga, cifra-se, precisamente, em dar o grito de alerta contra as possibilidades de se adensar a esperança de que em data bem próxima se atinja o nível de proventos razoáveis, pelo qual o Sr. Deputado Daniel Barbosa compreensivelmente se entusiasmou.
Não ignoro, ao contrário, prevejo, sinto e estou preparado para arrostar com as censuras, as antipatias, as especulações, as insinuações e intrigas que vão trotar da posição descoberta que me atrevi a tomar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Que lhes hei-de fazer?
Avanço; e persisto em não terminar ainda sem contrapor aos números que o Sr. Deputado Daniel Barbosa invocou para condenar a arguição de que Portugal era um país subdesenvolvido a referência a factos que induzem a um saldo positivo bastante diferente!
Em boa verdade - permita o meu ilustre e distinto amigo Sr. Engenheiro Daniel Barbosa que lho confesse -, aqueles números que indicou quase parecem melhor servir a tese de um subdesenvolvimento da nossa terra, que S. Ex.ª honrada e veemente e reiteradamente se apostou em negar.
Em contrapartida, as cifras aqui citadas ontem pelo Sr. Deputado Melo Machado são concludentes.
E quem, como eu, atravessou já este País dezenas de vezes, sobrevoando-o de norte para sul, de oeste para leste e vice-versa, pode assegurar, sem temor de que o desmintam, que do alto se descobre um Portugal novo, iluminado, branqueado de construções novas, onde a cal esplende, limpo e acolhedor.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tenho diante de mim dezenas de rubricas de algarismos que corroborariam este asserto.
Mas não vale a pena.
A prelenda vai adiantada.
Para quê insistir em evidenciar o que é evidente?
Sr. Presidente: quando vi anunciado o aviso prévio do Sr. Deputado Daniel Barbosa, numa altura em que por toda a parte se discutiam as probabilidades, vantagens e inconvenientes do chamado «mercado comum», supus que S. Ex.ª iria esclarecer-nos sobre esse momentoso e gravíssimo problema que o Governo da Nação terá de enfrentar a breve trecho.
Enganei-me.
No terceiro dia das suas mais que brilhantes considerações o ilustre requerente do aviso prévio fez umas referências rápidas ao assunto.
O Sr. Deputado Melo Machado citou-o também no decorrer da sua intervenção.
E eu não quero nem posso abandonar esta tribuna sem me demorar alguns momentos ainda na análise duma eventualidade que, a meu ver, representa a mais grave e importante conjuntura dos interesses nacionais desde há muitas dezenas de anos.
Neste momento, sobre o problema económico português pesa a ameaça de que se inicia ou pode vir a iniciar-se uma era nova!
Tudo o que está feito - níveis de salários, indústrias, comércio importador ou exportador, regimes aduaneiros, regimes fiscais- se encontram na emergência de ser subvertido, baralhado, refundido de cima a baixo.
Fazem já parte do mercado comum a França, Itália, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Alemanha.
Dentro da zona do mercado comum existirá unia autoridade supernacional com poderes para estabelecer tarifas uniformes para os países que dela comparticipem.
Aos países da O. E. 0. E. não englobados no mercado comum está aberta a faculdade de entrarem para uma zona livre de comércio, na qual já será lícito não aceitar a autoridade supernacional, pelo que só por negociações bilaterais ou multilaterais se poderão estabelecer as tarifas uniformes reputadas indispensáveis.
Dentro das zonas cobertas pelo mercado comum, mercadorias, mão-de-obra, técnica e capitais circularão sem peias.
Notem VV. Ex.ªs bem, Srs. Deputados: a mão-de-obra e a própria técnica circularão sem peias entre os países naquela conjunção.
A par desta complexíssima organização, já em dois anos de prolongadas reuniões - lembram-se, Srs. Deputados Sebastião Ramires e Soares da Fonseca? - tivemos de acompanhar as reuniões de parlamentares de países membros da N. A. T. O., ávidos de empecilhar governos e pátrias nas ultra-arrevesadas maquinações de um superparlamento internacional.
As fronteiras ameaçam derruir; as protecções aduaneiras e fiscais avizinham-se dum estado de desagregação, com os consequentes prejuízos imediatos - imediatos, repito - para o que está ainda de pé.
E a barafunda avoluma-se...
Atingimos a fase das negociações para a entrada no mercado comum.
A uns países interessa excluir do mercado comum certas mercadorias, nomeadamente os produtos agrícolas; outros assumem orientação oposta.
Surgem as dúvidas e esboçam-se diligências para a inclusão ou exclusão dos territórios ultramarinos.
No último plano do quadro, a título de miragem aliciante, aponta-se para uns himalaias de libras ou moedas de ouro, amontoadas num fundo de investimentos e de reconversão de indústrias, que suscita os apetites dos participantes.
Ao primeiro relance, afigura-se que a extinção das barreiras aduaneiras conduzirá à total ruína da nossa indústria.
Pensando melhor, dando o braço ao Sr. Engenheiro Daniel Barbosa no decorrer da sua última e mais bela intervenção, principiamos a admitir que tal conclusão não seja fatal.
Já existe, mercê, precisamente, do progresso enorme e constante dos últimos vinte anos, um núcleo importante de indústrias viáveis.
O factor «transporte» há-de influir e continuar a pesar fortemente nos preços de custo.
As indústrias mal preparadas é óbvio que terão de ser eliminadas ou reapetrechadas de forma a poderem tornar-se rentáveis.
A mão-de-obra despedida dos escombros das indústrias que ruíram, pela carência dos alicerces em que as havia equilibrado o apoio das tarifas aduaneiras ou da protecção fiscal, derivará para outras actividades.
Novos e enormes investimentos, a eliminação de concorrências antieconómicas, contribiiirão - ao que se diz e espera - para a elevação do consumo, do poder de compra, do nível geral das populações dos países associados.

O Sr. Daniel Barbosa: - V. Ex.ª começou as suas alegações sobre mercado comum criticando não ser tão extenso como queria, e V. Ex.ª mão acrescentou uma única ideia que eu não tivesse exposto.

O Orador: - Está V. Ex.ª felicíssimo!

O Sr. Daniel Barbosa: - É só questão de ler. Para que me chamou a terreiro então?