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606 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 200

lhor justiça social e a natureza da missão que nos cumpre desempenhar em diversas, partes do Mundo.
Vivemos uma época difícil. As economias, que de regionais passaram a nacionais, tomam hoje uma expressão continental, e as novas ideias de comunidade e de integração colidem, sob certa forma, com os conceitos tradicionais da independência e da soberania dos estados. Aos povos com forte personalidade e com longa história custa sobrepor certas razões da lógica e do interesse aos impulsos do sentimento e do coração. Terão estes, porventura, de calar-se, na certeza de que a sobrevivência do Ocidente europeu não está dependente apenas do seu progresso material e económico, mas também da sua fidelidade ao idealismo e à civilização que asseguraram durante séculos a sua supremacia no Mundo e que são hoje, como sempre, património inseparável do seu génio e da sua cultura. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Vaz: - Sr. Presidente: não é sem uma certa preocupação que subo a esta tribuna para intervir na discussão do problema económico português, que o aviso prévio do Sr. Prof. Daniel Barbosa pôs em causa.
Não tenho a veleidade de me considerar um economista, julgando-me apenas um simples curioso de assuntos económicos.
Não possuo, por isso, um cabedal de conhecimentos técnicos, tanto no que respeita aos princípios técnicos reguladores da economia pura, como à sua aplicação prática nos domínios da economia aplicada.
Confesso, humildemente, esta minha insuficiência e espero que a franqueza desta confissão sirva de absolvição indulgente para a ousadia que representa a minha intervenção, que não tem um fim diferente do de me esclarecer sobre alguns pontos que durante o debate me pareceram duvidosos, por contrariarem opiniões que tinha como certas.
O facto de o autor do aviso prévio ser um engenheiro distinto, um professor ilustre, um economista de créditos sólidos, um político com responsabilidades governativas, pois já passou pelas cadeiras do Poder, e ter no mundo industrial e comercial do País funções de direcção e comando confere-lhe uma autoridade especial, a que se alia um peso idêntico de responsabilidades.
Acresce que ele é, além disso, um orador de palavra fácil e viva, torrencial e brilhante, na posse duma cultura geral e especializada vasta e profunda.
Nestas circunstâncias, o simples facto de intervir na discussão não será apenas mero arrojo mas alguma coisa parecida com arriscada temeridade.
Apesar de tudo, atrevo-me.
Segui com a maior atenção e interesse a exposição que o Sr. Deputado Daniel Barbosa produziu nas sessões de 28 e 29 de Março último e de 2 do corrente mês de Abril.
E, à mediria que ela se ia desenvolvendo, foi surgindo no meu espírito a dúvida sobre a sua oportunidade política, dúvida que ainda neste momento subsiste, devido a algumas afirmações.
S. Ex.ª, reconhecendo a importância e delicadeza do assunto, a «contingência das interpretações» e a malevolência com que fàcilmente se deturpam intenções, entende que a política e a administração pública se devem apoiar corajosamente na verdade, como já o afirmara, havia trinta anos, o Sr. Presidente do Conselho.
É verdade isso.

A verdade deve-se em tudo ao País; mas a verdade toda, mas a verdade inteira, e não apenas a meia verdade.
A coragem é uma virtude magnífica, que não deve confundir-se com a imprudência, defeito grave que compromete muitas vezes os objectivos que com o bom uso daquela se poderiam alcançar.

E tenho para mim que vir dizer do alto desta tribuna, com o prestígio da autoridade que em matéria económica o Sr. Deputado Daniel Barbosa justamente desfruta, que o provento mensal dum agregado familiar de quatro pessoas teria de ser de 3.000$ - o mínimo ideal, embora -, para se poder manter dentro duma dieta rigorosamente equilibrada e viver com higiene e dignidade num meio citadino como o de Lisboa e Porto, será, de facto, um acto de coragem, mas nem por isso deixa de ser uma atitude que me atrevo a classificar de menos prudente. Quod volumus, facile credimus.
E o operário, o funcionário e servidor do Estado, o empregado, etc., podem julgar que, desde já, têm o direito de exigir esse mínimo ideal como verba indispensável do seu orçamento caseiro para poderem viver, escudando-se na autoridade do ilustre professor. E podem até ser levados a supor ser esse o mínimo do seu provento como chefes de família, embora alguns dos seus membros concorram também para a economia do agregado.
O Sr. Deputado Daniel Barbosa sabe muito bem que a política é a arte do possível, mesmo porque já a teve de exercitar quando sobraçou a pasta da Economia. Nem tudo o que desejou e entendia ser necessário fazer, como Ministro, conseguiu de certeza realizar. Deve ter ficado muito aquém dos seus bons desejos. E sabe também que neste momento e durante um tempo indeterminado mas necessàriamente longo é absolutamente impossível elevar a esse ponto os níveis de vida das classes a que se referiu. Não se mudam dum dia para o outro as condições de vida dum povo. Levam tempo, muito tempo. Mas, sendo assim, despertar ambições ou fazer acalentar esperanças de um bem apetecido, mas de impossível realização imediata, parece-me, salvo o devido respeito, atitude corajosa, mas de perigosas repercussões sociais, que, ao que me consta, já se começaram a registar.
Para chegar àquela conclusão o Sr. Deputado Daniel Barbosa tomou por base o cálculo daquilo que, em média, o Português consome, para buscar, em face do poder de compra do escudo, aquilo que ele poderia ou deveria consumir na realidade, segundo um orçamento que apresentou e que me abstenho de aqui reproduzir.
Passo em claro a questão das calorias necessárias para o viver sadio do elemento humano, aqui tão vivamente discutida e acerca da qual me considero suficientemente esclarecido ou, melhor, suficientemente confundido, dada a diversidade de critérios, métodos e opiniões acerca da sua fixação.
Uma conclusão, porém, julgo poder tirar de toda a discussão: é a de que ela não pode servir de base para se afirmar, com verdade, que a nossa gente vive em regime de subalimentação.
Exceptuadas certas zonas de limitada extensão nos aglomerados rurais, onde o exercício da actividade agrícola é do tipo da monocultura, com subemprego cíclico, o povo português alimenta-se com razoável suficiência, sem abundâncias que o enfartem, é certo, mas sem carências que fisiològicamente o definhem. Pode-se ainda acrescentar-lhes alguns sectores dos aglomerados urbanos.
Pelo conhecimento directo que tenho do viver dessas populações, em virtude dum convívio permanente e