13 DE ABRIL DE 1967 685
Não deixou este problema de ser considerado no aviso prévio e em mais de um ensejo foi objecto de referências desenvolvidas no decurso do debate. Postos os dados gerais do problema, referidas as (perspectivas que a constituição do bloco oferece à economia da Europa e apontados os reflexos sobre as estruturas económicas e políticas das nações, não vi, porém, examiná-lo sob o ângulo português e ainda menos sobre as linhas directoras que nas soluções possíveis haveriam de resultar para a adaptação da nossa economia a esse novo condicionalismo.
E isso afigura-se-me indispensável, uma vez que no terreno das soluções a encarar são diversos os rumos a seguir, não sendo exequível, portanto, traçar esquemas sem sobre o problema-base se assumir posição definida.
Não se trata -como algumas vezes me pareceu entender- de antecipar o conhecimento da decisão que o Governo seja chamado a adoptar e muito menos de revelar, para a hipótese de se conhecerem, os fundamentos da orientação governamental na matéria. Tratar-se-ia de medir, pelo conhecimento que é público, os reflexos desse novo condicionalismo que nos surge e de formular juízo sobre a orientação que se julgue menos prejudicial aos interesses nacionais.
Não hesito em afirmar que em poucos momentos da vida do- País algum Governo terá suportado o peso de problema de tamanha envergadura e se haverá visto em situação de assumir decisão com tão graves responsabilidades. Temos, perante isso, o sério dever de consciência de considerar este aspecto fundamental, quando analisamos o problema económico português, e de tomar posição que eventualmente ofereça o contributo de um parecer, de uma sugestão ou, ao menos, de um comentário.
Este é um caso em que o Governo carece tanto de colaboração honesta como de confiança disciplinada por parte de todos nós.
É meu propósito, nesta intervenção, formular um primeiro comentário sobre a posição portuguesa perante o bloco europeu e apreciar o conteúdo do aviso prévio, em face da posição a definir.
E - sublinho-o por uma vez - neste meu depoimento não se poderá encontrar mais do que um pensamento pessoal e independente, fruto da meditação sobre elementos de conhecimento possível a todos os que ao assunto queiram dedicar o seu interesse.
A criação do bloco económico europeu, em qualquer das formas esboçadas, visa à estruturação de uma unidade que consinta o agrupamento estável das mações participantes, com o objectivo de permitir um revigoramento do conjunto que consinta o prosseguimento de lima política autónoma, em face dos poderosos blocos já existentes ou de outros que se esboçam.
Para a maioria das nações europeias parece assente a necessidade de adoptar tal directriz, e as divergências situem-se mais no terreno dos arranjos do que no da aceitação do princípio e objectivos enunciados.
O alargamento do mercado que se oferece aos participantes, com liberdade de circulação de mercadorias, capitais e pessoas, pressupõe - mesmo quando não se afirma - um alinhamento de regimes tributários, sociais e monetários, que fará caminhar inevitavelmente para uma 'integração política, com abdicação de boa parte do que hoje constitui, nos moldes clássicos, a soberania nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Daqui a necessidade de considerar, quer no campo económico, quer no campo político, as consequências previsíveis de uma adesão ao esquema ou de uma ausência.
Admitindo a tese de vantagens económicas, teremos de analisar, mo nosso caso, o preço pelo qual elas seriam adquiridas.
Não ocultam os defensores do bloco europeu que a sua estruturação exige sacrifícios no campo da soberania de cada um para se atingir a defesa do conjunto e indicam, como força polarizadora, o risco iminente de mais graves sacrifícios virem a ser suportados nesse campo, se a Europa não se fortalecer pela via apontada e houver de sofrer a hegemonia de outro bloco, por carência de capacidade defensiva. Assim se põe o dilema de uma orgânica construída por integração voluntária, onde seja possível acautelar interesses e direitos das nações em certo grau, ou de uma absorção ou domínio em que bem mais graves tenham de ser, para os países europeus, as concessões a fazer ou as imposições a sofrer.
E a salvação da Europa que está em causa.
E formula-se teoria na qual se admite que o conceito de soberania carece de ser examinado a nova luz, enquadrando-o nas limitações impostas pela solidariedade dos interesses comum a um conjunto de nações e apresentando-o como que reforçado pela obtenção de um acréscimo de acção soberana através da intervenção sobre os outros participantes no bloco, em compensação pelo que a esses outros se vai ceder no que era foro próprio.
Contém esta posição doutrinária alguma coisa de aliciante se fosse possível admitir a hipótese de não se tender para a hegemonia das potências mais poderosas na condução da vida da comunidade.
Seja expressamente aceite ou não este caminhar para um federalismo diluidor de fronteiras, o que se me afigura como certo é que a integração económica da Europa o há-de impor pela natural evolução do esquema, com força incontrolável pela própria vontade dos homens responsáveis.
E se algum país, tendo aderido ao bloco por solidariedade europeia e vantagens económicas, viesse um dia a reunir energias para tentar opor-se ao esmagamento do que quisesse conservar da sua soberania, difícil lhe havia de ser então romper os laços criados por uma comunidade de interesses entrelaçados no conjunto da sua própria vida interna.
Ao decidir-se a participação no bloco, fazendo a adaptação económica que essa atitude impõe, tem de se ter em mente que não é mais possível reverter à posição inicial.
Não creio que no conjunto europeu a nossa posição pudesse vir a situar-se entre aqueles que hajam de ter capacidade condutora e prevejo antes- que ela não passaria de uma subalternidade em que a independência tenderia a sofrer as mais sérias restrições. A par disso, o afrouxamento dos vínculos nacionais -consequência normal das limitações resultantes para a soberania- poderia acarretar os mais graves problemas para a manutenção da unidade de um país disperso por continentes diversos e cujos territórios se encontrariam sujeitos à pressão de outros blocos, sem disporem já da coesão que hoje resulta firmemente da conservação de um sentimento nacional que não admite restrições. E este atenuamento da unidade portuguesa, fruto da participação na comunidade europeia, viria afinal a enfraquecer a nossa própria valorização como membro de tal bloco.
Afigura-se-me assim que a nossa adesão ao esquema europeu conteria o risco de se caminhar para a perda da nacionalidade.
Julgo tal preço excessivo, no quadro dos valores que prezamos, para quaisquer eventuais vantagens que de tal atitude nos pudessem resultar.