13 DE DEZEMBRO DE 1958 131
impostos anunciadas. (Dizem os artigos 4.º e 5.º da proposta).
Quer dizer, enquanto não forem publicadas estas reformas, ou, melhor diremos, a reforma geral dos impostos, sabemos que não haverá alteração nas taxas estabelecidas, mas logo que sejam publicadas aquelas reformas cai-se no desconhecido, e não fica esta Assembleia habilitada a ajuizar das consequências, do alcance, da autorização que dá.
Será razoável que se peça isto à Assembleia? Poderá assim esta fazer uma votação consciente?
Conhecemos, se não em pormenor, ao menos na sua orientação geral, a anunciada reforma?
Diz-se no relatório da proposta que se espera promulgar ainda no mês de Novembro o código da sisa e do imposto sobre as sucessões e doações, e bem necessário era, pois que não só este imposto e o espírito mm que for encarado tem uma importância enorme, como a sua publicação nos poderia dar uma noção da orientação que vai seguir-se.
Diz-se ainda no relatório que, pelo facto de os códigos dos restantes impostos só poderem ser publicados a partir de Janeiro de 1959, vêm prestar-se, os esclarecimentos indispensáveis sobre as linhas gerais da reforma desses impostos.
S. Exa. o Sr. Ministro das Finanças diz isto, mas a verdade é que se esqueceu de o fazer, pelo menos, em termos suficientes, bastantes, para tornar consciente o voto da Assembleia.
Não quero com isto afirmar que não fosse esse realmento o propósito de S. Exa. mas, por intimamente familiarizado com o assunto, julgou ter explicado. O que disse foi, todavia, insuficiente para que pudéssemos abarcar o conjunto do medidas que se projectam, a possibilidade, sequer, de compreender o seu interesse.
A orientação geral, diz S. Exa., é remodelar, actualizar, mas não alterar de um ímpeto os quadros tradicionais.
Mas há afinal o intuito de alterar os quadros tradicionais, não de um ímpeto, mas em dois ou très?
Aqui começa, para não dizer que continua, a minha divergência formal.
Há muitos anos - e desculpe-me V. Exa., Sr. Dr. Águedo de Oliveira, o atrevimento - que venho afirmando o grande inconveniente de alterar profundamente o nosso sistema fiscal, antiquado embora, mas com a perfeita aceitação do contribuinte, o que me parece de particular importância.
Se a reforma de 1929, concebida, diz o relatório, «num período de graves dificuldades financeiras e executada quando se difundia por toda a parte a mais ameaçadora crise económica». não careceu de se desligar do condicionalismo da época e pôde, todavia, colher do contribuinte todo o dinheiro necessário não só para restabelecer as finanças e o crédito do País, mas ainda para realizar uma obra memorável de reconstituição nacional, que ficará como padrão imorredouro de glória do seu eminente autor, por que razão no período de «relativo desafogo para a tesouraria pública (frase do relatório) há-de ser necessário», ao que parece indispensável mesmo, alterar profundamente o sistema?
Reconhece o autor da proposta «as dificuldades, bem conhecidas, de ordem política, económica, jurídica, comum a todas as reformas tributárias, em qualquer época e em qualquer país» e pergunto se para enfrentar todos esses reconhecidos inconvenientes nos encontramos no momento óptimo, principalmente quando através do muito pouco que nos é dado saber se verifica que se vai seguir precisamente um caminho inteiramente avesso, não só aos nossos hábitos, mas à nossa índole, à nossa maneira de ser como se pode depreender da seguinte frase: «Com efeito, desde que vai promover-se uma tributação razoável e tecnicamente mais perfeita e mais equitativa, em larga medida, baseada nas declarações do próprio contribuinte...».
O Sr. Carlos Moreira: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Carlos Moreira: - Desejava apenas um esclarecimento. Tenho estado a seguir as considerações de V. Exa., e, se não estou em erro, creio ter afirmado V. Exa. que se vai para um caminho diferente e avesso à tradição. Compreende-se que possa ser diferente, mas afirmar-se que é avesso é porque V. Exa. conhece já qual é o caminho que se vai seguir ...
O Sr. Melo Machado: - Afirmei apenas que é avesso a nossa maneira de ser, como se pode depreender das palavras do relatório. Por isso legitimamente concluo que a reforma fiscal assenta nas declarações do contribuinte, e são essas declarações que considero inteiramente avessas ao nosso feitio.
Troca-se a plena tranquilidade e aceitação integral pelo gosto requintado de técnica mais perfeita, sabendo-se que tal técnica é particularmente detestada pelo contribuinte português, que a ela só muito difícil, muito relutantemente, se adaptará.
Diz-se ainda, certamente no intuito de tranquilizar o contribuinte: «Mas embora não seja objectivo fundamental desta reforma o aumento de receitas, prevê-se que venha a ser seu resultado, por virtude, quer de a tributação se aproximar mais dos rendimentos reais, quer da mais correcta determinação dos rendimentos normais». Delicioso eufemismo, não acham?
Ocorre-me agora comparar a extensão das explicações dadas sobre o imposto complementar e as alterações a que dá lugar e as que nos são fornecidas para compreendermos em que sentido se move a nova reforma tributária. Enquanto se dedicam sete páginas ao imposto complementar, poucos períodos efectivamente, se encarregam de nos explicar o sentido de reforma tributária que se projecta.
Deste modo, não fazemos qualquer ideia das receitas cuja aprovação nos é proposta.
Da que chegou ao nosso conhecimento quanto ao imposto complementar pela proposta e seu relatório e quanto ao imposto sucessório, por uma forma perfeitamente original no que diz respeito a assembleias legislativas como a nossa, pois apenas individualmente, até há dois ou três dias, cada qual tomou conhecimento dos tópicos essenciais dessa reforma pelos jornais, manda a verdade que se diga que parecem redigidos em termos sensatos que não alvoroçam os que deles tomam conhecimento. E digo parece, porque o fisco tem garras e colmilhos e nós não sabemos se, através da densa selva dos seus cento e oitenta e sete artigos o respectivos parágrafos, nalgum fojo não está escondida a fera que nos há-de saltar, não digo à garganta, mas às algibeiras.
Se isso pode tranquilizar, em certa medida, as nossas apreensões, não quer, todavia, dizer que nos habilite a emitir neste assunto um voto perfeitamente consciente, pois falta ainda conhecer a reforma de todos os demais impostos.
Registo ainda a seguinte declaração que consta do relatório: «Nos casos em que os impostos continuam a incidir sobre o rendimento normal - e são, pela força das circunstâncias, nomeadamente os das pequenas actividades industriais e os da propriedade da terra - não deixará de proceder-se à correcção sistemática para actualização dos respectivos valores».