578 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 98
O Orador: - Evidentemente que não posso cometer inconfidências. Mas parece-me que todos aqueles que têm um enquadramento institucional devem obedecer a determinada disciplina; e não estou a ver esses agentes a que V. Ex.ª se refere a actuarem com equilíbrio e harmonia espontâneos, dispersando-se pela vida política, a proclamarem os seus pontos de vista relativamente a problemas suscitados nos órgãos junto dos quais eles funcionam como árbitros.
O Sr. Ferreira Barbosa: - Nenhum sistema é isento de imperfeições.
O Orador: - Mas aqui a solução e quase anárquica.
Não será antes preferível dar plena vitalidade representativa à organização corporativa e dar-lhe acolhimento harmónico e sistemático em órgãos descentralizados da Administração de tipo institucional, aos quais esteja confiada a ampla coordenação das grandes actividades nacionais?
Se nos inclinarmos para a afirmativa, tenderemos a reconhecer que o Estado e a organização corporativa, se querem efectivamente cooperar no desenvolvimento económico da Nação, precisam de dispor de instituições apropriadas para estabelecer entre si diálogos construtivos sobre problemas que se suscitam no quadro da vida activa e cuja solução, quase sempre, se não comporta no domínio exclusivo da produção, do comércio ou da indústria, mas antes exige um potencial e uma perspectiva de acção que só o Estado, através da sua Administração, pode deter e dispor.
Uma nota ainda me permito acrescentar, já desligada das conclusões a que acabei de me referir. Quero assinalar a quem tão zelosamente defende a dignidade e prestígio da organização corporativa que a sua expressão representativa é justamente a mais nobre e útil das suas atribuições.
Sobrecarregá-la de poderes de autodirecção e de ingerência económica nos respectivos sectores é confundi-la e aprisioná-la na própria responsabilidade de soluções de circunstância, é encaminhá-la para o plano empresarial, com todos os riscos que isso comporta por ir afectar e comprometer todo o sector integrado.
Devolver às empresas a responsabilidade das manipulações económicas e ao Estado e à Administração o cauteloso e avisado poder de intervenção é a maneira mais objectiva, creio eu, de preservar a independência crítica e representativa das corporações.
A sua dignidade e prestígio poderão, assim, ficar mais acauteladas.
O Sr. Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com muito prazer.
O Sr. Santos da Cunha: - Era apenas para dizer o seguinte: já ontem expressei essas ideias, que gostaria de reafirmar hoje aqui. Inteiramente de acordo em que a organização corporativa deve ser expurgada de tudo quanto signifique o imiscuir-se em operações de carácter empresarial, porque elas não são próprias da organização. Quando praticadas, se existirem, representam um desvio condenável e inaceitável. Simplesmente, é conveniente anotar que esse risco, que faz perigar a independência dos organismos corporativos, quando mostram pendor para intervenções dessa natureza, é maior, mais grave, quando praticadas pelos organismos estaduais de intervenção económica, porque então já não são só sectores restritos que vêem a sua independência afectada, mas o próprio Estado, fiador do bem comum, que se compromete ele próprio em operações que quebram essa sua mesma independência. De resto, o que acabo de dizer não constitui novidade nenhuma, nem para V. Ex.ª nem para ninguém. Muitas vezes tem sido anotado, e foi-o com particular autoridade, como sempre, pelo Sr. Presidente do Conselho, ao criticar as tendências intervencionistas do Estado, denunciando os graves riscos resultantes de intervenções desta ordem.
Dizia ele que mal iria no Estado quando a realização de um negócio e a perspectiva de um lucro dependessem do despacho de um Ministro.
Se a coisa é grave quando decorra no ambiente do organismo corporativo, para mim - e penso que doutrinariamente estarei em boa ortodoxia e em boa companhia - é gravíssima quando praticada pelos organismos de coordenação económica.
E V. Ex.ª sabe que, por razões imperativas das circunstâncias, os organismos de coordenação económica não raras vezes foram chamados a desempenhar funções dessa natureza que estão na linha fundamental dos reparos e críticas que o público, geralmente pouco esclarecido acerca da diversidade de funções entre os organismos de coordenação económica e a organização corporativa, indiscriminadamente atribui àquilo que para ele se chama «organização corporativa» ou, mais comezinhamente, «grémios».
Devemos, pois, por um lado, defender a organização corporativa de intervenções daquela ordem, nunca esquecendo que mais graves são quando praticadas pelo Estado através dos seus órgãos próprios de intervenção económica.
O Orador: - Ouvi com a maior atenção as considerações de V. Ex.ª e sobretudo a ordem de preocupações em que V. Ex.ª se situa. Creio que o entendi perfeitamente ao dizer que a organização corporativa, quando envolvida na manipulação de operações económicas, se compromete. É o meu próprio ponto de vista. Com V. Ex.ª, penso que isso se torna também grave quando é o Estado a intervir.
Apenas - e aqui coloco-me como mero depoente, por ter vivido a óptica de um organismo da Administração -, no domínio da intervenção económica, o Estado actua cautelosamente, procurando, tanto quanto possível, estabelecer previsões a longo prazo. Estas tendem naturalmente a contrariar a visão do imediato, do emergente.
As repercussões futuras dessas intervenções são, portanto, temperadas por aquelas previsões.
Contrariamente, se as intervenções económicas pertencessem às corporações, porque estas integram basicamente interesses empresariais, movidos naturalmente pelo sentido de lucro, ser-se-ia arrastado para situações ulteriores que poderiam comprometer gravemente o desenvolvimento harmónico da economia nacional.
O que pretendo significar, em suma, é que normalmente a visão do Estado dá maior equilíbrio a uma intervenção económica do que daria a da organização corporativa.
Eu sei que não respondi totalmente às observações de V. Ex.ª Sei-o perfeitamente. Simplesmente, ao lado de tudo isto está - e aqui parece que começo a responder mais concretamente a V. Ex.ª - a circunstância de o Governo ter, mercê dos imperativos que sobre ele foram progressivamente recaindo, de tomar decisões concretas, em que manifestamente estão envolvidos interesses valiosíssimos.
E isto hoje é uma fatalidade das circunstâncias que incide sobre o próprio Governo.
Apenas quero concluir desta maneira: desde que se criem instituições absolutamente conscientes da sua responsabilidade, o Governo pode devolver para essas instituições o maior número possível de decisões, por forma a atenuar o intervencionismo político directo, e portanto o seu próprio desgaste.