964 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 121
o sistema de perguntas escritas ao Governo, para completar, assim, em assuntos de maior ou menor monta, mas que concorram poderosamente para a formação da opinião pública, o esclarecimento desta Câmara e, por via dela, de todo o País.
Os governos, que, de uma forma, geral, têm trabalhado afanosamente durante as últimas dezenas de anos, têm-se esquecido muitas vezes por motivo dessa mesma tarefa e por defeito de a organização do respectivo sistema de trabalho e os serviços dos seus Ministérios não estarem descentralizados nem, muitas vezes, devidamente organizados, os governos têm - dizia - a tendência para considerar de antemão esclarecidos os assuntos, não explicando capazmente ao Pau a razão das determinações tomadas. Por outro lado, os órgãos de informação criados, fie se mostram diligentes no conjunto dos seus serviços, vão sofrendo o mesmo processo evolutivo que os homens do Governo quanto à informação sistemática da opinião pública. E os órgãos políticos do regime, esses então são praticamente inexistentes - exceptuando as comissões de nível superior -, a não ser nas vésperas das pugnas eleitorais. Daqui toda a gente se encontrar totalmente por elucidar, não só quanto aos mais graves problemas do País, como até quando aos de menor importância. Acresce ainda que são raros os Ministros que realizam conferências de imprensa e das próprias reuniões do Conselho de Ministros é raro saírem notas suficientemente esclarecedoras.
Também nesta Câmara se prestam, no período de antes da ordem do dia, informações de interesse, que se não são, todavia, suficientemente divulgadas. Diário das Sessões, igualmente, ninguém o conhece, e apenas resta o esforço inegável da imprensa diária para dar relevo ao trabalho desta Assembleia. Louvo, por isso, a Radiotelevisão Portuguesa pela crónica parlamentar que há pouco iniciou e da qual espero, se for bem feita, os melhores resultados, não só para o prestígio desta Casa, como, sobretudo, para a divulgação de esclarecimentos que a opinião pública deve receber. Estranho, por isso, também que as emissoras do Estado não tenham criado ainda uma crónica parlamentar à altura e atenta às necessidades do País.
Mesmo que todas estas formas de esclarecimento que aqui cito sejam vivificadas, mesmo que todos passem a cumprir o seu dever de informar cabalmente o País - e devo reconhecer que ainda é o Governo quem mais largamente o informa -, ainda assim haverá lacunas de grande importância. Com efeito, podem os Deputados, ao abrigo do artigo 96.º da Constituição, requerer elementos aos serviços, e largamente utilizam essa prerrogativa, mas notemos que uma coisa é pedir elementos, outra é pretender, através de perguntas concretas e concisas, obter a razão por que o Governo procedeu desta ou daquela maneira, com a obrigação de resposta, excepto se houver motivos de reserva ou, para usar terminologia da actual redacção do artigo 96.º, a com fundamento em segredo de Estado».
Poderia, é certo, argumentar-se que o citado artigo permite, tal como se encontra agora redigido, esse sistema e, porque o comporta, dispensa, consequentemente, novo alargamento. A verdade, porém, é que tanto o - liso como o Regimento lhe deram na prática uma interpretação diversa, como muito bem acentua a Câmara Corporativa no seu parecer (n.º 14/VII).
Creio, afinal, Sr. Presidente, que se se usar lealmente este processo que agora proponho - e ao dizer lealmente quero dizer lealmente da parte dos Deputados e lealmente da parte do Governo - e se com cuidado se alterar o Regimento a Nação lucrará efectivamente, porque se poderão com mais facilidade esclarecer assuntos importantes que constantemente são adulterados com o fim de envenenar a opinião pública.
Dizia-me há tempos o governador civil de um distrito do Norte que só sabia das verdades ou das mentiras da política portuguesa por intermédio dos boatos de café. E talvez razoável esta caricatura, digamos, esta manifestação de pesar, porque há assuntos preocupantes que se não têm esclarecido, por se determinar solenemente não ser útil ou não valer a pena ...
O Sr. Abranches Soveral: - Muito bem!
O Orador: - Penso, Sr. Presidente, que não precisarei de justificar mais esta minha proposta de modificação da Constituição. O que disse não bastaria talvez para consolidar a opinião da Assembleia, mas o longo e circunstanciado parecer da Câmara Corporativa e a sua conclusão favorável a este ponto do meu projecto de lei dispensam-me de ocupar mais tempo a VV. Exas.
Passo, por consequência, a esclarecer os motivos pelos quais proponho que um delegado da Câmara Corporativa tome parte obrigatoriamente nas reuniões .das comissões desta Assembleia em que sejam apreciadas alterações sugeridas por aquela Câmara.
Parece-me, com efeito, que perfilhar agora certas sugestões apresentadas no parecer n.º 13/V da Câmara Corporativa sobre a revisão constitucional de 1951 -concorreria para melhor aproveitar o trabalho alheio, mas a Câmara Corporativa no seu douto parecer vem agora afirmar que «não há notícia de a Câmara ou a sua Mesa terem alguma vez reconhecido a necessidade ou a simples conveniência de a Câmara se fazer representar nas sessões das comissões da Assembleia em que se estudem os projectos ou propostas que ela previamente examinou, ou de a Assembleia ter solicitado a comparência de um delegado desta Câmara nas referidas sessões» (in Actas da Câmara Corporativa n.º 58, de 12 de Maio de 1959,-p. 714).
Tem, pois, interesse citar o já referido parecer de há anos (n.º 13/V), onde o problema é posto inteiramente às avessas. Efectivamente, pode ler-se em dada altura o seguinte: «... para evitar que a Assembleia lute, por vezes, com dificuldades para dissipar dúvidas sugeridas por pareceres da Câmara deveria estabelecer-se que o relator do parecer ou outro procurador designado pela Câmara assistísseis reuniões de estudo da competente comissão da Assembleia. No sistema político português os compartimentos constitucionais são demasiado estanques: não tem o Governo contacto com a Assembleia, nem esta o mantém com a Câmara Corporativa em termos de se assegurar uma colaboração eficaz para além dos meros encontros de ordem particular, que não podem contar num regime bem ordenado. Esta Câmara pensa que de mais íntima ligação de todos estes órgãos poderia resultar trabalho de melhor qualidade e mais íntima compreensão», (in Diário das Sessões n.º 74, de 24 de Fevereiro de 1951, p. 408).
Estavam, portanto, de acordo, ao que parece, com o Doutor Marcello Caetano, ilustre relator desse parecer, todos os outros Dignos Procuradores que o assinaram, entre os quais alguns subscrevem também o parecer de agora. Como se vê, a Câmara Corporativa reconhecia, assim, mais do que a simples conveniência, a absoluta necessidade de se fazer representar mas comissões da Assembleia.
Seguidamente, diz a Câmara Corporativa que, como para seu representante está mais indicado, em princípio, o relator, este não pode, evidentemente, ser obrigado a tomar parte nas sessões das comissões da Assembleia, por isso que estas reuniões se fazem ias mais das vezes paralelamente com as da Câmara Corporativa,