10 DE JUNHO DE 1959 967
O Orador: - Sr. Presidente: para mim, a era de Salazar, a era em que os Portugueses, sob a inspiração do excepcional e eminente estadista, readquiriram a consciência da sua missão espiritual no Mundo, começou verdadeiramente com a publicação do Acto Colonial, a primeira lei constitucional do Estado Novo, que vinha substituir o titulo v da Constituição de 1911.
As suas disposições foram modificadas e integradas no texto constitucional em 1951, pela Lei n.º 2048.
A unidade da Nação, a solidariedade de todas as suas partes componentes e a descentralização administrativa, que constituem os pontos essenciais do Acto Colonial, passaram para a Constituição, deixando transparecer agora uma actividade colonizadora transitória que abra o caminho para a uniformização político-administrativa, que a substituição de o colónias» pela designação «províncias» indica.
O artigo 29.º do Acto Colonial dispunha que «as colónias só serão governadas por governadores-gerais ou governadores de colónia, não podendo a uns e outros ser confiadas por qualquer forma atribuições que pelo. Acto Colonial pertençam à Assembleia Nacional, ao Governo ou ao Ministro das Colónias, salvo as que restritamente lhes sejam outorgadas,- por quem de direito, para determinados assuntos em circunstancias excepcionais.
Já desponta neste preceito o princípio de centralização governativa.
Esse artigo 29.º foi substituído pelo artigo 153.º da Constituição, segundo o qual «o Governo superintende e fiscaliza o conjunto da administração das províncias ultramarinas, nos termos da Constituição e da lei ou leis orgânicas a que se refere a alínea a) do n.º 1.º do artigo 150.º, por intermédio dos órgãos que as mesmas leis indicarem».
O ilustre Deputado Mário de Figueiredo em relação a este preceito disse que:
O único sentido que pode atribuir-se a esta fórmula é o seguinte: o Governo pode agir por intermédio do Ministério do Ultramar ou por intermédio de qualquer outro Ministério de administração metropolitana. Isto significa - continua o ilustre Deputado e douto professor que os serviços de qualquer das províncias ultramarinas podem ir sucessivamente - sendo integrados nos serviços da administração metropolitana.
De facto a base IX da Lei Orgânica confirma essa douta interpretação ao estabelecer que «o Governo superintende e fiscaliza o conjunto da administração das províncias ultramarinas, directamente ou por intermédio do Presidente do Conselho, do Conselho de Ministros, do Ministro do Ultramar e, eventualmente, por intermédio de outros Ministros, nos termos da presente lei».
É evidente que os textos citados são a aplicação do principio da centralização governativa, podendo entender-se, à face da designação «províncias» em lugar de «colónias», que essa centralização governativa está encaminhada no sentido definido pelo ilustre Deputado s antigo Ministro do Ultramar Sarmento Rodrigues nas palavras seguintes:
Um dia virá em que não haverá nem Ministério das Colónias ou do Ultramar, nem governos ultramarinos, nem serviços próprios, porque tudo se passará como agora se passa em Trás-os-Montes, ou no Algarve ... e assim, merco de uma autonomia inicial, teremos realizado uma fusão numa unidade. Pura assimilação.
Sabido que na maioria dos nossos territórios ultramarinos há colectividades com costumes e necessidades diversos das metropolitanas, cabendo-lhes por isso estatutos especiais, poderá dizer-se que a assimilação é um mito ou utopia. Mas as utopias e os mitos são criadores, principalmente quando sugerem a forma suprema da energia vital que é o amor ao próximo. As palavras que exprimem grandes ideais exercem nas sociedades benéficas influencias políticas.
Salazar, a quem a Nação Portuguesa deve a paz e a tranquilidade que permitem extrair dó passado a lição para a sua missão futura, disse nesta Assembleia, ao falar sobre o Acordo Missionário e a Concordata, que «pouco importa que alto pensamento de política comercial e marítima determinasse o escol dos dirigentes a buscar novas rotas e descobrir outras terras; o constante apelo à evangelização dos povos, passou, das descobertas e da colonização, marcaria, se não a consciência religiosa do poder, ao menos a mobilização do sentimento público para facilitar a empresa e tornar suportáveis, através do reconhecimento de alta missão espiritual, os sacrifícios que custava».
Por mim estou com os que pensam que no momento em que um interesse material invoca uma ideia espiritual, esse interesse entrega-se completamente nas mãos dela e à lógica dessa ideia, a qual continuará a desenrolar-se segundo as leis próprias e muitas vezes, inclusivamente, contra o próprio interesse que a tinha invocado, para fazer dela um instrumento ao seu serviço.
O Império Português atingiu proporções tais que o rei pode intitular-se rei de Portugal e dos Algarves, de aquém e de além-mar em África, senhor da Guiné, da conquista, navegação e comércio às Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia.
E o que hoje resta e constitui a plurirracial Nação Portuguesa é o resíduo positivo, que será o mesmo para todos os observadores, ateus ou crentes, portugueses ou não, da pertença política comercial e marítima, que, graças às leis do processo da história, se entregou, porventura contra o sen próprio interesse, aquela missão espiritual em cujo serviço Gama e tantos outros heróis, mesmo os obscuros, da epopeia lusitana julgavam ser enviados.
É inegável que quando em 1951 se substituiu o termo «colónias» pelo termo «províncias» se teve o propósito de não deixar qualquer dúvida- sobre a equiparação constitucional entre a parte europeia e a parte não europeia do território português.
Mas também é inegável que a estrutura do ultramar português é diferente da do continente.
O título VII da parte II da Constituição abre com a afirmação de que é da essência orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de colonizar as terras dos descobrimentos sob a sua soberania e de comunicar e difundir entre as populações ali existentes os benefícios da sua civilização.
E para esse fim as províncias ultramarinas regem-se por leis especiais, que podem provir, em parte, de órgãos legislativos provinciais, e o Estado garante por medidas especiais, como regime de transição, a protecção e defesa dos indígenas nas províncias onde os houver, conforme os princípios de humanidade e soberania e outras disposições constitucionais e as convenções internacionais.
Qual é o sentido ou direcção deste regime de transição ? Para onde se transita?
Sabe-se - e nesta Assembleia foi recordado pelo ilustre Deputado Mário de Figueiredo ao discutir-se a Lei Orgânica do Ultramar - sabe-se, repito, que em política colonial pode seguir-se dois caminhos, ou adoptar-se dois regimes como tipo-limite de organização das províncias ultramarinas, tipo-limite no sentido do ponto para que se transita: um, segundo o qual a organização deve fazer-se em condições de as províncias ultramarinas cami-