16 DE JUNHO DE 1959 959
de uma organização que se anunciava unicamente destinada a defendê-la num dos sectores bem expressivos da sua actividade - o da produção de lãs.
Com efeito, semelhantes propósitos, tão generosos como louváveis, foram repetidamente proclamados: "... as máquinas a montar seriam as mais apropriadas para o trabalho das lãs nacionais, cujas amostras, para esse efeito, seriam enviadas aos mais abalizados técnicos e cientistas dos centros de investigação lanar...".
À empresa estaria reservado "o grande papel de levantar as lãs de casa dos produtores (que não podem, sem prejuízo, conservadas em seu poder por muito tempo) e transformá-las em penteado, o estado de transformação em que é possível conservá-las em melhores condições técnico-económicas".
Tudo seria feito com vista a um grande objectivo: o da valorização das lãs nacionais. A fábrica a instalar seria "uma unidade industrial de grande interesse para a resolução do problema lanar português".
Que tem acontecido na prática?
De conta própria parece que a empresa ainda não transformou um quilograma de lã nacional e, implicitamente, não a terá adquirido. E de conta alheia, ou seja a feitio - única modalidade de trabalho que vem praticando -, tem transformado, predominantemente lãs estrangeiras, numa escala que, no ano transacto, rondou os 70 por cento da sua produção total.
Perante semelhantes factos é legítimo perguntar: Será esta a forma de fazer verdadeira defesa sectorial?
Talvez que a lavoura acabe por reconhecer, se é que não reconheceu já, ter vivido uma ilusão dando o seu dinheiro, que é trabalho e sacrifício, para edificar um instrumento que, até hoje, ainda em nada a beneficiou e tem servido apenas os interesses de alguns particulares.
E, para além da vultosa ajuda com que o organismo de coordenação económica e os organismos corporativos contribuíram para a subscrição do capital da sociedade, talvez como recompensa pela forma exemplar como a empresa não cumpriu os seus anunciados propósitos, concede-se-lhe ainda um crédito extraordinário e especialíssimo de 4500 contos para a compra de maquinismos que, a consentir-se na sua montagem irregular, só serviriam para acentuar ainda mais a situação anómala que descrevi.
Parece que a especial natureza do pacto social da sociedade a obrigaria, mais do que a outrem, a uma rigorosa observância dos preceitos legais. Mas, infelizmente, não. E afigura-se-nos até que se procura usar daquela específica característica para forçar o passo onde outros, com a sua incaracterística idoneidade, não podem aspirar à mais pequena parcela de êxito.
Nas minhas anteriores considerações invoquei a ilegalidade da instalação da fiação-piloto, por caducidade dos prazos decorrentes dos despachos que a autorizavam. Colhi aquela informação em documento emanado dos serviços competentes e que não pôde sofrer desmentido. Mas - há sempre um mas! -, ao que se nos diz, os mesmos serviços entendem que a abertura de créditos para a compra, antes da expiração do prazo de instalação dos maquinismos encomendados, prova a sua aquisição.
Evidentemente que pode provar. Mas de forma alguma significa que tenham sido observados os prazos legais da instalação.
O Decreto-Lei n.º 39 634, tanto no § 1.º do artigo 12.º, que regula o prazo inicial, como no artigo 15.º, que regula a prorrogação, por uma só vez, fala clara e iniludivelmente em prazo de instalação, e nunca de aquisição.
Com tão estranho critério estaria encontrada a forma de iludir e prorrogar os prazos por todo o tempo desejado. Se assim é, rasgue-se a lei, que de nada serve, ou então promulgue-se outra que dê foros de legalidade a todos os devaneios interpretativos dos serviços.
Não confundimos instalação industrial-piloto com instalação laboratorial ou experimental, porque, para nós, uma instalação industrial que há-de destinar-se a produção e subsequente comércio dos produtos obtidos nunca pode ser uma instalação-piloto.
Parece negar-se a existência ou a possibilidade de, em conjuntos fabris com dimensões inferiores à dimensão industrial corrente, destinada à produção, se reproduzirem as fases da operação transformadora de determinada matéria-prima, o estudo dos acidentes a que está sujeita, o cômputo efectivo da produção, etc. Pois, quanto a nós, estes ensaios e experiências fazem-se exclusivamente nas instalações-piloto. E os conhecimentos aí adquiridos, depois de conhecidos e dominados todos os percalços a que está sujeita a experimentação, são então transportados à prática, aplicando-os nas instalações industriais.
Não posso, sem risco de exceder o tempo regimental que me é facultado, tentar uma exaustiva, demonstração de como as unidades-piloto não se destinam à laboração contínua e produção e de como as suas dimensões e características se afastam, nitidamente, daquelas que possuem as correntes instalações industriais.
Poderia invocar aqui múltiplos depoimentos, mas limito-me a reproduzir um que não pode considerar-se suspeito, por ser o da própria empresa, que usa uma linguagem e afirmações muito semelhantes àquelas de que me tenho servido.
Com efeito, nu parte final do estudo de localização da nova fábrica e o projecto completo e pormenorizado das instalações que foi autorizado pode ler-se:
O laboratório de ensaios têxteis, apetrechado com uma lavadaria-piloto de aço inoxidável do mais moderno tipo, e a restante aparelhagem, bem como a fiação-piloto, garantem a possibilidade de poderem fazer-se estudos e investigações de grande interesse para o progresso da indústria de que nos ocupamos. Não se esquecerá naturalmente a preocupação, que será constante, de se aplicarem à prática os conhecimentos científicos que se forem obtendo no decurso das experiências e ensaios realizados no laboratório e na fiação-piloto.
Dois factos merecem ser realçados: a fábrica possui uma lavadaria com dimensão industrial e, no entanto, previu-se e existe no sector laboratorial uma lavadaria-piloto. O projecto da fábrica, elaborado, segundo creio, por técnicos competentíssimos, previa uma área de 60 m2 aproximadamente para a instalação da fiação-piloto. A fiação adquirida foi instalada numa dependência não incluída no projecto inicial e, portanto, não autorizada, que tem uma área com cerca de 975 m2.
Este facto é suficientemente demonstrativo de lima dupla ilegalidade: o não cumprimento do projecto nos precisos termos em que foi aprovado e a de que a fiação instalada não corresponde, nem em características, nem em dimensões, às da fiação-piloto prevista, e tanto que não foi possível instalá-la na dependência que efectivamente lhe seria destinada.
Para quê mais comentários?
Termino, Sr. Presidente, renovando o meu pedido para que os organismos competentes definam, com urgência, clareza e firme determinação, as características, moldes de trabalho e destino dos produtos obtidos nas unidades de estudo e investigação que hajam de considerar-se piloto.