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17 DE JUNHO DE 1959 975

Diz-nos o parecer da Câmara Corporativa, ao rejeitar o projecto, que a competência da Assembleia Nacional apenas deverá ser limitada às alterações requeridas por novas exigências da realidade nacional, e não por um mero «prurido» de perfeição.
Não contento com dizê-lo uma vez e frisar que já o disse em 1951, com o ar de quem dá um puxão de orelhas a discípulos mal aplicados, volta a repetir que a emenda proposta corresponde «tão-só a uma preocupação de exactidão terminológica, se não de mera perfeição estilística», acrescentando que tal preocupação é fora de lugar.
Pelos vistos, a preocupação de exactidão terminológica parece aos ilustres censores coisa despicienda.
Ressalvado o nosso respeito e alta consideração pelos Dignos Procuradores que acharam a proposta fora de lugar, eu perguntarei o mais correctamente possível se SS. Ex.ªs estão dentro do lugar que lhes compete quando pretendem impor, ex cathedra, à Assembleia Nacional, aquilo que entendem tão-somente dever permitir-lhe, não sabemos a que titulo: «só deve ser usada pela Assembleia Nacional (transcrevo novamente) pura introduzir nela alterações requeridas por novas exigências da realidade nacional».
Ora peço licença para achar que também pode haver razões diferentes e imperiosas, e que se devem introduzir não só as novas, mas também aquelas antigas e não atendidas exigências da realidade nacional, como no caso que nos ocupa.
E a verdadeira realidade nacional, embora isto pareça insignificante aos dignos subscritores do parecer, é que a Nação Portuguesa ó constituída por famílias não de uma raça (como, aliás, nenhuma nação europeia ou americana), mas de muito diversos grupos antropobiológicos. E que esta circunstancia torna de absoluta inconveniência a manutenção daquela palavra, que os ilustres censores acham bem e os apresentantes da proposta achara mal; e por consequência necessária, efectivamente, a substituição, no lugar próprio, por aquela outra cujo emprego se classifica de preocupação fora de lugar e ditada por «pruridos de perfeição».
Ora vamos a ver se conseguimos, nus, justificar um lugar próprio para o emprego deste termo «prurido» usado na censura do parecer.
Quanto ao desejo, de perfeição, julgo eu que tal cuidado, ao tratar-se de redigir a lei fundamental da Nação Portuguesa, traduz, não pruridos, mus antes amor à justeza literária e cientifica da expressão.
É que, sem ser jurista, creio que não há lugar nenhum onde o apuro da linguagem seja mais necessário do que na redacção dos artigos de uma lei; e que lei nenhuma exige mais cuidadosa perfeição redactorial do que a lei fundamental, que constitui o mais alto diploma da legislação de um pais.

O Sr. José Sarmento: - Muito bem!

O Orador: -É pois manifesto que a palavra «prurido» não tem aqui, neste sentido, nenhum cabimento.
Porém, em boa verdade, a substituição proposta não trata de aperfeiçoar, como a comissão julgou. Não: trata-se de emendar; não se trata de estilo: trata-se de propriedade e de correcção. E neste sentido a palavra «prurido» tem ainda menos cabimento.
Não vendo, pois, lugar para colocar a palavra «prurido» em referência à letra da proposta, vejo-me obrigado a devolvê-la muito atenciosamente à procedência, para que os Dignos Procuradores, que a aplicaram a este propósito lhe encontrem melhor lugar em qualquer outro sítio.
Na verdade, a acepção que o parecer deseja manter para a palavra «raça» é hoje cientificamente anacrónica.
E até etimològicamente coisa nenhuma de definitivamente apurado. Efectivamente, a sua origem é tão confusa filológica como cientificamente.
Atribuem-se-lhe nada menos do que duas origens latinas: radix, raiz, e ratio, natureza; uma checa: raz, cunho, estampa; outra árabe: ras, origem; e o nosso Morais aponta-lhe ainda uma hebraica: rosh ou rash, cabeça.
O Dicionário Etimológico de Dauzat diz-nos que foi importada do italiano razza. O brasileiro Antenor Nascentes e José Pedro Machado atribuem-lhe a mesma procedência, acrescentando este que «a sua origem é obscura, pois as diversas hipóteses até agora apresentadas não parecem convincentes». Como italianismo, teria sido importada no século XVI.
Deixemos porém a destrinça genealógica do vocábulo e ocupemo-nos do valor social do seu significado, aplicado a este século XX da era cristã. E, ao falar da era cristã, lembraremos que a pretendida roça pura judaica de há vinte séculos é já hoje considerada como um mosaico de povos antropològicamente diferentes. E o mesmo se afirma dos Romanos.
Dêmos a palavra a Renan, na Vida de Jesus: «A própria Galileia era muito misturada. Esta província contava entre os seus habitantes, no tempo de Jesus, muitos não-judeus: fenícios, sírios, árabes e mesmo gregos. É, pois, impossível levantar aqui qualquer questão de raças e procurar saber qual o sangue que girava nas veias d'Aquele que mais contribuiu para apagar na humanidade as distinções do sangue».
Depois dele, Houston Stewart Chamberlain, no célebre e extenso estudo sobre A Génese do Século XIX, contesta que Cristo seja de origem judaica. E o Dr. Lapparent, chefe de conferências da Faculdade de Ciências de Paris, nega a existência de caracteres rácicos específicos aos Judeus, cujos índices cefálicos pertencem a tipos extremamente diversos, entre os quais tão depressa predominam os dolicocéfalos, como na Rússia (80 por cento), como os braquicéfalos, no Sul da Pérsia, terminando por concluir que não há raça judia.
Q que há então?
Lapparent responde: - «um grupo étnico composto de diversas raças». E aqui se encontra bem definida a diferença entre os dois termos.
Da mesma forma se nega que tivesse havido uma raça ariana, pretendida fonte originária de raças privilegiadas. Já Hartmann a considerava «uma invenção de gabinete».
Salomon Reinach classifica a existência de um tipo ariano actual como «um absurdo».
Por seu lado, Charles Ujfalvy, no sen trabalho Les Aryens au Nord et au Sud de
l'Hindou-Koush, conclui que «o termo ária é de pura convenção: - os povos iranianos do Norte e as tribos hindus do Sul do Cáucaso Indiano diferem absolutamente como tipo e descendem sem nenhuma dúvida de duas raças diferentes».
E, mais recentemente, Schreider conclui assim o estudo, da questão: - «o problema ariano, cuja origem é linguística, é biològicamente inexistente: ninguém conhece as características raciais da população ariana primitiva».
Na mesma ordem de ideias, a Enciclopédia Italiana, obra oficial do regímen fascista, como o faz notar Lapparent no seu trabalho sobre A Fragilidade Cientifica do Racismo, escreve: «Não existe (erro gravíssimo entre todos) uma raça ariana, mas sòmente uma civilização e uma língua ariana».
E isto a propósito de um pretenso protótipo de raças puras !
Como vemos, o âmbito do emprego do termo «raça» encontra-se na. época actual singularmente diminuído.
O ilustre relator consultou a Enciclopédia Portuguesa e Brasileira e afirma que, pela leitura do vol. XXIV, p. 187, se reconhece admissível dar à palavra «raça» o