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17 DE JUNHO DE 1959 977

cerca de noventa anos. Mas foi no último decénio deste período que o ovo de Gobineau foi completamente chocado, e a palavra «raça» se tornou, menos devido a razões de ordem científica do que social, imprópria para ser usada num diploma político, nos termos em que imprevidentemente se encontra empregada no artigo 12.º da nossa Constituição. E essa impropriedade persiste, porque o racismo contínua a influir poderosamente na política internacional.
Nós bem sabemos, aliás, quanto determinada palavra, aplicada o mais correctamente possível sob o ponto de vista cientifico, é por vezes considerada ofensiva por aqueles a quem se aplica, sem outras razões do que as de ordem sentimental. E nesse caso nem as discutimos; Evitamo-las.
O parecer da Câmara Corporativa acha que de minimis non curat proetor. E despicientemente resolve em definitivo o assunto por forma que, se de facto não revela aqueles pruridos de perfeição de que tanto se defende, não deixa de se revestir de certo aspecto sugestivamente anedótico. E diz assim: (Basta porém que as duas expressões («raça» e «etnia») se empreguem com o mesmo sentido, para que não seja imperioso optar pela segunda, como no projecto se pretende».
Lá isso é verdade! E confesso quê me não tinha lembrado ! Lembra-me agora, porém, a história de um bom regionalista de uma das nossas áreas vinícolas, habituado a dessedentar-se e alegrar-se com o bom néctar das vinhas da sua terra, que, encontrando-se por mal dos seus pecados num pais do Norte onde o preço do vinho não estava ao alcance da sua boca e a bebida nacional era a cerveja, de que ele não gostava, se neurastenizava tristemente cora a forçada privança. Abre-se com um amigo que lhe diz: «Homem ! Passa a chamar vinho à cerveja e tens o caso resolvido !» Bem. O homem experimentou. Mas, por mais ,que lhe chamasse vinho, a cerveja amargava-lhe sempre !
Não. A escolha do vocábulo não pertence à categoria das coisas descabidas, deslocadas e meramente estilísticas. No momento que passa e num pais como o nosso, cujo carácter é ser profundamente ecuménico, semelhante palavra, nos termos em que é empregada, implica de facto com a própria noção do pátria.
Esta noção não pode restringir-se, sob o ponto de vista nacional, a um conceito de família cuja estreiteza se limite ao âmbito de uma raça, como se encontra na redacção do artigo 12.º, titulo III, da Constituição.
É que também esta palavra «família» se foi restringindo na sua amplitude. Na antiguidade não se limitava à consanguinidade e afinidade consanguinizante, mas abrangia todos os elementos que compunham uma organização de interesses mútuos, vivendo em comum sob a chefia hereditária de um pater famílias. Era o que também se denominava uma pátria, termo que mantém um significado muito mais próximo.
Ora uma pátria cujo corpo se prolonga actualmente por quatro continentes: Europa, Ásia, África e Oceânia (para não falar no prolongamento consanguíneo do Brasil), compreendendo autóctones de todos estes continentes e em cuja alma participam, dentro e fora da metrópole, portugueses de tão diferentes origens e até religiões, irmanados através de tudo por afinidades profundas de simpatia humana e de civismo, não poderá licitamente usar de termos de tal forma restritivos.
Uma nação desta maneira constituída há-de abranger famílias que, ultrapassando a consanguinidade e as próprias afinidades psicoculturais, situam as suas afinidades naquele campo social e espiritual que participa ao mesmo tempo do humano e do sagrado, abrangendo não um, mas vários grupos antropológicos, que em diversos pontos do Mundo se integram na constituição espiritual de uma pátria comum.
É por isso que mais uma vez me pesa não poder estar de acordo com a Ex.ma Câmara Corporativa quando nega a este projecto motivos de profunda necessidade política. Na verdade, creio que ao empregar a palavra «política» os Ex.mos Autores do parecer pecaram mais uma vez por darem um significado limitadamente metropolitano a este vocábulo, em referência à um pais com tão largas extensões territoriais. E este valor da palavra também não é despiciendo.
É preciso ter bem presente que a sugestão de racismo provocada na actualidade pela palavra «raça», num diploma desta natureza, pode ser tendenciosamente explorada, prestando-se-lhe um sentido que a sua intenção não comporta. E isto porque o racismo não se extinguiu com o desaparecimento do racismo nazi.
Não morreu. Emigrou. Outro surgiu. E vai rondando as parcelas ultramarinas da nossa terra. Fora da etnia portuguesa surge cheio de ódio racial na Conferencia de Bandung, onde o nome de Portugal foi nomeadamente visado, em 1955. E ainda recentemente o vimos em ebulição à volta dos nossos territórios.
Como muito bem o fez notar o ilustre Procurador Prof. Adriano Moreira no seu trabalho sobre Política Ultramarina, que constitui o primeiro volume dos «Estudos de Ciências Políticas e Sociais», o racismo afro-asiático foi quem ditou a palavra de ordem na Conferência de Bandung, em Abril de 1955. E logo cinco meses depois, em face do problema antieuropeu da Argélia, se verificou - transcrevo - que no centro da questão internacional se encontra o problema conhecido pela expressão «a questão racial».
Já o malogrado estadista Prof. Manuel Rodrigues, e primeiro do que ninguém, se referira coetâneamente à Conferência de Bandung, pondo a nu a finalidade racista daquele conclave contra as etnias ocidentais.
Ainda no seu último discurso nos disse o Prof. Oliveira Salazar, com a sua grande sensibilidade de todas as vivências nacionais: «Há uma obra de compreensão e afectividade humanas que através dos tempos e das gerações vai criando uma convivência inter-racial de valor inapreciável, convivência que é a base da resolução dos problemas africanos, e sem ela nenhum terá solução capaz».
Ora é esta convivência assimiladora e fecunda, nascida entre as múltiplas raças que constituem antropològicamente, quer os elementos brancos da metrópole e das províncias ultramarinas, quer os elementos autóctones dos continentes asiáticos e do continente negro, o que constitui a «etnia» e o que nega a propriedade da palavra «raça» no texto da nossa Constituição Política

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: -O mesmo corolário se poderia tirar das palavras do Prof. Paulo Cunha, o ilustre Ministro que tão superiormente conduziu a questão de Goa e que há poucos dias, na Semana do Ultramar, se referiu à solidez da comunidade nacional plurirracial quo através dos tempos pudemos constituir.
Como se coadunam as expressões «inter-racial», do Sr. Presidente do Conselho, ou «plurirracial», do estadista Paulo Cunha, com a letra da Constituição, que apenas conhece uma raça?

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador:-Também o Ex.mo Ministro do Ultramar, numa mensagem expedida em 1 corrente, em Luanda, ré refere «particularmente a essa incomparável obra de associação de raças fraternalmente sólida que temos sabido realizar».