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1 DE JULHO DE 1959 1081

na criação do direito fiscal, ou competência comparticipada na emanação do mesmo direito?
O debate de Dezembro mostrou exuberantemente que tanto a Câmara como eu não concordamos com a exclusividade governativa.
Vejamos agora o caso com alguma minúcia: historicamente, o problema que se levanta nesta questão é o que os políticos e os financeiros costumam chamar o consentimento popular. Sabe-se como as coisas se passaram na Idade Média, na Restauração e até D. José e ria história das cortes portuguesas: os tributos deviam ser consentidos pelos representantes da Nação, para que assim o contribuinte pudesse suportar a carga como se ele próprio lhe tivesse dado o seu consentimento e sofresse o peso antecipadamente conhecido.
Mas mais. Desde essa altura se formou e acentuou um. direito correspondente, o da vigilância da aplicação dos dinheiros assim recolhidos. Portanto, é da Idade Média, da tradição das cortes portuguesas, desde Afonso III, que os contribuintes, pelos seus representantes, se habituaram a duas coisas: uma delas, de certo modo, o consentirem nos tributos, e, como complemento desta autorização, habituaram-se também a seguir com o seu contrôle o emprego dos dinheiros resultantes nas despesas públicas.
Tem sido muito discutido este problema do consentimento, ao ponto que seria supérfluo que, nesta altura da discussão, eu estivesse a embrenhar-me no assunto. Tem-se discutido se o consentimento é de direito natural. Parece-me que não é de direito natural, e assim o ensinou sempre a Universidade de Coimbra, no tempo de Suarez. O que é direito natural é a obrigação de pagar o imposto e sustentar o Pais e o Poder. Essa obrigação é natural, mas já a mesma coisa não é o consentimento dado pelos representantes da Nação, pois este tem um carácter político, positivo.
Também se distingue por vezes em consentimento e autorização, mas os dois conceitos postos com amplidão coincidem.
Os parlamentos existem para defender a capacidade do contribuinte; este é o princípio, mas são diferentes as modalidades do processo parlamentar para o realizar.
Assim, outro ponto importante é como se forma esse consentimento, que capítulos abrange, que disposições implica, que regras faz suscitar. Os parlamentos - enfim, é sabido, porque foi assim que evoluiu a Europa -, os parlamentos constituíram-se para defender a capacidade do contribuinte e para, seguramente, o proteger contra a excessiva tributação.
Portanto a palavra desse tempo - a palavra historicamente tradicional- era moderação nos tributos, e era isso que os grandes educadores de príncipes defendiam, e, além de moderação nos tributos, emprego parcimonioso dos seus resultados.
Tem-se discutido portanto não só a origem do direito tributário, a forma como é dado o consentimento, a autoridade de que ele se reveste e as consequências que o caso naturalmente implica. Mas é importante para nós saber por que forma esse consentimento é dado: se por forma muito expressiva ou muito restrita, se por forma realmente mais compreensiva, que abrange toda a latitude da programação - vamos lá - ou da táctica parlamentar.
No estado tradicional -e eu chamo a atenção particular de todos para este ponto, ainda que não tenha tempo para o desenvolver-, no estado tradicional das constituições do século XIX, vivia-se no regime teórico da separação dos poderes. Havia três poderes. Esses poderes viviam inteiramente separados, embora harmónicos, segundo a concepção de Rousseau, e esta separação tendia a garantir o cidadão e contribuinte no plano mesmo das regalias institucionais e do direito público.
A liberdade crescia com poderes separados ou, melhor, indiferentes. A harmonia estava nos compartimentos estanques e também no desenvolvimento dos indivíduos. Mas esta não é a atitude intelectual das actuais, constituições.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Carlos Moreira: - Quando V. Ex.ª diz «no sentido tradicional» refere-se ao século XIX?

O Orador: - Exacto. Eu queria dizer no sentido do direito público da Revolução Francesa para cá. Tinha falado em Rosseau ou invocando Rousseau e Locke como eles concebiam a separação dos poderes. Como se trata de noções políticas que são do fácil conhecimento de todos VV. Ex.ªs, não vale a pena insistir, até porque não sei se teria saúde para fazer hoje uma demorada intervenção.
Porém, no estado actual do direito público, pelas novas teorias e pelas novas técnicas das constituições, o Estado actual é um Estado funcional e colaborante, sem divisórias nem separações.
Os poderes põem diante de si vários objectivos. Por vezes os três ou quatro órgãos constitucionais exercem a mesma função, põem diante de si o mesmo objectivo, e portanto a sua atitude não é de independência nem de indiferença, como seria se estivesse metido dentro do escólio das ideias de Rousseau e de Lock, de indiferença e harmonia, para que o cidadão explorasse a sua actividade num certo sentido de liberdade quase descomandada.
A atitude é, portanto, hoje muito diferente. Trata-se de uma construção funcional, trata-se de poderes que colaboram no mesmo sentido, e, como sabem, no Plano de Fomento, por exemplo, há objectivos postos que são de tal ordem, magnitude e transcendência, de tão relevante interesse nacional que esses objectivos são perseguidos por todos. É por isso que as constituições de vez em quando têm uma função programática e estabelecem diante de si tácticas e políticas que suo coincidentes no trabalho dos vários órgãos.
Portanto, como é que no Estado tradicional e neste Estado colaborante funciona o consentimento?
Que forma estranha ele reveste? Ele tem revestido várias formas, mas, em regra, tem-se comportado em três ou quatro modalidades políticas, que convém acentuar.
A primeira sob a forma de uma delegação de poderes.
As assembleias políticas davam, quando do seu primado legislativo e constitucional, o seu consentimento por uma lei especial de delegação de poderes, quer dizer, a Câmara investia o Governo ou o Ministro na atribuição de poderes que só a ela pertenciam, exigindo, naturalmente, contas estreitas dessa utilização, sempre que possíveis.
Uma outra forma era estabelecer uma lei básica com meia dúzia de artigos definindo os princípios e técnicas essenciais das relações jurídicas da obrigação fiscal. Sou favorável a esta segunda modalidade.
Outro método consistia em a maioria, se ligar politicamente ao gabinete e por afirmações e expressões parlamentares solidarizar-se com ele.
E outro sistema era nas leis de meios integrar certas disposições sobre matéria fiscal importante, como tarifas progressivas, deduções, mínimos de existência, etc., mas - e o Sr. Deputado Mário de Figueiredo poderá decerto informar melhor VV. Ex.ªs - há quem combata, não eu, que as leis de finanças possam arvorar disposições parasitárias ou disposições de carácter permanente.