1120 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 129
Diário do Governo o respectivo aviso, expedido pelo Presidente da Assembleia.
A ratificação pode ser concedida com emendas; neste caso, o decreto-lei será enviado à Câmara Corporativa, se esta não tiver sido já consultada, mas continuará em vigor, salvo se a Assembleia Nacional, por maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções, Suspender a sua execução quanto à criação ou reorganização de serviços que envolvam aumento de pessoal ou alteração das respectivas categorias em relação aos quadros existentes.»
«Artigo 9.º do projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Moreira
E suprimido o § 2.º do artigo 109.º e o actual § 3.º passará a ser o § 2.º, com a seguinte modificação na redacção da sua primeira frase:
Os decretos-leis publicados pelo Governo durante o funcionamento efectivo da Assembleia Nacional serão sujeitos a ratificação, que se considerará concedida quando, nas primeiras dez sessões posteriores à publicação, dez Deputados, pelo menos, não requeiram que tais decretos-leis sejam submetidos à apreciação da Assembleia.»
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: a extrema simpatia - simpatia de alma e simpatia de razões- em que me encontro perante a posição do Sr. Deputado Carlos Lima, vendo-o esforçadíssimo e quase isolado a defender critérios em que, todavia, nem de longe está só, movem-me a importunar V. Ex.ª e a Assembleia pi rã explicar as razões que se me oferecem para votar favoravelmente a emenda proposta pelo Sr. Deputado Carlos Lima ao § 3.º do artigo 109.º da Constituição Política do nosso país.
Não são razões filhas de qualquer intenção de assertividade parlamentarista, que tão frequentemente vejo assacar-se aqui e nesta altura a quem quer que pretenda apresentar ideias originais sobre a redacção da C institui cão Política. E a propósito direi que as palavras recentes em que o Presidente do Conselho da França afirmou, segundo a imprensa noticiou, que é maior o perigo da omnipotência parlamentar que o do arbítrio governativo, calaram fundo no meu espírito, não porque encontrassem nele um lugar vazio de noções, mas por se ajustarem perfeitamente às minhas próprias.
Gostaria de ver aprovada a emenda proposta. Há, antes de mais, uma simples questão de congruência de razões. Parece-me, Sr. Presidente, ser completamente líquido que é politicamente inócuo e de modo nenhum inconveniente o facto de a Assembleia poder requerer a ratificação de decretos-leis emanados do Governo. Confirma-mo a permanência do preceito constitucional, mesmo através de algumas vicissitudes. Simplesmente, essa possibilidade está-lhe limitada no tempo e não posso compreender como é que, se a capacidade é conveniente, se a capacidade é legítima de exercer, a Assembleia tem de funcionar como uma espécie de entidade a dias ou a sessões, e não direi a meses porque são raros aqueles em que, pela força cãs suspensões, a Assembleia tom funcionamento efectivo de princípio a termo. O meu espírito não atinge porque é que, se há uma capacidade que é conveniente c admissível durante ires, seis ou oito meses no ano - e nós acabamos de verificar que o período efectivo da Assembleia na sessão de 1958-1959 foi longo-, ela não pode exercer-se durante todo o ano. Afigura-se-me, Sr. Presidente, que esta temporalidade dos nossos poderes contém em si mesma um grave risco, que é o de considerar os agentes do Executivo a aproveitarem o período do defeso da intervenção parlamentar para promulgarem aquelas medidas, legislativas que receiem poder levantar, ou na opinião pública ou na Assembleia, que a representa, reacções de discordância.
Esse perigo não serei eu a dizer que pode verificar-se ou se já se verificou, mas quando, em épocas passadas, se manifestou com força deixou recordação que legitima ainda as mais vivas censuras e as mais severas reprovações. Se em grau lato o perigo é de temer, em grau restrito parece-me também não ser de aceitar. Direi, pois, Sr. Presidente, que, em primeiro lugar, por questões de coerência, voto a proposta. Aceitaria e não reagiria contra uma argumentação que me dissesse não ser adequado, conveniente ou politicamente útil que a Assembleia Nacional possa exercer crítica positivamente restritiva às disposições governamentais. Ô que não entendo é que esta capacidade só seja útil, adequada e politicamente conveniente quando exercida a prazo limitado. E isto; Sr. Presidente, não porque eu duvide da capacidade do Executivo para bem legislar. Levo quase dez anos de permanência nesta Casa e lembro-me de que, quase sem excepção, foi sobre pontos de pormenor, sobre pontos em que as doutrinas e grandes princípios não estavam em causa, que as raras intervenções ratificadoras incidiram. Acredito, Sr. Presidente, que a colaboração do uma assembleia política e da opinião pública que ela representa na formulação da vida legislativa pode exercer-se utilmente, sobretudo no campo da apreciação de pormenores mal adaptáveis às realidades da vida quotidiana. Não duvido da bondade e capacidade dos formuladores dos decretos e das leis do meu país, embora às vezes possa perguntar se eles constróem por si próprios, se por intermédio dos colaboradores que a sua elaboração pressupõe, e se quando se socorrem destes auxiliares e informadores eles não podem ser tão falíveis como qualquer de nós.
Ouvimos ontem aqui bocas ilustres defenderem a superioridade da discussão de ideias gerais sobre a da apreciação de casos particulares; todavia, creio firmemente quê é na aplicação dos princípios gerais aos problemas individuais que melhor se pode aferir a justiça e bondade dos grandes preceitos. Não esqueçamos que as ideias gerais têm frequentemente na origem causas acidentais ou fortuitas, e o exemplo corriqueiro da maçã de Newton ou da chaleira da mãe Papin pode ser citado mais uma vez para. abonar esta tese.
Não esqueçamos que as ideias, mesmo as mais gerais, são produtos de elaboração da inteligência sobre noções adquiridas, na experiência, no estudo, na intuição, até na fé; na fonte primitiva de muita construção intelectual estão, pois, frequentemente, causas acidentais, pormenores e circunstâncias fortuitos; da meditação destes, do estudo da sua ocorrência e das leis gerais que os podem ter determinado e a que devem amoldar-se na repetição é que decorrem os grandes princípios. Parece-me, Sr. Presidente, que uma Assembleia como a nossa, em contacto com a opinião pública, com gente de todos os domínios, poderá utilmente, com uma informação adicional, um reparo de pormenor, um comentário rectificativo, ajudar u melhoria da elaboração legislativa do Governo, fazendo-a mais perfeitamente ajustar-se às realidades e respeitar os casos individuais. Bem sei que se tem aqui devidamente afirmado que, a posteriori, a Assembleia pode exercer a sua crítica, reclamar as emendas. Não vale a pena alongar-me, Sr. Presidente, para lembrar que essa acção posterior requer muito maior soma de esforço o tende a ser muito menos eficiente que a intervenção positiva na origem do diploma.