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1122 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 129

Posto isto, creio ser redundante, Sr. Presidente, insistir lia defesa da proposta agora em discussão, uma vez que já foi bem fundamentada pelos oradores que me precederam.
E queira V. Exa., Sr. Presidente, reparar em que eu, sendo relativamente novo e, talvez, por virtude da minha formação jurídica, um pouco inclinado para um certo racionalismo, posso por vezes deixar arrastar-me para soluções dominadas por excessivas preocupações lógicas, que porventura as exigências práticas aconselhariam fossem temperadas com os seus ensinamentos.
Todavia, antes de mim, ouviram V. Exas., através de brilhante» inteligências, a voz da experiência, do equilíbrio e do bom senso, pondo em relevo a bondade da solução que proponho e agora se discute.
Apesar de isso se me afigurar, repito, redundante, creio, Sr. Presidente, que, como autor do projecto, devo dizer alguma coisa sobre a proposta em apreciação.
Sr. Presidente: sob o aspecto que de momento interessa, o regime constitucional em vigor referente ao exercício da função legislativa pode definir-se e caracterizar-se assim:
1.º A fixação das bases gerais relativas a algumas, poucas, matérias é da exclusiva competência da Assembleia Nacional;
2.º Quanto aos demais assuntos, o Governo pode sobre eles legislar paralela e cumulativamente com a Assembleia:

a) Fora do seu período de funcionamento efectivo, sem quaisquer restrições;
b) Durante esse período de funcionamento, com a reserva de os respectivos decretos-leis poderem ser submetidos à apreciação da Assembleia.

O alcance da alteração ao § 3.º do artigo 109.º da Constituição, proposta no artigo 3.º do projecto que apresentei, cifra-se em poderem ser submetidos à apreciação da Assembleia, mediante a mecânica da ratificação, todos os decretos-leis pelo Governo publicados, e não apenas, como acontece actualmente, os "que o forem durante o funcionamento efectivo da Assembleia.
Esta a doutrina que pretendo seja consagrada no texto constitucional, e cuja justificação se extrai sem esforço do que aqui disse aquando do debate na generalidade, bem como de referências incidentais feitas em outras emergências.
Traçarei, no entanto, um ligeiro apontamento sobre o assunto.
Quer à face das ideias mais razoáveis relativas ao exercício da função legislativa, quer à face do direito constitucional comparado, quer ainda perante as ideias que, neste aspecto, estruturam e se inferem da nossa própria Constituição, o órgão legislativo é, e deve ser, em princípio, a Assembleia Nacional.
Há, porém, um outro dado a ter em conta, qual seja o de que a Assembleia, por razões que de momento não importa referir, não pode satisfazer todas as exigências e necessidades legislativas da nossa época.
Da coordenação dos dois dados que ficam apontados resulta que não pode ser só a Assembleia a legislar, mas também o Governo.
Deste modo, a questão que, com verdadeiro interesse e relevo prático, se põe é a de saber em que termos, por que modo, como há que repartir o exercício da função legislativa pelos dois órgãos da soberania.
Ora, sendo princípio o de que a Assembleia Nacional é o órgão legislativo, cumpre concluir que esse princípio apenas deve ceder se e quando isso for imposto por inafastáveis exigências de ordem prática.
A solução por mim proposta, tendente a submeter ao regime da ratificação todos os decretos-leis, em nada prejudica a possibilidade de o Governo legislar sem peias, conforme for oportuno e conveniente, uma vez que essa possibilidade não fica dependente do cumprimento de qualquer formalidade perante a Assembleia Nacional.
Quer dizer: tal solução não vai de encontro nem colide com .as exigências práticas com virtualidade para justificarem a abertura de restrições ao princípio constitucional de que a Assembleia Nacional é o órgão legislativo.
Por outro lado, representa a mesma solução um esforço no sentido de cumprir e fazer respeitar esse princípio, e isto na medida em que se salvaguarda aquele mínimo dos mínimos que consiste em a Assembleia poder chamar à sua apreciação, quando o entenda, os decretos-leis livremente publicados pelo Governo.
Assim se justifica a proposta.
Anotarei também, a propósito, que só a generalização do regime de ratificação a todos os decretos-leis assegura um real respeito do princípio vigente de submeter a esse regime os decretos-leis publicados durante o funcionamento da Assembleia, tornando inútil e inoperante a atitude consistente em forçar o natural desenvolvimento da actividade legislativa no sentido de publicar os decretos-leis fora do período de funcionamento da Assembleia, com o objectivo de antecipadamente prejudicar a possibilidade da aplicação da mecânica da ratificação.
O parecer da Câmara Corporativa, consoante pode constatar-se, manifesta-se contra a proposta alteração do § 3.º do artigo 109.º
Verdadeiramente nada diz, porém, com um mínimo de valor e consistência em defesa do ponto de vista que dá como bom.
Limita-se, essencialmente, a remeter para as considerações feitas sobre o assunto em parecer de 1945, considerações que se cifram em acentuar que o Governo passou, na realidade, a ser o órgão legislativo normal e a Assembleia o órgão legislativo excepcional, para daí concluir -porventura implícita, mas necessariamente- não ser de aceitar a pretensão, de certo modo envolvida pela proposta que fiz, de estabelecer, em matéria legislativa, uma hierarquia entre a Assembleia e o Governo, hierarquia na qual aquela ocuparia uma posição superior.
No debate na generalidade já fiz desenvolvida análise das objecções do tipo daquela que acabo de enunciar, pondo designadamente em relevo:
1.º Que dentro dos quadros da Constituição de 1933 a Assembleia é, como sempre foi, o órgão legislativo hierarquicamente superior, estando o Governo, sob tal aspecto, numa posição subordinada;
2.º Que esse princípio em nada é prejudicado pela realidade consistente em ser o Governo quem mais legisla, uma vez que a legítima atribuição do poder de legislar não pode depender da quantidade de legislação emanada dos vários órgãos da soberania;
3.º Que a minha proposta é consequência lógica do mesmo princípio.
Assim, ò parecer só poderia, convincentemente, pô-la em causa, ou demonstrando, ao contrário do que sustento, que a Assembleia e o Governo estão, sob o aspecto qualitativo e quanto ao exercício da função legislativa, no mesmo plano, ou demonstrando que a solução que sugiro colide com atendíveis e legítimas exigências de ordem prática.
No entanto, nem sequer tenta fazer tal demonstração.
Daí, segundo creio, permanecer intocada a proposta.