26 DE NOVEMBRO DE 1960 59
que, no plano económico, e mais directamente no plano financeiro, advém de uma política centrada na gradual eliminação das barreiras alfandegárias, com vista à criação de condições de concorrência equitativa nos mercados.
141. Estes factos e a contemplação das suas consequências não poderiam deixar razoavelmente de perturbar, de modo apreciável, as actividades da Comissão de Reforma Fiscal e de retardar, em alguns aspectos, a conclusão dos seus trabalhos. Posto que esta, não obstante, se avizinhe e se possa considerar para breve a publicação dos diplomas de reforma dos impostos directos sobre o rendimento, mantém-se ainda a necessidade - já reconhecida aquando da elaboração da proposta anterior - de providenciar relativamente às normas a observar no período de transição.
A recomendação insistente do Conselho da O. E. C. E. no sentido de se fomentar e acelerar um movimento geral dos Estados para o estabelecimento de regras uniformes e actuais de supressão dos efeitos da dupla tributação encontra agora uma expressão mais concreta e merecedora de atenções especiais, uma vez que os trabalhos do referido comité fiscal estão a chegar a seu termo e oferecem desde já uma pluralidade de regras cuja aceitação na ordem jurídica interna implica, necessariamente, a revisão de alguns critérios ou normas de tributação, por forma a tornar possível a introdução de novos métodos, a integral eficiência dos compromissos e o aproveitamento compensatório de vantagens que possam ser legitimamente auferidos através da correspondência recíproca de posições que venham a ser objecto de negociação.
À necessidade de uma demorada. análise destes problemas não é estranha a circunstância de eles se projectarem largamente em todo o plano da economia nacional e se mostrar, pois, como indispensável, o estudo das circunstâncias legais e de facto que permitam no ultramar português e nas suas relações com a metrópole ou com o estrangeiro a existência de eventuais situações de dupla tributação ou de distorções flagrantes ao princípio geral de uma tributação justa e equitativa de todos os portugueses.
142. Acresce que, pelas circunstâncias a que em seguida se fará referência, e, designadamente, em razão da necessidade de ajustar o nosso sistema tributário às transformações que, nos planos económico e financeiro, decorrem do ingresso de Portugal na Associação Europeia de Comércio Livre, impõe-se, naturalmente, e em complemento da reforma das contribuições directas, uma larga reorganização no sector dos impostos sobre o consumo, por ser este o sector sobre que mais incidem os efeitos fiscais e económicos da execução do acordo.
A experiência portuguesa em matéria de impostos de consumo com carácter geral limita-se ao imposto sobre o valor das transacções, criado pela Lei n.º 1368, de 21 de Setembro de 1922, e que veio a ser extinto, em razão do insucesso em que redundou a sua aplicação, pelo Decreto n.º 16 731, de 13 de Abril de 1929. Apontavam-se no relatório deste último diploma, como causas do malogro da imposição das transacções, a deficiente estruturação técnica e imperfeito funcionamento do imposto, que o não tornavam apto a repercutir-se normalmente e o levavam, na prática, a confundir-se com a contribuição industrial, organizada de harmonia com o princípio dos rendimentos normais. Previa-se, todavia, no referido relatório, o ressurgimento do imposto sobre o valor das transacções, convenientemente estruturado nos moldes de um verdadeiro tributo sobre o consumo.
Até à actualidade não voltou a tentar-se a experiência da criação de um imposto geral sobre o consumo. Presentemente, além dos direitos de importação, existem entre nós apenas alguns impostos de fabrico e de venda, estabelecidos em diferentes ocasiões e perante circunstâncias muito variadas, com pleno alheamento de qualquer preocupação de integração destas diversas imposições num sistema coerente de tributação do consumo. Na sua maior parte, os impostos de fabrico e de venda actualmente existentes figuram no orçamento da receita geral do Estado sob a imprecisa rubrica «Indústrias em regime tributário especial».
143. A reorganização da tributação do consumo virá contribuir decisivamente, em coordenação com a reforma dos impostos directos, para a harmonia, do sistema tributário português. No plano das imposições directas o melhor conhecimento da matéria tributável tornou possível que a reforma em curso se oriente no sentido da tributação do rendimento real. Em virtude da adaptação dos impostos directos, e em particular da contribuição industrial, aos movimentos da conjuntura, parece aconselhável que se reserve à tributação do consumo o papel de elemento estabilizador, susceptível de assegurar, em certa medida, a regularidade na obtenção dos meios financeiros destinados à cobertura das despesas públicas. Por outro lado, a melhor realização dos objectivos de justiça fiscal na tributação directa permitirá, sem excessiva sobrecarga para as empresas nacionais, o lançamento da imposição do consumo, desde que correctamente estruturada.
Nos principais países da Europa Ocidental, em que a regra da tributação dos rendimentos reais há muito se encontra consagrada, tem-se revelado uma tendência para a crescente preponderância da tributação do consumo no quadro das receitas fiscais. Na França e na Inglaterra, por exemplo, o produto destes impostos é superior a metade dos réditos tributários. A multiplicação das formas de organização deste tipo tributário e a possibilidade de o coordenar, quer com objectivos intervencionistas, quer com preocupações de neutralidade fiscal, asseguram-lhe larga maleabilidade e considerável aptidão para se adequar às situações económicas e financeiras concretas dos vários países.
Com o imposto geral sobre o consumo, organizado de maneira que possa repercutir-se sem que, contudo, se transforme em instrumento inflacionista e devidamente articulado com a nova contribuição industrial, vira substituir-se a presente descoordenação no sector da tributação indirecta por um sistema coerente, susceptível, de resto, de contribuir com eficácia para a política de desenvolvimento económico em que o Governo se encontra empenhado.
144. À reorganização da tributação do consumo não é alheia - como já foi dito - a recente constituição da Associação Europeia de Comércio Livre, de que Portugal faz parte.
Com efeito, do princípio consignado na Convenção da Associação Europeia de Comércio Livre de que os Estados membros podem aplicar aos produtos importados imposições equivalentes aos impostos internos sobre o consumo que afectam os produtos nacionais e restituir na exportação das suas mercadorias os tributos daquela natureza que as atingiram, resulta que a defesa de uma lícita posição concorrencial portuguesa implica que se confira um maior relevo aos impostos de consumo no plano das receitas fiscais.
145. O reaparecimento da tributação geral do consumo continha-se já, como se disse, dentro das previsões formuladas na reforma tributária de 1929.