100 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 180
Estado que competia fazer a classificação dos territórios, embora porventura à luz daquela orientação.
A Comissão foi presidida pela comissão indiana, e o resultado final dos seus trabalhos autoriza a suspeita do que a preocupação dominante foi a de nos atingir. O episódio que passo a relatar ajuda a compreender a forma como estas coisas decorrem na O. N. U.: na deliberação que criou a Comissão dos Seis convidaram-se todos os Estados membros a comunicar por escrito ao secretário-geral quais os princípios orientadores que no parecer de cada, país. deveriam ser adoptados. A consulta compreende-se, porque os princípios teoricamente possíveis são muitos, e vão desde a distinção geográfica às características culturais, passando pelas diferenciações étnicas, linguisticas, religiosas, jurídicas, económicas, históricas podendo ainda conceber-se determinadas combinações nas quais este ou aquele elemento aparece como prevalente ou secundário. Os pareceres dos vários Estados dividiram-se, como não podia deixar de ser. Eis a resposta da U. R. S. S.: «Portugal e Espanha devem dar cumprimento às suas obrigações em conformidade' com os termos do capítulo XI da Carta, e em particular devem transmitir as informações referidas no artigo 73.º A missão da O. N. U. consiste deste modo em tornar extensivas às colónias de Portugal e da Espanha os princípios da Carta das Nações Unidas». Tais eram os princípios orientadores para a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas; não se poderia esperar confissão mais aberta de que o único objectivo era o de atingir Estados determinados, sendo bons quaisquer princípios desde que conduzissem àquele resultado.
Foi na verdade isso o que a Comissão fez. O relatório dos Seis linha um fito: enunciar princípios de cuja aplicação resultasse a destruirão da unidade nacional portuguesa. O que aconteceu, porém, foi que a completa ignorância das nossas realidade jogou aí a nosso favor, e. o relatório dos Seis veio criar doutrina que só nos poderia favorecer.
O sistema de classificarão dos territórios que o relatório adopta é o seguinte: a priori existe a obrigação de prestar informações quando um território está separado geogràficamente e apresenta distinções sob o ponto de vista étnico ou sob o ponto de vista cultural: esses caracteres externos constituem uma presunção de não autonomia. Uma vez estabelecida tal presunção, poderão tomar-se em consideração os elementos de natureza administrativa, política, jurídica, económica e histórica. Se tais elementos afectarem as relações entre o território metropolitano e o território investigado de tal forma que coloquem este último numa posição ou num estatuto diminuído, fica confirmada a presunção inicial e há obrigação de prestar informações. Embora o relatório não o diga expressamente, parece-me da mais estrita lógica concluir que quando os elementos administrativos, políticos e jurídicos, económicos e históricos não confirmem a presunção resultante da geografia e da raça e não provem a existência de um estatuto de inferioridade, então não estaremos em presença de territórios não autónomos e então não haverá o dever de prestar informações.
Quem supôs que, com um tal método de classificação, levantava dificuldades à posição portuguesa nunca leu certamente, nem a nossa Constituição, nem as nossas leis administrativas ou económicas, nem os nossos códigos, nem os livros da nossa história. Não sabia, manifestamente, que todas as províncias de Portugal se regem pelas mesmas leis funda mentais, que todas têm a mesma dignidade como partes integrantes da Nação e quis nenhuma possui estatuto sequer diferenciado sob o ponto de vista da integração nacional, quanto mais diminuído!
Tal é o sistema que se adoptou nos princípios quarto e quinto do relatório. Os princípios anteriores só servem para robustecer este entendimento. E os seguintes não nos podem ser aplicados, não obstante haverem sido fabricados com os outros bem postos no intuito de nos fazerem mal. É que todos eles se referem ou às condições a que deverá obedecer a transformação dos territórios para que possa cessar o dever informativo, ou à amplitude das limitações a tal dever, referidas no artigo 73.º Mas é de toda a evidência que esses princípios não poderão aplicar-se aos territórios (pie presentemente - e nos próprios lermos do relatório - já não podem ser considerados como não autónomos.
É manifesto que o relatório dos Seis, qualquer que fosse a sua doutrina, nunca nos poderia afectar, porque as coisas portuguesas se regem pelas leis portuguesas, e não pelos relatórios internacionais. Mas não deixa de ser impressionante a verificação de que a razão que nos assiste é tão grande que até as armas com que nos pretendem atingir se recusam e acabam por se voltar contra aqueles que as manejam.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O relatório ficou aprovado na Comissão das Curadorias no dia 10 de Novembro. E logo em 11 - portanto com uma brevidade que de todo em todo exclui a hipótese de alguém ter meditado seriamente sobre o assunto - a União Indiana, acaudilhando oito jovens países (quatro africanos, a Nigéria, Líbia, Ghana e a chamada República da Guiné, e quatro asiáticos, a Birmânia, Ceilão, Nepal e o Afeganistão), surgiu com uma proposta que embora se dissesse baseada no relatório, o revogava completamente, e na qual pretendia que se declarasse imediatamente que todos os territórios do ultramar português tinham carácter de territórios sem governo próprio, existindo, portanto, por parte do nosso Governo, a obrigação de prestar sem mais delongas as informações do artigo 73.º.
A ilegalidade desta moção apreende-se ao primeiro exame.
Nenhuma disposição da Carta dá à Comissão das Curadorias ou à Assembleia o direito de qualificar os território -, dos Estados membros. A jurisprudência internacional, elaborada por esses órgãos e constituída por decisões anteriores e bem próximas, é toda no sentido de que a qualificação só pode ser feita pelos próprios Estados, visto representar um acto de soberania. O objectivo do relatório dos Seis era tão-sòmente o de fornecer princípios de orientação para o exercício daquela competência. Os princípios enumerados no relatório não permitiam que qualquer território nosso fosse considerado como não autónomo, e, em qualquer caso obrigavam sempre ao exame, dos factores administrativos, políticos, jurídicos, económicos históricos, elementos condicionantes de qualquer decisão. Nada disto, porém, interessou à União Indiana e aos representantes dos países que votaram afirmativamente. E, é triste, mas tem de ser dito, nada disto repugnou aos países que se abstiveram.
Creio que não é preciso sequer ser português para se sentir quanto há de ofensivo e de intolerável em tal atitude. Tenho a certeza de que qualquer das nações livres que connosco estão na O. N. U. reagiria com indignação e com uma recusa formal e peremptória àquilo que, sobre ser uma ofensa à nossa dignidade de nação soberana, é uma afronta incompatível com o decoro que tem de presidir às relações entre os povos.
A resposta portuguesa deu-a aqui, por todos nós, o Sr. Presidente do Conselho. Não desejaria introduzir nestas palavras alguma referência que pudesse ser interpretada como uma palavra política. Mas sinto que não