3 DE DEZEMBRO DE 1960 99
Só o desconhecimento pode explicar que nações que não são, evidentemente, solidárias com aqueles interesses estejam a facilitar, com a aquiescência de uma abstenção sistemática, o desenvolvimento de manobras que não são dirigidas apenas contra nós, mas também contra elas. Os verdadeiros objectivos transparecem com tamanha evidência sob a capa das palavras que dificilmente se acreditaria que tais países procedem seduzidos pela generosidade da causa. A ninguém passa despercebido que neste processo, que se denomina da libertação dos povos, ninguém apareça a propor a libertação, através dos meios de que a O. N. U. dispõe, das numerosas nações que não há muito eram senhoras dos seus destinos e que hoje estão subjugadas por aqueles mesmos que no processo fazem papel de libertadores.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O paradoxo já tem sido invocado, mas ainda não vimos que se lhe aproveitasse toda a eficácia probatória: o que ele irrefutavelmente prova é a completa insinceridade dos ideais que se proclamam e o que denuncia é que, no fundo, sob o pretexto retórico do remir cativeiros imaginários, o que se pretende é implantar jugos novos e verdadeiros.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A ignorância é sempre geradora de injustiças, guando nós afirmamos que a Nação Portuguesa não é este rectângulo do Ocidente Ibérico; quando asseveramos que a separação de qualquer província seria uma amputação no corpo nacional, tão inaceitável na Ásia ou na África como na Europa - os representantes de muitas nações têm dificuldade em entender o que isto significa, e talvez alguns deles sejam sinceros quando supõem que a nossa constante afirmação da unidade nacional é apenas uma hábil ficção jurídica. A sua relutância em admitir a nossa verdade devo medir-se pela nossa dificuldade em compreender a sua relutância: porque também a certo que o nosso conceito de nação una nos parece tão duro tão evidente nas realidades, que todos podem examinar, que nos custa muito a entender que quem esteja de boa fé o não entenda completamente ou não faca ao menos um honesto esforço para se informar, em vez de dar ouvidos a propagandas confessadamente parciais.
A chamada questão das informações documenta muito vivamente o que acabo de dizer, e tanto sob o aspecto da ignorância daqui; se nos refere como no das manobras que tal ignorância está a tornar possíveis. O ponto é do maior interesse e peco me seja permitido fazer sobre ele algumas considerações.
Como se sabe, uma das alíneas do artigo 73.º da Carta das Nações Unidas impõe aos governos responsáveis pela administração de territórios nau autónomo -, o dever de transmitirem ao secretário-geral da Organização, e sempre sob a reserva imposta, por considerações de segurança ou de ordem constitucional, informações relativas às condições económicas, sociais e educacionais das respectivas populações.
O Governo Português entendeu que tal obrigação não nos era aplicável. Quanto às informações em si mesmas, não havia nenhum motivo para as ocultar: nós não temos nada para esconder, as nossas províncias estão aberta a toda a gente e as estatísticas - precisamente aquelas a que o artigo 715.º se refere - andam impressas em publicações oficiais o podem ser consultadas sem qualquer restrição. Mas a questão que se nos punha era bem outra: a comunicação de informações implicava aceitar que as províncias situadas no ultramar tinham estatuto ou condição diferente das que se situam na Europa, ou por outras palavras, que Angola ou Moçambique não são pedaços de Portugal ao mesmo título e no mesmo nível que o Algarve ou a Beira Alta. E era evidente que o Governo não poderia proceder desse modo além de todas as outras razões, porque isso lhe, era expressamente vedado pela Constituição, que em mais de um passo afirma a unidade da Nação Portuguesa e expressamente qualifica as províncias do ultramar como parles integrantes do Estado Português.
lista posição só poderia causar estranheza a quem não conhecesse a nossa realidade, quer passada, quer presente, e, num raciocínio baseado em pura analogia, imaginasse que o caso português deveria ser semelhante ao do vários outros países que foram ou são responsáveis peia administração de territórios africanos. Falo em realidade passada e presente, porque n absoluta, originalidade da história portuguesa, era motivo suficiente para fazer presumir alguma diversidade actual: com passados tão diversos, o singular seria que se tivesse chegado a resultados idênticos.
A posição portuguesa era aliás, inatacável à face da letra e do espírito da Carta das Nações Unidas. Em primeiro lugar, porque o próprio artigo 73.º subordina o dever de prestar informações às reservas impostas por considerações de ordem constitucional; e ninguém podia pôr em dúvida, que a ordem constitucional portuguesa impedia em absoluto a prestação das informações, contraditória com o carácter de províncias que na Constituição se atribui aos territórios do ultramar. Em segundo lugar, a Carta proíbe às Nações Unidas a intervenção em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição interna dos Estados; ora a determinação de natureza jurídica e administrativa, de um território ó caso flagrante de jurisdição interna, nunca se tendo, aliás, sustentado o contrário, for último, a Carta declara que a organização se baseia na, igualdade soberana de todos os seus membros; e pareço indubitável que este conceito de igualdade soberana impõe a todos o dever de respeitar a soberania de cada um. vedando, portanto, a discussão das respectivas constituições.
Foi esta a posição que nós sustentámos com toda a firmeza. Para quem estivesse de boa fé isto seria o bastante. Mas mesmo para os outros, isto é, para os que apenas pretendiam servir-se do artigo 73.º para nos atingir, aqueles argumentos vinham levantar um argumento melindroso: a esses pouco os preocuparia a violação do nosso direito constitucional: mas o certo é que tal violação viria abrir um precedente de que no futuro eles próprios poderiam ser vítimas. E a todos se afigurava intolerável a perspectiva de um dia terem de sofrer a ofensa que por agora, estavam dispostos a dirigir-nos.
Foi esta a dificuldade que se tentou contornar com a eleição de uma comissão de seis Estados, incumbida pela assembleia geral de «estudar os princípios que devem guiar ns Estados membros para determinar se a obrigação de comunicar informações lhes é ou não aplicável».
Nós votámos contra a criação da comissão, porque entendemos que nesta matéria tentos direito expresso que somos obrigados a cumprir, sendo portanto inúteis quaisquer critérios orientadores. Mas importa salientar que essa deliberação que criou a Comissão dos Seis afirma uma vez mais a tese de que só o Estado interessado é competente para determinar se deve ou não prestar informações: os princípios a aprovar teriam mera finalidade orientadora, sendo sempre ao