13 DE DEZEMBRO DE 1962 1515
De facto, afirma-se na presente proposta de lei que «os sistemas do imposto único na produção e no comércio por grosso são, sem dúvida, os mais adequados às actuais condições económicas e sociais portuguesas».
Do ponto de vista de comodidade da cobrança é evidente a vantagem da escolha do comércio por grosso ou da produção como estádio de incidência daquele imposto, o estádio da produção apenas relativamente às categorias de bens que escapem ao do comércio por grosso.
Mas este aspecto não é, na minha opinião, o único que deverá ser considerado.
De facto, se os circuitos da comercialização dos produtos fossem homogéneos e nenhum bem escapasse ao estádio do comércio grossista, a indústria nacional não seria afectada pela nova tributação indirecta, visto que os produtos importados sofreriam necessariamente igual tratamento.
Mas, sempre que o imposto for cobrado no estádio da produção, o industrial que o tiver de liquidar ficará praticamente colocado perante mais um encargo de produção, com o qual terá de contar necessariamente nos seus planos financeiros.
De facto, para o industrial o imposto sobre o volume de transacções não poderá deixar de ser considerado como um encargo da produção, já que ele terá de acrescentar certos valores aos seus preços de venda, terá de liquidar essas quantias quiçá antes de recebê-las dos compradores e, portanto, terá de suportar os encargos do respectivo financiamento. Vender ou não vender, dentro de certos prazos e em determinadas condições, será problemática que para alguns industriais se complicará pela introdução deste novo elemento, colocando-o nitidamente em condições desvantajosas aos produtores estrangeiros concorrentes.
Logo, sempre que não existisse a possibilidade de este imposto ser cobrado no estádio do comércio por grosso, deveria o mesmo ser liquidado pelo comércio a retalho. Isto porque - excepção feita aos bens de consumo duradouro, em grande parte transaccionados sob a forma de prestações mensais -, neste estádio, grande parte das transacções são realizadas a dinheiro e, como tal, o comerciante não teria de financiar o pagamento do imposto, como sucederia com frequência se fosse o produtor a liquidá-lo.
Há outro ponto que consideramos grave: é que é impossível - pelo menos nos tempos mais próximos - ajustar em todos os países da Associação Europeia de Comércio Livre ou no Mercado Comum o mesmo sistema fiscal. A diversidade de sistemas não deixará de criar situações de privilégio para uns e de desvantagens para outros.
Deste modo, as empresas dos países que tiverem incidências fiscais directas sobre a produção inferiores às que vão ser estabelecidas entre nós encontrar-se-ão no nosso mercado em situação de flagrante vantagem, já que os acordos que criaram aqueles mercados prevêem a restituição dos impostos indirectos às mercadorias exportadas. Por outro lado, a simples existência daquele imposto directo implicará a tributação não só dos lucros realizados pela venda no mercado nacional, mas também dos lucros originados pelas vendas efectuadas no estrangeiro. Neste caso o Estado estará a onerar as quantias pagas pelos consumidores estrangeiros, reduzindo, portanto, as possibilidades concorrenciais das indústrias nacionais exportadoras.
A hibridez da nossa futura estrutura fiscal, que repousará simultaneamente na tributação directa (contribuição industrial) e indirecta (imposto sobre o valor das transacções), não trará vantagens especiais ao produtor português, quer quando vender para o mercado nacional, quer quando exportar.
Pelo exposto julgamos que os encargos fiscais deverão ser tanto quanto possível desviados da fase da produção nacional, sendo realizados, preferentemente, através do imposto sobre o valor das transacções a incidir no estádio do comércio grossista ou retalhista.
Por outro lado, os tratados que criaram a Associação Europeia de Comércio Livre e o Mercado Comum estabeleceram regras de acordo com as quais os produtos importados por um país devem sê-lo a preços não inferiores aos praticados no país de origem, dedução feita dos impostos indirectos (nomeadamente sobre os valores das transacções), como atrás se disse. Mas não poderemos esquecer-nos de que estas regras são mais teóricas do que práticas.
Os exportadores estrangeiros (e os nacionais, evidentemente) têm sempre processo de prejudicar estas regras e de praticar discriminações de preços entre o mercado nacional e os mercados de exportação, mediante diversas verbas, como sejam as despesas de representação, publicidade, etc., que encobrem habilidosamente os diferenciais nos preços à exportação.
É evidente que se trata de um ponto de difícil tratamento, mas parece-nos que em futuras negociações deveria ser tomado na devida linha de conta.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Oliveira Pimentel: -Sr. Presidente: mais uma vez esta Câmara é chamada, nos termos constitucionais, a pronunciar-se sobre a proposta de lei de autorização das receitas e despesas que servirá de estrutura à elaboração do plano orçamental. Diploma este basilar para a vida da Nação, pois que por detrás de cada verba a receber ou a pagar está a previsão de «um serviço, uma obrigação, um dever e, muitas vezes, um anseio e uma aspiração»; está tantas vezes a razão da esperança de um melhoramento cuja realização já é possível localizar em tempo próximo e que parecia nunca mais chegar.
Infelizmente uma boa parte das receitas que vierem a ser arrecadadas durante o próximo ano não poderão ser aplicadas em investimentos produtivos, por ter de se destinar à satisfação das despesas com a luta que nos é imposta no ultramar e que se torna necessário neutralizar, embora com sacrifício, para salvaguardar a defesa da população e preservar a integridade territorial da Nação.
Longe de se estranhar, é de louvar a orientação, que se mostra bem patente, de se pretender apresentar o orçamento para o próximo ano sob o signo da defesa nacional, e, assim, se reconheça ao Governo autorização expressa para dar prioridade às despesas que se torne necessário realizar com a mesma defesa nacional.
Só uma sólida situação financeira estruturada em bases seguras e com longo encadeamento poderia permitir, como na verdade sucede, não fosse maior o sacrifício que houvesse de fazer no que respeita a investimentos reprodutivos a favor daqueles que, por força das circunstâncias, têm necessariamente de ser dirigidos à defesa da Nação.
Sem que, de qualquer modo, pretenda subestimar o valor e alcance das demais disposições contidas na proposta de lei em apreço, como representante de um círculo fundamentalmente rural, mereceu-me especial atenção o artigo 24.º da proposta de lei, o qual concerne à política do bem-estar rural.
Sem prejuízo das despesas a realizar com fins militares, verifica-se ser possível ao Governo continuar a preocupar-