13 DE DEZEMBRO DE 1962 1545
ventiva e social e pela fundação de escolas nacionais de saúde pública. À sua acção tenaz e contínua se deve a aceitação de uma nova doutrina no exercício da medicina.
Não se encontra na história da medicina uma instituição que mais tenha pugnado pelo homem do que esta, quer do ponto de vista da saúde somático-mental, quer do ponto de vista da consolidação dos valores morais, respeitando as religiões e os costumes. Ás medidas que aconselha ou que põe em prática só aparentemente têm um carácter centralizado, porquanto na sua aplicação se adaptam às condições locais.
O seu interesse pela educação médica decorre da sua acção em prol da saúde do homem. Como se pode ler no prefácio de J. Parisot à obra de Grundy e Mackintosh, a «Organização Mundial da Saúde conseguiu interessar no sentido de uma nova educação médica os governos, as Universidades e as associações médicas nacionais, e em especial a Associação Médica Mundial». Esta última organizou no espaço de cinco anos dois congressos sobre educação médica, um em Londres, em 1953, e outro em Chicago, em 1958.
19. O ensino da saúde pública em Portugal está largamente historiado no relatório que antecede o projecto de proposta de lei em exame, mas não seria justo que no parecer da Câmara Corporativa se não acentuasse que o nosso Instituto Central de Higiene, inaugurado em 1902, «foi cronologicamente o 10.º dos institutos de higiene do Mundo» e se não fizesse uma referência ao seu organizador, o Prof. Ricardo Jorge. Para a época, as finalidades (33) que o Instituto se dispunha a atingir eram notáveis. A intenção de Ricardo Jorge era sobretudo a constituição de uma escola para pós-graduados (médicos e engenheiros), destacando-se já entre as finalidades a da educação sanitária da população.
Muito se tem escrito sobre o Prof. Ricardo Jorge, e ainda há pouco se festejou o centenário do seu nascimento, mas não pode a Câmara Corporativa neste parecer deixar de chamar mais uma vez a atenção para esta figura ímpar, que, no dizer do Prof. Eduardo Coelho (34), «a um tempo cuidava da ciência profissional com uma mestria difícil de igualar e apresentava uma cultura literária, artística, científica, filosófica, que lhe davam o condão de ser espécie rara, única por certo no nosso país». A ele se deve a primeira estruturação dos nossos serviços de saúde; o seu Regulamento dos Serviços de Saúde compreendia nada menos de 347 artigos. Ricardo Jorge foi no seu tempo um profundo conhecedor da educação médica em geral e da sanitária em particular.
Se é facto que «no domínio dos princípios não evoluímos depois da reforma de Ricardo Jorge, no limiar do século» (M) (Dr. Arnaldo Sampaio), não há dúvida que o Decreto-Lei n.º 35 108, de 7 de Novembro de 1945, permitiu que se reorganizassem os serviços do Instituto Superior de Higiene, donde resultaram benefícios para o ensino do curso de Medicina Sanitária, apesar de este curso ter conservado o defeito de não incluir praticamente trabalhos de campo e no seio das comunidades - isto é, de continuar a ser, em grande parte, um ensino teórico.
§ 2.º Ensino pré-graduado da saúde pública
20. Como dissemos no capítulo I, para a consecução das finalidades da saúde pública concorrem não só médicos, mas também profissionais de outras categorias. Todavia, o médico é sempre o chefe do grupo sanitário - o «fecho da abóbada» de toda a acção a empreender em saúde pública (36). Não nos referimos apenas ao médico sanitarista, para quem esta afirmação, por ser tão evidente, seria até desnecessária, mas sim a todo e qualquer médico que trabalha no seio da comunidade.
Cada país, ao pretender exercer uma decisiva acção sanitária, deve possuir em primeiro lugar um corpo de médicos com conhecimentos e prática necessários para levar a efeito em cada escalão o papel que lhes incumbe. Em redor destes médicos se agruparão os outros técnicos. As escolas de saúde pública têm por missão, em primeiro lugar, ministrar esses conhecimentos e essa prática, dando, evidentemente, uma posição de relevo à preparação dos médicos sanitaristas. Os cursos a ministrar a médicos nestas escolas têm a índole dos outros cursos médicos pós-graduados e, tal como em qualquer destes, têm de ser uma continuação do ensino universitário pré-graduado.
21. É atributo da Universidade diplomar profissionais de nível superior; então, o ensino deve seguir a evolução científica das respectivas profissões, não apenas no respeitante ao conteúdo informativo, mas, sobretudo, no que se refere ao conteúdo formativo (37). «É um facto aceite em pedagogia médica que a preparação do futuro médico deve ser orientada de maneira a desenvolver nele certas aptidões e atitudes, mais do que a fornecer-lhe uma grande quantidade de conhecimentos» (R. Villarreal) (38).
As Faculdades de Medicina terão de formar médicos indiferenciados, mas que possuam uma mentalidade que corresponda à medicina que se pratica em cada época. Se a noção de medicina global, que envolve não só fins curativos mas também fins preventivos e sociais, não estiver presente em todos os momentos nos médicos que as Universidades diplomam, as escolas de saúde pública, por mais competentes que sejam os seus corpos docentes e por melhores instalações e apetrechamento de que disponham, encontrar-se-ão fatalmente despovoadas. Os mais bem dotados dirigir-se-ão para as carreiras docente e hospitalar. É certo, tal como disse há pouco o Dr. Arnaldo Sampaio (39), «que as Faculdades de Medicina têm um papel fundamental na formação dos médicos, não só no ensino dos fundamentos, mas também na formação de uma mentalidade que os tome receptivos aos conceitos da saúde pública moderna. Sem essa mentalidade formada nas escolas de medicina as tarefas dos serviços de saúde só com grande dificuldade se realizarão».
O destino das escolas de saúde pública - a sua grandeza ou a sua morte - depende acima de tudo da educação médica que as Faculdades tiverem dado aos jovens graduados. «O nível ao qual pode ascender um estudo pós-universitário de carácter essencialmente profissional e a proporção de indivíduos não especializados que os
(33) Veja-se «Relatório da comissão encarregada de proceder ao estudo do programa da instalação do Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge», Lisboa, 1956.
(34) Ricardo Jorge, o Médico e o Humanista, Lisboa, 1961, p. 15.
(35) O Médico, XVI, n.º 470, 1961, p. 284.
(36) Veja-se o livro de Grundy e Mackintosh, p. 198.
(37) Veja-se a este respeito: «Problemas do ensino médico», Gouveia Monteiro, Jornal do Médico n.º 885, 1959; «Comité d'experts pour la formation professionnelle et technique du personnel medical et auxiliaire», Rapport Technique n.º 69. Organização Mundial da Saúde, 1953.
(38) Second World Conference on Medical Education, Chicago. 1958, p. 181.
(39) O Médico, 16 : 284, 1961.