1546 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59
cursos pós-universitários devem, compreender são, em parte, determinados pelo conteúdo e qualidade do ensino universitário» (Grundy e Mackintosh) (40).
O ensino do estudante de medicina é essencialmente formativo, no sentido de criar neste último uma mentalidade necessária ao exercício de uma «medicina integral», visando como parte importante a saúde pública (41), criar um espírito científico (42) que o leve de futuro a proceder segundo o método científico e criar uma consciência ética (43) necessária ao desempenho de uma profissão essencialmente humana.
O ensino deve possuir o conteúdo informativo necessário para diplomar médicos indiferenciados.
22. Para se atingir todos estes objectivos o curriculum universitário deverá ser completamente revisto. Têm de se introduzir no ensino cadeiras que visem o melhor conhecimento do homem, tais como a Sociologia (44), relegar certas matérias para o período pré-universitário e outras (muitas das especialidades) para o período pós-graduado. Deve-se aumentar o número de horas de permanência na Faculdade (45) e no hospital e adaptar o ensino clínico às necessidades presentes, ministrando-o não só no hospital (à cabeceira do doente e nas consultas externas), mas também no domicílio.
A importância do ensino domiciliário começa hoje a ser aceite e tem de ser tomada em devida conta nos futuros programas das Faculdades de Medicina. Este tipo de ensino é defendido por sanitaristas, em especial pelos mais dedicados aos problemas de medicina social, por clínicos e por professores não ligados à clínica, mas particularmente interessados em pedagogia médica. Assim, por exemplo, Ramon Villarreal (46), professor de Fisiologia no México, defendeu largamente este ponto de vista na 2.a Conferência sobre Educação Médica (1958). Finalmente, os métodos pedagógicos devem modificar-se no sentido de tornar o ensino mais vivo, isto é, com participação dos próprios estudantes («ensino activo», «ensino operatório»).
23. Os métodos educativos modernos dependeram da adopção do ponto de visto de Dewey, de que «os estudantes devem aprender mais por ocupação que por autoridade». O ensino clássico, por intermédio da lição magistral, tem sofrido críticas. Há cada vez mais tendência para substituir no ensino universitário o monólogo pelo diálogo, o ensino passivo pelo ensino activo. No anfiteatro, o aluno «aceita passivamente .os pontos de vista do professor» (47).
Nas cadeiras clínicas há hoje toda a propensão para substituir parte das lições magistrais pelos trabalhos de grupo acerca de cada doente, após prévia observação deste último. Também nas cadeiras pré-clínicas, e mesmo nas das ciências médicas básicas (48), se está a seguir o mesmo caminho do ensino activo.
A lição magistral é, porém, completamente necessária no ensino universitário: apenas através dela se podem traçar as principais linhas dos grandes problemas e dos grandes síndromes e dar a informação necessária que em muitos assuntos se encontra dispersa por livros e revistas onde o aluno ainda sem maturidade científica se perderia numa procura estéril. De resto, as construções teóricas, os conceitos, eles próprios resultantes da observação e da pesquisa, estão na base de todo o progresso científico e constituem outras tantas plataformas imprescindíveis para o avanço da ciência. Os próprios pugnadores pelo ensino activo, tais como Egner, Grundy, Mackintosh e Jean Snoeck(49), consideram a lição magistral na Universidade como indispensável.
Em conclusão: os diferentes métodos de ensino são complementares, mas, tal como diz Jean Snoeck(49), «quanto mais reduzirmos o número das lições magistrais, maior valor elas terão».
Todos os que no ensino médico actuam segundo estes métodos da participação activa do aluno verificam que se está destruindo a «antinomia entre o que ensina o que sabe e o que aprende o que não sabe» (B. Cousinet) (50).
O ensino de grupo é, como se disse, particularmente útil e a sua aplicação deve acentuar-se nas cadeiras clínicas. Diremos que ele tem até em medicina um notável valor formativo, porquanto o trabalho médico moderno exige muitas vezes a colaboração de um grupo em medicina curativa e quase sempre em medicina preventiva. O ensino nas escolas de saúde pública é essencialmente deste tipo e para que o aluno o aceite é preciso que o curso médico o tenha tornado receptivo neste ponto.
O ensino modificado segundo as normas referidas pode conduzir ao encurtamento do número de anos do curso. Este encurtamento do curso médico, baseado no melhor aproveitamento do tempo e no ajustamento dos programas, começa hoje a ser sugerido, não só em Portugal, como, por exemplo, pelo Prof. Gouveia Monteiro (51) e pela comissão que elaborou o relatório sobre as carreiras
(40) L'Enseignement de l'Hygiene (nota n.º 8), 1958, p. 42.
(41) A Organização Mundial da Saúde tomou há muito esta posição quanto à formação em saúde pública do estudante de medicina: ver a monografia de Grundy e Mackintosh e vários relatórios de peritos, por exemplo os n.ºs 69, 175 e 209, e, em especial, o 10.º relatório para formação do pessoal técnico médico e auxiliar.
(42) A Organização Mundial da Saúde tem tomado também uma posição bem definida neste ponto em vários relatórios de peritos. Ver também J. Cândido de Oliveira: «Perspectivas do unsino médico», Jornal do Médico, 46 :887, 1961.
(43) A Associação Médica Mundial tem uma posição muito firme nesta matéria e, no mesmo sentido, também a Organização Mundial da Saúde por intermédio da importância que tem dado u medicina social c à formação moral do estudante (veja-se relatório n.º 69). Vejam se ainda a este respeito os autores da língua portuguesa: Lúcio Galvão (Rio de Janeiro), Semana Médica, III, n.º 135, 1961; J. da Silva Horta, Jornal de Estomatologia n.º 54, 1908, Boletim da Ordem dos Médicos, 8 :7, 1959, idem o mesmo Boletim, 8 :431, 1959.
(44) J. Burton pergunta «se «era exagerado pretender que para a medicina contemporânea a biologia humana, as ciências sociais e a educação sanitária terão mais o carácter de ciências fundamentais do que a botânica, a física e a química (Deuxième Conférence Européenne sur Education Sanitaire de la Population», Organização Mundial da Saúde, 1958, p. 1).
(45) A nossa escolaridade máxima é de 20 horas semanais no 1.º e no 2.º anos; de 23 no 3.º e 4.º anos; de 27, no 5.º e 6.º anos (veja-se Decreto-Lei n.º 40360, de 20 de Outubro de 1955). Esta escolaridade é apenas teórica, porquanto os estudantes não são obrigados a assistir às aulas teóricas e podem dar um terço de faltas nas aulas práticas. A escolaridade na Faculdade de Medicino Judaica, de Jerusalém, é de 40 horas em todos os anos (veja-se Mishes Prywes, Educación Médica en Israel, 1961).
(46) «Practicas de control familiar en las actividades de los estudiantes de Medicina en México», in Second World Conference on Medical Education, 1959, p. 181.
(47) «Group dynamics and the role of authority in higher education», B. G. Egner, Asaociation of American Colleges Bulletin n.º 43, p. 577, 1957.
(48) Veja-se, por exemplo, Hernan Alessandri, Proceedings of the Second World Conférence on Medical Education, Chicago, 1959, p. 97.
(49) Jean Snoeck, Proceedings of the Second World Conference on Medical Education, Chicago, 1959, p. 182.
(50) Pédagogie de l'Apprentissage, Presses Universitaires de France, Paris, 1959.
(51) Jornal do Médico n.º 888, 1959.