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2520 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 101

Um museu pertence à Nação: destina-se a servi-la e existe para lhe dar uma imagem da vida mais optimista e mais nobre, presta-se a ajudar o homem a compreender-se melhor e a compreender o seu semelhante, a conhecer os valores permanentes que constituem o substrato do meio em que se educou e formou espiritualmente. Um museu, ao mesmo tempo que instrumento de ciência, é fundamentalmente um meio de integração do homem na sociedade de que faz parte, um complemento da sua educação moral e intelectual, um meio de ligação entre o passado e o presente, uma forma de continuidade entre o que foi e o que é, entre o (que é e o que há-de vir a ser. E dentro desta concepção que deve entender-se a definição do museu moderno dada pelo crítico francês Bivière:
Um museu é um estabelecimento permanente, constituído no interesse geral para conservar, administrar, permitir a consulta, difundir e essencialmente expor um conjunto limitado ou crescente de. elementos de valor cultural.
O Museu Arqueológico Dr. Santos Rocha e a Biblioteca Municipal pretendem desempenhar exactamente essas funções, mas a riqueza e volume das suas espécies e colecções, que enchem as salas impróprias onde foram depositadas, obriga-os a viver como que atrofiados, impedindo uma acção mais vasta e de mais útil expansão e valorização cultural.
Ao sentir o calor da vibração emocional que nesta altura anima a maior parte da gente culta da Figueira ou a ela ligada por motivos sentimentais, julgando interpretar, também como figueirense, o impulso de gratidão que uns e outros querem exteriorizar tão sentidamente, seja-me permitido deixar aqui uma palavra de vivo aplauso ao emérito presidente do conselho de administração da Fundação Calouste Gulbenkian, Sr. Dr. José de Azeredo Perdigão, que, com uma proficiência de indiscutível acerto, tem sabido respeitar, com escrupuloso critério, a vontade expressa, em testamento, pelo venerando filantropo que, em boa hora, escolheu o insigne jurista para tarefa tão grandiosa e de tão elevada projecção na vida artística, científica, cultural e educativa do nosso país. Tendo-se devotado com o maior carinho e desvelo ao trabalho penoso de dar forma jurídica ao pensamento e vontade de Galouste Gulbenkian, que considerou «a mais nobre causa da sua vida profissional», o Sr. Dr. Azeredo Perdigão é bem digno da nossa admiração, do nosso respeito e reconhecimento. Por isso, aqui lhe rendemos as nossas homenagens.
Na a cláusula 10.ª do seu testamento publico, exarado em 18 tle Junho de lüSí), deixou Caloustr Gulbenkian assim expressa a sua vontade:
Pelo presente testamento é criada, nos termos da lei portuguesa, uma fundação que deverá denominar-se «Fundação Calouste Gulbenkian»: os seus fins são caritativos, artísticos, educativos e científicos.
Não cabe neste momento e nesta circunstância traçar o perfil moral e intelectual da personalidade vigorosa que foi Calouste Gulbenkian, nem para tal empresa nos julgamos competentes e aptos, mas são conhecidas as palavras que. a seu respeito, escreveu, na sessão comemorativa do 1.º aniversário da morte do benemérito instituidor, o presidente da Fundação, Sr. Dr. Azeredo Perdigão, que o definiu em termos precisos e inequívocos, com o profundo conhecimento pessoal de uma intimidade e convivência de treze anos consecutivos.
Parece-nos, no entanto, oportuno reproduzir a parte do Decreto-Lei n.º 40 690, de 18 de Julho de 1956, que aprovou a Fundação, naquilo que se refere à pessoa de Calouste Gulbenkian:
Estamos em frente de um belo exemplo de compreensão da função social da riqueza, a opor ao egoísmo que parece assenhorear-se do Afundo e que tende a sacrificar a noção superior de que a fortuna tem deveres na ordem moral, que não pode esquecer nem declinar. Ninguém mais claramente o terá compreendido do que esse grande criador de riqueza que foi Calouste Sarkis Gulbenkian. O que a sua inteligência, a sua energia e o seu trabalho acumularam durante muitos anos reverte, afinal, para a colectividade em benesses materiais e espirituais.
O instituidor escolheu Portugal para instalar a sede da Fundação e quis que ela se constituísse de harmonia com as nossas leis, o que, antes de mais nada, vale como prova de afecto e de preferência pelo País a que se acolheu em momento delicado da situação internacional, onde passou os últimos anos da sua operosa vida e onde fixou o seu domicílio. Por essa distinção lhe ficam gratos todos os portugueses.
Mas não poderiam apenas os motivos sentimentais determinar uma escolha em matéria tão importante e, necessariamente, outras razões, mais ponderadas e reflectidas, pesaram no ânimo do testador. Bem sabia ele o valor da paz portuguesa e a garantia que ela representava para a obra que iria- prolongar o seu pensamento. Sobejamente apreciava a tranquilidade que entre nós se desfruta e estimava o que há de estável nas instituições e no equilíbrio social, que são o espelho da nossa- personalidade, assim como conhecia o grau de respeito que em Portugal se professa, em casos destes, pela vontade dos instituidores. Por tudo isto, a resolução que tomou foi também um acto de fé e de confiança.
Estas palavras são naturalmente o reconhecimento oficial das razões que levaram Calouste Gulbenkian a preferir o nosso país coimo o mais digno para merecer a honra de tão generosa instituição. Elas exprimem, ao mesmo tempo, o conceito do Governo sobre a personalidade moral do instituidor e traduzem, em termos claros, a dívida de gratidão que ficou a pesar sobre todos os portugueses.
Não foram certamente apenas razões sentimentais que determinaram a resolução do grande filantropo.
A sua atitude definiu-se, sobretudo, por um «acto de fé e de confiança», não sómente pela seriedade e espírito de isenção que reconheceu no povo português, mas também pela certeza de que o País assentava a sua estrutura política, social e económica em bases sólidas, em princípios doutrinários imutáveis que quadravam à mentalidade do homem prático, conhecedor dos povos e das nações, das suas lutas e ódios, que comprometem os valores mais sagrados, num desafio insensato às tradições, à história e às riquezas morais e espirituais que fizeram nascer as nações civilizadas.
O estudo psicológico que terá feito do carácter da Nação Portuguesa, que, através da sua longa história, permaneceu sempre igual à si mesma, vivendo e lutando por nobres ideais, deve ter pesado profundamente no seu espírito lúcido e esclarecido.
«Pessoa dotada de rara sensibilidade, Calouste Gulbenkian não foi um vulgar conquistador de fortuna para satisfação da sua vaidade ou das suas necessidades e caprichos individuais», diz-nos o Sr. Dr. Azeredo Perdigão, que acrescenta: «Para Calouste Gulbenkian a legitimidadeda riqueza assentava, exclusivamente, por um lado, no esforço e no sacrifício que representa conquistá-la e. por outro, no bom uso que é possuidor dela faz em vida ou