10 DE DEZEMBRO DE 1963 2549
pensáveis do mundo comunista nunca escapa, de apagar todos os traços das grandes manobras ofensivas em preparação. E, assim, não consta que qualquer desses sábios alemães, que tiveram quase na mão a destruição, por meios brutais, dos países aliados, fosse incriminado como presumível responsável pelos horrores da guerra, para julgamento de crimes cometidos contra a humanidade.
De resto, estariam então em boa companhia, pois a bomba atómica que deflagrou em Hiroxima e que matou, em poucos segundos, milhares de mulheres, homens e crianças indefesos, foi também considerada, então, simples instrumento para apressar a paz. Como, da mesma forma, tinham sido reputados como instrumentos, dentro do admissível em lutas armadas entre países civilizados, as bombas incendiárias, que transformavam em torresmos milhares de famílias alemãs em fuga, nas regiões devastadas pelos bombardeamentos psicomilitares dos aliados, repetição, em larga escala, do bliiss londrino. Não vale a pena, contudo, relembrar tristes factos que em nada valorizam o homem do século XX e que pouco adiantam em relação ao processo que pretendemos analisar.
Recorda-me que, nessa época, considerada já recuada, porque o tempo voa hoje mais depressa em companhia dos anseios de uma humanidade sempre sequiosa de novos progressos, um sábio estadista que todos lêem, mas que muitos se apostam em dizer que não ouvem, por temor de ofender a opinião pública democrática dos respectivos países, ditava com extraordinária clarividência os perigos imensos que resultariam para a Europa de então da destruição do dique germânico, por via da rendição incondicional, deixando assim espraiar livremente a onda eslava, retida há milénios nas fronteiras do Velho Mundo. E ainda, por essa altura, esse grande expoente do pensamento europeu punha também em guarda os mentores políticos do mundo ocidental para o imenso repositório de possibilidades que era necessária guardar ciosamente para a Europa de amanhã - o continente africano.
E quais foram os caminhos seguidos? Todos nós o sabemos, pela experiência dolorosa já vivida por alguns países, mas talvez a memória de alguns já não seja capaz de reconstituir, mesmo nas linhas gerais, o complexo encadeamento deste processo político que tão dominantemente haveria de influir no futuro europeu. Assim, relembremos um pouco alguns factos já passados, para avivar memórias.
A América do Norte, sob a ameaça da comunicação rápida da Europa, digo melhor, eslavização do Velho Mundo europeu, e assim perante o perigo iminente de perder, em definitivo, precioso ponto de apoio para acções defensivas e ofensivas futuras das suas forças armadas, lançou, e, digamos, com notável êxito, o já célebre Plano Marshall. E, paralelamente com ele, conseguiu converter ao capitalismo alguns dos principais dirigentes da C. G. T. comunista francesa, já que a central operária italiana, de feição marxista, embora não menos importante, estava ainda, contudo, sob o domínio das forças de ocupação e, assim, praticamente neutralizada.
or esta forma começou a reconstituição da Europa, e é bom que se acentue que esta foi levada a cabo com o objectivo fundamental da defesa do conjunto do mundo ocidental, e não apenas de uma das suas parcelas, e dentro da mesma finalidade devem ser consideradas todas as «Natos» subsequentes.
De Gaulle, porém, já nessa época não gostava de ler pela cartilha americana e o estadista alemão a quem a Europa deve o seu milagroso renascimento tinha, talvez, o mesmo sentimento íntimo, mas não podia, nem devia, exteriorizá-lo.
Sob a sua direcção superior, a fracção ocidental desse martirizado país, chave da segurança da Europa, reconstituiu com dinamismo insuperável a sua economia, reconstruindo portos e vias de comunicação, fábricas e laboratórios, escolas e universidades, deixando para depois as habitações e para muito mais tarde toda a série que comporta o sumptuário.
A esse grande estadista, há pouco retirado da vida pública do seu país, com aquela simplicidade e naturalidade que só B permitida aos ímpares da política nestes conturbados tempos que correm, deve a civilização ocidental não ter perdido o fio da sua preciosa tradição e o Mundo o seu, embora instável, equilíbrio político.
A história ditará um dia, quando a perspectiva destes tempos puder ser vista em verdadeira grandeza, qual o extraordinário filósofo e excepcional político europeu a quem o mundo ocidental deve, de facto, a sua salvação.
Nesses tempos difíceis do pós-guerra a França debatia-se ainda numa luta inglória de facções partidárias, de um parlamentarismo ultrapassado, e, em perfeita comunhão com o trabalhismo britânico, que já tinha hipotecado o império a ideais ruinosos, arrastava também, sob a égide do Novo Mundo, Holandeses e Belgas, para uma liquidação forçada da sua missão universalista, que, pelo visto, não tinha nesses países raízes fundas.
O mercantilismo é, de facto, movimento que acompanhou sempre e de perto, em todos os tempos, os grandes senhores da fortuna, e os movimentos destes nunca obedeceram aos ditames de uma missão espiritualista. Assim, o forte troar do canhão deslocou, efectivamente, muito mais para o oeste, nesses tempos, o centro de gravidade do mundo da fortuna. Assim regressaram, sob a égide do comunismo russo e do monopolismo internacional, aos confins da Idade da Pedra, povos malaios, chineses, pa-puas, negros de várias raças e inúmeros outros.
A sua inocência e falta de maturação política não lhes facultou aperceberem-se a tempo do negrume do colonialismo russo nem das subtilezas do autodeterminismo internacionalista ocidental. Hoje já pedem, de mãos postas, esses milhares de infelizes, que os abandone, de vez, a senhora independência. E assim aconteceu e assim ficou a partir de então, em regressivo movimento civilizatório, ao som da batuta russa e de slogans anticolonialistas americanos, mancha imensa da África e do Extremo Oriente asiático.
Mas continuemos a dizer mais algo, referindo mais alguns marcos deste tortuoso caminho do pós-guerra, recuando um tanto para melhor visão de outros aspectos significativos deste complexo processo político.
Quando o bom senso começou a regressar a esta martirizada Europa, os ventos do socialismo já apenas dominavam na gélida Escandinávia. Foi então que a Grã-Bretanha pretendeu salvar, de mãos dadas com a França, o que restava de caminhos abertos à universalidade do génio europeu. Contudo, um acto de força, de todo imprevisto, levado a cabo com simultaneidade pela Rússia e pelos Estados Unidos, instalava o comunismo, mais ou menos disfarçado, no Médio Oriente e Norte de África, flanqueando assim, perigosamente, a Europa pelo sul. Estavam desta forma anulados, por um só golpe, alguns dos principais caminhos que ligavam a Europa ao Extremo Oriente e colocado em iminente perigo o abastecimento do Velho Mundo em combustíveis líquidos. A N.º A. T. O. começava, a- partir de então, a perder grande parte do seu valor defensivo do mundo ocidental. E assim se apagou também, mais tarde, o farol que irradiava a luz da civilização ocidental em terras afastadas do Indostão.