DIÁRIO DAS SESSÕES Nº 124 3086
O 1.º ciclo de dois anos parece-nos, em comparação com o nosso tempo - e à parte o incrível panorama da arbitrária disciplina das Ciências Geográfico-Naturais, reduzido de mais quanto às matérias em estudo e ao nível de progressiva integração mental. Mais parece simples extensão da instrução primária do que incentivo à maior concentração do espírito do aluno. Em compensação, o ciclo dos três anos seguintes
- o 2.º- ninguém contesta que seja de um peso esmagador para os alunos, pelo número e vastidão das matérias programadas. Isto precisamente quando ocorre a crise da puberdade! E tudo se agravara decerto por ser débil o ímpeto estudantil que se traz, como notamos, dos dois primeiros anos. Mas não é só isso: também concorre para o exagero dos programas assim elaborados a especialização, excessiva u nosso ver, do 3.º ciclo.
Com efeito, essa especialização reage provocando a necessidade de incluir nos anos anteriores matérias que no meu tempo tinham seu lugar próprio no curso - e depois nos cursos - complementar. Exemplifica-se a asserção com a disciplina da História, em que os alunos do 5.º ano têm de responder a larga matéria que antes cabia na chamada história da civilização; e, outrossim, quanto às Ciências físico-químicas e Naturais, se lhes imprimiram desenvolvimentos que eram antes objecto dos anos complementares.
Na distorção reflexa que tal programação vem trazer ao
2.º ciclo se acha, pois, feita desde já, pelo avesso, a crítica de uma precoce excessiva especialização do ensino do 3.º ciclo.
E que o ensino liceal nunca deve ser um curso para criar embriões de especialistas, mas antes para promover uma formação harmoniosa do espírito, de que mais tarde os especializados serão os primeiros a beneficiar.
Que a este propósito de coordenação, intenção comum do ensino secundário», com propósito formativo do espírito, são sempre de recordar os sãos princípios do Regulamento de 14 de Agosto de 1895, por que se regeu a primitiva reforma, particularmente consignados nos seus artigos 19.º e seguintes.
A propósito, não ignoramos que marxistas e progressistas de todos os matizes, gravitando na aura dos primeiros, consideram tais princípios como ultrapassados. Antes preconizam que a uma instrução primária dilatada e já tecnicizante suceda uma superior exclusivamente técnica, mesmo quando humanista de matéria. Basta enunciá-lo para logo se aferir quanto tal programa implica de repugnante aos valores espirituais da nossa civilização.
De harmonia com o nosso critério, assim pensamos condenável a orientação do ensino prematuramente especializado, com vista aos cursos superiores correspondentes. Antes preconizamos - já que não é ainda de aconselhar para o efeito um 8.º ano - que essa especialização não ultrapasse a tradicional distinção entre ciências e letras que vem de 1905, e mesmo essa distinção atenuada por correctivos que adiante nos atrevemos a sugerir.
Parece-nos que o critério do legislador, sacrificando o 1.º ciclo a uma finalidade autónoma, como se revela das próprias observações que acompanham o respectivo programa, acarreta por isso a sua condenação.
A formação do espírito do aluno tem de ser progressivamente acompanhada, desde o 1.º ano, com unidade. Não se pode, arbitrariamente, decretar que nos primeiros dois anos o estudo deva tender sobretudo ao que é de interesse imediato, e assim todo utilitário e empírico, e logo a seguir sujeitá-lo, ao arrepio da anterior directriz, a um esforço de integração intelectual vasto e seguro» - rezam os textos oficiais - concentrado em três anos. E isto para logo a seguir lhe imprimir um desvio de orientação especializada também de objectivo utilitário, em que as grandes implicações dos vários ramos do saber se vêem postergadas.
Não pode ser. O processo de progressiva aquisição de conhecimentos convergente à formação do espírito não pode deixar de ressentir-se dos sacões que, como agora, assim vai sofrendo.
Não nos alongaremos na critica da já referida disciplina das Ciências Geográfico-Naturais, cuja dificuldade de definição implicou a necessidade de a programar exemplificativamente, com as clarificantes observações, em 40 paginas da edição dos programas da Coimbra Editora!
Basta de perder tempo com tal fantasia! Desgraçadas crianças, nossos filhos e netos, que aos 11 e 12 anos, na impossibilidade de alcançar o significado de tantos e tão diversos assuntos, como sejam, exemplificando, os chamados ciclos da água, do oxigénio e do carbono», se condenam, para passar no exame, a decorar matérias tão prolixas, distantes, avulsas, incongruentes para a capacidade da sua inteligência. Nem se nos diga, para nos convencer, que as noções assim ministradas o devam ser com muita simplicidade, despidas de todas as dificuldades superiores aos conhecimentos dos alunos».
Porque de duas uma: ou nas noções a dar a estes deve manter-se o pudor de respeitar seu rigor científico e os alunos as não podem atingir, ou, para que tal finja conseguir-se, há que simplificá-las, ao ponto de as desvirtuar. Ora, neste último caso, dobrado trabalho ulterior espera esses alunos quando, para se precisar a verdade científica dessas noções, há que começar por anular ideias já feitas com o peso do seu automatismo; pois é sempre pior desfazer o que se fez mal, para o refazer, do que começar logo por fazê-lo bem, embora mais tarde.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Urge, pois, seja como for, corrigir tão incrível anomalia.
E assim pensamos que este 1.º ciclo ficaria razoavelmente viável suprimindo tão esdrúxula disciplina e ressuscitando a disciplina de Geografia com duas horas de aula.
Decerto que, dominantemente descritiva, ela teria de dirigir-se à memória, mas não à memória simplesmente abstracta, pois entraria em jogo a memória visual, através da observação das esferas, globos, mapas, fotografias, etc.
Outras duas horas seriam empregadas no estudo das ciências naturais, botânica e zoologia, nos termos em que em programas anteriores, ou mesmo talvez reduzindo-os um tanto, isso se fazia.
Deverá, a nosso ver, a disciplina da História de Portugal regressar a um estudo concatenado e sério, com oportunas perspectivas já sobre o mundo exterior, em continuação do estudado na instrução primária, a preencher o actual hiato no ensino da história pátria que se verifica até ao 4.º ano.
De resto, este estudo viria aliviar o ulterior da história geral, embora este nunca se possa desenvolver sem ter em conta as correspondentes interferências com a nossa história.
E tal estudo, neste ciclo, se não se acha bem localizado como acessório do estudo do português, não voltaria a achar-se melhor jungido, como antigamente, ao estudo da geografia, palco indispensável ao desenrolar da história?
Talvez, sobretudo, para se atenuar o inconveniente dos professores múltiplos.