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3654 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 145

Vejo-o, desde os primórdios da humanidade, como inata aspirarão de melhor conhecimento da Terra e dos seus habitantes; vejo-o, no decorrer dos tempos, como meio eficaz de difusão de cultura e de maior entendimento entre os homens; vejo-o, na hora presente, como processo salutar de restauração de forças para- todos quantos se esgotam na luta pela vida; vejo-o, finalmente, a cada momento, como poderoso agente de correcção para o acentuado desequilíbrio económico e financeiro que se verifica, entre as nações.
Aos meus olhos o turismo afigura-se, assim, pleno de vantagens de ordem espiritual e material, a superar, de longe, os inconvenientes da descaracterização e da quebra do sossego que, evidentemente., determina em certos lugares, sobretudo quando irrompe em escala desmedida.
Ora são exactamente estes inconvenientes que, bulindo com os seus sentimentos e os hábitos mais arreigados da gente portuguesa, têm retardado, até certo ponto, a compreensão geral. ou. como agora se diz, a consciencialização da utilidade turística no nosso país.
Boa parte da população, embora ouça falar, com admiração e inveja, da chuva de dólares ou de benesses que o turismo faz cair em sítios não muito distantes nem muito diferentes do nosso, hesita, não sei se por exagerada sensibilidade, se por tradicional falta de bossa para o negócio,, em trocar a quietude do seu pobre viver por hábitos mais folgados, mas fora da ética do seu modo de ser.
E nessa atitude não está só o povo com a simplicidade dos seus raciocínios elementares.
Muito boa gente, mesmo com cursos superiores, assim pensa. E pensa porque vê essa indústria em expansão torrencial e teme que, dentro de poucos anos, todos os países de bom clima e de pacífica estrutura social sejam invadidos por um cosmopolitismo igualitário que torne impossível a sobrevivência, no tempo, da sua personalidade específica.
Um colega meu chegou mesmo a dizer-me um dia, muito a sério, que em sua opinião o turismo devia ser incluído na tabela a do Regulamento das Indústrias Insalubres, Incómodas, Perigosas ou Tóxicas, tais os prejuízos e inconvenientes que trazia à sociedade, com o jogo com a intranquilidade e com a subversão dos costumes peculiares a cada região...
E claro que semelhantes descendentes do velho do Restelo não raciocinam em termos de valia universal.
No grande amor que dedicam a Portugal e às suas particularidades mais cativantes eles esquecem-se de que o Mundo é ainda suficientemente grande para conter os homens com todas as suas ilimitadas ambições e que no próprio solo do seu país, habitualmente considerado e apelidado de pequeno, há ainda imensos recantos de grande formosura, totalmente ignorados ou abandonados pelos próprios naturais.
Os males do turismo não resultam, pois, do facto da sua existência, mas do desvirtuamento ou do desregramento com que se processa o seu desenvolvimento.
Evitando esses desacertos, ninguém, em boa consciência, pode deixar de reconhecer o seu incontestável interesse económico e o seu indiscutível benefício social.
Eis por que todos os Estados o incentivam e regulamentam; eis por que todas as terras o desejam e acarinham.
O turismo tem conhecido, através dos séculos, vários estádios e expressões:
Enquanto o homem não descobriu a roda e o barco e só dispôs dos seus próprios meios para qualquer deslocação, ele quedou-se incipiente e ignorado num nomadismo estreito de quase exclusiva subsistência individual.
Quando depois daquelas descobertas o mesmo homem associou os animais e o vento aos seus engenhos, podendo assim vencer maiores distâncias, ele deu, anonimamente. os primeiros passos em terras e mares desconhecidos.
Quando em pleno século XIX a máquina a vapor ultrapassou, de muito, a velocidade do cavalo, ele imediata mente se instalou em cómodos comboios ou em luxuosos paquetes e aí ganhou o nome e as formas sedutoras que o haviam de impor definitivamente à consideração do Mundo.
Quando, em nossos dias, o motor de explosão e de turbina permitiram a corrida vertiginosa do automóvel e do avião, ele galgou num ápice os maiores percursos e, sem distinguir fronteiras ou camadas sociais, a todos levou o grito alvoroçado do seu maior triunfo.
Mas não foi só o extraordinário desenvolvimento dos meios de locomoção que influenciou e caracterizou o destino do turismo.
A revolução industrial, a moda, a tendência essencialmente curativa da medicina e o próprio romantismo condicionaram o seu comportamento desde o 1.º quartel do século passado até ao rebentar da guerra de 1914.
Neste período o turismo quase foi regalo exclusivo de milionários.
Todos aqueles a quem o dinheiro sobrava escolhiam previamente o local ou o sector que mais lhes agradava: inteligência ou aos sentidos.
E enquanto uns se dirigiam para o Centro da Europa ou para as margens do Mediterrâneo em demanda dos tesouros artísticos ou históricos que testemunhavam o esplendor de antigas e modernas civilizações, outros se encerravam nos casinos e nas salas de jogo em busca de sensações mais instintivas; enquanto alguns se deleitavam em surpreender novas paisagens e novas gentes, em cruzeiros marítimos de longo curso, outros se imobilizavam rias estâncias termais ou climáticas de maior nomeada, na esperança, sempre renovada, de debelarem doenças reais ou imaginárias ou de encontrarem conviventes nas mesmas condições.
O sol nessa altura, não era elemento desejável.
Todos fugiam dele convencidos de que a sua acção directa era não só prejudicial à saúde, mas ainda à estética do corpo, cuja alvura da pele os poetas cantavam e todos celebravam como factor primordial de beleza e prova iniludível de boa estirpe ...
No período que decorre entre as guerras de 1918 e de 1939 o turismo sofre as contingências da boa e da má sorte resultantes da profunda alteração (eu ia dizer inversão) que se passou a dar nos usos e costumes dos povos.
O Mundo, fortemente abalado rias suas estruturas humanas pela primeira grande guerra e. sobretudo, pela tremenda revolução russa, entra em desequilíbrio e em desvairo. E tudo quanto parecia aquisição definitiva da civilização ocidental no âmbito do direito, da arte e da moral passa a ter valor precário.
No meio deste desabamento espiritual ergue-se, cada vez mais potente e promissora, a ciência e, cada vez mais exigente e ameaçadora, a massa popular. E a técnica e o social passam a ser os novos deuses da nova era a quem a cultura clássica e o indivíduo têm de sacrificar boa parte das suas regalias.
Quando em 1945 termina a segunda grande guerra, esses deuses estão no auge do seu prestígio e a vida passa a ser inspirada por eles em todos os sectores.
Na Europa e na América a maior parte das populações havia abandonado, desde há muito, o remanso dos cam-