3656 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 145
Portugalizar era então adjectivo pejorativo que corria na Europa para significar e definir o estado caótico a que podia chegar qualquer situação política.
Quando António Ferro surgiu no Secretariado da Propaganda, em 1989, com a noção entusiástica e perfeita do que ora o turismo como fonte de receita e de melhor fraternidade entre os homens, já os ânimos haviam serenado e já o brio nacional se havia restabelecido há alguns anos.
Lá fora continuava, porém, a dúvida sobre essa realidade e António Ferro teve de lutar -ede lutar brava e subtilmente- para que essa dolorosa impressão se dissipasse.
No entretanto, cá dentro, ele encetava a sua obra de valorização turística, construindo as primeiras pousadas, organizando congressos internacionais, melhorando as condições hoteleiras, intensificando a propaganda de Portugal no estrangeiro, etc.. enquanto o Estado, por seu turno, continuava pacífica e perseverantemente a enorme tarefa de recuperar e de estimular os outros sectores da vida nacional.
A guerra não permitiu, contudo, que o afluxo de estrangeiros ajudasse essa tarefa, nem a extensão do descalabro e da ruína a que tinha chegado o País consentiu que tudo pudesse ser feito em breve tempo.
Mas a guerra acabou um dia e os visitantes voltaram, e voltaram até em maior número.
Em 1952 esse número atingia mesmo a cifra de 110 000, isto é, mais do dobro do que em 1936.
O Governo apercebeu-se então de que os meios de que dispunha o Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo (como então passou a chamar-se desde 1944 a antigo Secretariado de Propaganda), a despeito dos 242 decretos, portarias, etc., que haviam sido publicados desde 1911 até aquela data, não eram suficientes para vencer as deficiências verificadas no alojamento dos turistas. E no estudo aprofundado que ele, a Câmara Corporativa e a Assembleia Nacional fizeram do assunto, todas estas entidades chegaram à conclusão de que só um eficaz auxílio directo do Estado à indústria particular hoteleira e outros ramos afins poderia resolver o problema.
Surge assim a Lei n.º 2073. de Dezembro de 1954, que, pela amplitude das isenções fiscais e aduaneiras que prevê, pelo direito de expropriação para utilidade pública que outorga e pelos créditos sem juro, ou a longo prazo, que concede, é, sem dúvida, o mais importante e eficaz instrumento de que dispõe o turismo português na actualidade.
A partir desse momento, e depois da Lei n.º 2081, de Junho de 1956, e de outros decretos subsequentes que regulamentam e ampliam o funcionamento do Fundo de Turismo e os empréstimos da Caixa Nacional de Crédito, novos hotéis, novas pensões e novos restaurantes apareceram, como que por encanto, sobretudo na área de Lisboa e na zona do Estoril, a reforçarem o escasso apetrechamento anterior.
Tudo isto, acrescido de algumas novas pousadas e de alguns parques de campismo, permitiu que se pudesse receber mais 30 000 turistas, em média, anualmente, e que a cifra de 153 000 do ano de 1953 passasse para 520 000 em 1963.
Semelhantes resultados, satisfazendo, nalguma medida, a habitual mediocridade das nossas aspirações (até porque já excedem, em rendimento, o valor da cortiça, nosso principal produto de exportação, que rendeu em 1962 1 416 000 contos), estão, porém, bem longe dos resultados obtidos por outros países, como muito bem foi provado pelo Sr. Dr. Nunes Barata no seu bem documentado aviso prévio, e bem distante também dos nossos verdadeiros recursos potenciais.
Mais de 65 por cento destes turistas permaneceram na capital ou nos seus arredores, apenas se distribuindo por todos os restantes 21 distritos do continente c ilhas adjacentes cerca de 35 por cento.
A própria Madeira, com toda a sua fuma tradicional, e o próprio Algarve, com todas as suas possibilidades adormecidas, não conseguiram rever nas suas encostas majestosas ou nas suas praias maravilhosas mais do que 12 e 4 por cento, repectivamente, daqueles visitantes, o que é verdadeiramente insignificante.
Esta fixação predominante na área de Lisboa e do Estoril, aliada às preferências dadas por estes turistas aos hotéis e pensões de luxo e de 1.ª classe, mostra bem que, por enquanto, a maior parte dos estrangeiros que nos visitam pertence às classe sociais mais abastadas.
As outras, que formam presentemente a grande massa que abarrota as estâncias turísticas dos outros países, só em número relativamente reduzido aparece por cá, ocupando, por pouco tempo, os hotéis e as pensões de 2.ª e de 3.ª classes, bem como os poucos parques de campismo que possuímos.
E aqui chegamos a um ponto melindroso da questão, que julgo exigir muita meditação e que dá lugar às seguintes dúvidas:
Qual o género de turismo que mais nos convém praticar no futuro? O que temos no momento presente, com a sua maior capacidade argentaria, mas também com a sua maior exigência de instalação e de diversão e que só lentamente cresce, ou o outro, o médio e popular (incluindo o turismo de férias e o turismo social), com o seu menor poder de compra, mas que geralmente se contenta com alojamentos mais modestos e divertimentos mais elementares e se expande rapidamente?
No Plano de desenvolvimento turístico para o período de 1964-1968, elaborado pelo Secretariado Nacional da Informação, enquanto se prevê para o período de 1965 a 1970 (além das construções em curso nos anos de 1963 e 1964) mais 183 000 camas em hotéis e pensões de luxo e de 1.ª classe (incluindo pousadas), apenas se indicam 47 000 para os hotéis de 2.ª e de 3.ª classes, sem que se incluam quaisquer pensões destas últimas categorias.
Isto indica claramente que os autores do Plano não só preferem o turismo autuai, com a prevalência de 60 por cento dos estabelecimentos de luxo e de 1.ª classe, como desejam até que aquela prevalência aumente, em futuro próximo, para 74 por cento, ficando apenas uma margem residual de 26 por cento para todas as outras classes de alojamento.
Ora isto está, sem dúvida, certo em face dos dados estatísticos que informam o nosso turismo nos últimos dez anos (uma utilização de 60 por cento nos hotéis e pensões de luxo e de 1.ª classe, com uma taxa de ocupação anual de 33 dias para estes e apenas de 26,6 para os estabelecimentos de 2.ª e 3.ª classes).
Mas, à face das realidades do mundo actual e do que se passa noutras nações de mais larga experiência na matéria, terá também visos de certeza?
O Prof. Kraft e o Dr. Michel, no seu Rapport d'Expertise sobre o turismo português, estranhando o alto padrão de vida e o luxo que vieram encontrar nos hotéis do nosso país, perguntam, a certa altura, se os novos hotéis a construir não deverão ter um conforto menos acentuado, certo como é que cada vez é mais frequente a presença do camada de menores recursos no turismo internacional e cada vez mais necessário reduzir o custo de construção para obtenção de maior equilíbrio entre o investimento e