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28 DE NOVEMBRO DE 1964 3927

Podia citar factos concretos, a confirmar a crítica que julgo de meu pleno e justificado direito fazer, mas implicitamente atingiria pessoas, e não estou aqui como delator. Alguns ficarão amuados comigo - graças a Deus, nem todos! -, mas se a carapuça lhes servir, hão-de reconhecer que a culpa não é minha.
Feitas estas considerações, que poderemos admitir como gerais, passo a analisar alguns aspectos do Plano não só com o reforço do meu modesto apoio como também para sugerir alguns reajustamentos que me parecem necessários, como de início me propus.
Todas as rubricas do Plano - mas todas - se referem a realizações que reputo necessárias, mas parto do princípio de que não podemos dispor de mais de 250 000 contos - falo em números redondos -, dado que na outra metade, destinada à pesca, não poderemos mexer, visto a realização dos fundos depender do crédito externo e este dever resultar de acordos a estabelecer - esperemos que da melhor maneira e de modo a satisfazer as duas empresas que se propõem instalar na Praia e em S. Vicente, sem esquecer a situação das indústrias similares mais modestas já existentes, para que tudo se equilibre a bem de todos e da economia de Cabo Verde.
Não posso, contudo, deixar de manifestar o meu regozijo pelos planos estabelecidos.
Será efectivamente desta vez que se dará uma sacudidela valente na pesca do arquipélago?
Já o ano passado me referi a certos zunzuns que me chegavam e que dificultariam a instalação das empresas.
Não é justo o reparo que ressuma desses zunzuns. Não há que temer a concorrência às indústrias da metrópole, mas, admitindo-a, não será preferível suportar essa concorrência a abandonar uma das poucas riquezas conhecidas de Cabo Verde, onde tantas são as necessidades?
E repito uma pergunta que já formulei algures: Não será mais consentâneo com os interesses nacionais possibilitar a exploração da pesca em Cabo Verde, desenvolvendo a sua economia, do que sacrificar as populações é a própria metrópole, que terá de as socorrer em épocas da crise, acudindo a maior número de famintos para não morrerem eufemìsticamente ... por inanição?
Deixo a pergunta em suspenso. A resposta não pode ser mais do que uma única, sejam quais forem os interesses em jogo.
De resto, Sr. Presidente, há muita fome por esse mundo fora, e as indústrias que se instalem na província devem ter os seus mercados assegurados. Não há razões para temer a concorrência, mas, insisto, mesmo a admiti-la. Cabo Verde tem de sobreviver.
Ali também é Portugal.
Há décadas que se fala da pesca em Cabo Verde, sem que se passe da conversa fiada ou de meros paliativos.
Felicito vivamente o Governo pela decisão que vai tomar, e não hesito em especificar o ilustre Ministro do Ultramar, comandante Peixoto Correia, grande amigo das ilhas, cujas gentes tanto o admiram e estimam, e que bem conhece as suas desventuras e as suas possibilidades.
Em nome dessa gente tão portuguesa, como a de cá, e tão digna de melhor sorte, agradeço as medidas previstas, confiando em que nada as poderá emperrar.
No que respeita às restantes previsões, permito-me as observações seguintes:
O n.º I) dos investimentos prevê uma verba de 16 000 contos, de que se destinam à cartografia geral 10 000 contos, além do conhecimento científico do território e estudos de base, com, respectivamente, 4500 contos e 1500 contos.
A Câmara Corporativa, no seu douto parecer, é de opinião de que a actualização da cartografia não é assunto de urgência, embora lhe reconheça interesse.
Dou o meu inteiro apoio a este parecer e creio que poderemos ir mais longe na eliminação consequente.
Nós já temos estudos a mais sobre Cabo Verde. Dizem-me até que um antigo ministro, quando se lhe falava sobre estudos em Cabo Verde, se arrepelava todo, respondendo que a província o que precisava era que se executassem os planos já estudados ... E apontava para um armário cheio de relatórios e projectos ...
Efectivamente, Sr. Presidente, desde há muitos anos que vão missões de estudo a Cabo Verde e, quanto a resultados práticos, pouco se tem adiantado. A população recebe mal e com desconfiança essas missões. E a altura de fazer o tal «exame» a que se refere o «badio» e a que já aludi nesta Câmara.
Os estudos são necessários, sem dúvida, mas não sendo para execução imediata preferível será deixá-los para outra oportunidade.
Temos de andar para diante com o que podemos realizar e, como as disponibilidades não chegam para tudo, há que relegar porventura para o próximo plano a intensidade de estudos que as avultadas verbas previstas deixam antever.
Eu deixaria para estudos apenas - e já não é pouco - os 1500 contos para estudos de base e que seriam inseridos simplesmente sob a rubrica «Estudos».
Os 14 500 contos eliminados incluí-los-ia na verba da alínea 2), no n.º VI, destinada aos portos.
Repare-se, com efeito, que para portos apenas foi inscrita a diminuta verba de 14 000 contos, manifestamente insuficiente - como nota a Câmara Corporativa, emitindo a opinião de que, se não puder ser aumentada, se deve concentrar a atenção num só porto: Praia ou Vale dos Cavaleiros.
Ora, acontece que no Fogo - onde se projecta construir o cais do Vale dos Cavaleiros - o embarque e desembarque de pessoas e coisas se fazem nas condições já aqui descritas, o que é um autêntico desprestígio para o País, constituindo motivo para uma propaganda deletéria contra nós e razão para uma péssima impressão dos que chegam, provocando uma tal desilusão que ninguém os convence de que, apesar disso, muito se tem feito em benefício da ilha.
Para ilustrar: quando o Prof. Doutor Adriano Moreira chegou ao Fogo esperava-o na praia uma mole imensa de gente.
Atrás do Ministro seguia numa outra lancha um jornalista estrangeiro.
«Espantoso o patriotismo desta gente», dizia ele, ao ver enfiar pelo mar dentro da «companhia braçal» para carregar o barco do Ministro e transpô-lo para terra.
«Fantástico! Nunca vi uma semelhante manifestação!», acrescentava, convencido de que a população vitoriava o Ministro, levando-o ao colo, aliás, numa posição bastante incómoda e difícil, sem se aperceber - porque era inacreditável - que se tratava de uma operação quotidiana de desembarque de pessoas.
Eis senão quando, chega a vez do nosso homem. A companhia mete-se pelo mar e, perante a estupefacção do visitante, tenta agarrar o seu próprio bote. Mas, ou porque se antecipou à sétima onda, ou porque só se afoitou à oitava, o certo é que não se fez o «jazigo» e o pobre jornalista apanhou uma dessas molhas que não queiram saber.
E foi depois o cabo dos trabalhos. Já não viu mais nada. Nem cisternas, nem estradas, nem o vulcão sequer lhe interessou.