11 DE MARÇO DE 1965 4499
estabelecimento de ensino oficial, ou por serem portadores de defeitos físicos, ou por outra circunstancia, não possam deslocar-se a pé às escolas.
Lamentavelmente, o articulado deste artigo jamais teve qualquer desenvolvimento, dando a errada impressão de que a sua inclusão no citado decreto não tinha razão de ser, por faltarem as condições que procurava remediar, o que não é verdade.
A falta de cumprimento do que se legislou tem trepido graves inconvenientes para uma real e efectiva realização do Plano de Educação, verificando-se pelo País grudas de crianças, vivendo longe das escolas, carecidas de transporte, o que lhes torna difícil a sua frequência nas épocas invernosas, e, o que é pior, estando os diminuídos físicos privados da frequência escolar, atirados, sem culpa sua, para a triste condição de analfabetos. E, além disso, não se cuidou devidamente da organização dos serviços da saúde escolar, encontrando-se, nesse campo, pràticamente ao abandono a grande massa da nossa população infantil.
Tudo o que se tenta fazer no campo do despiste das doenças escolares, das debilidades congénitas ou da insuficiência mental encontra pela frente a grande Barreira que representa a falta de estabelecimentos especializados para receber ou tratar essas crianças.
Nos grandes centros, refiro-me à cidade do Porto especialmente, nem sequer existe um centro de médiuns escolar onde os médicos possam estudar ou examinar os alunos das escolas primárias, resumindo-se a sua acção a algumas visitas e ao serviço de vacinação.
Posso garantir a V Exa. que os médicos escolares que conheço descrêem da sua acção junto das escolas primárias, porque sentem, e com mágoa, que o seu trabalho foi improfícuo por falta de meios de acção e de terapêutica que lhes permita continuar o processo de recuperação, que julguem necessário fazer, em relação às crianças despistadas.
Na verdade não é possível a um quadro que no País é constituído por 88 médicos e 44 visitadoras sanitárias um trabalho de vigilância, vacinação e rastreio a uma população de escolares que atinge mais de 900 000 crianças.
Para se poder avaliar mais concretamente da ineficácia deste serviço, bastará dizer que, se se destinassem todos esses médicos somente às escolas primárias, cada um teria de examinar e vigiar mais de 11000 crianças) por ano, o que significa que teria de se ocupar de mais dá pi crianças por dia, espalhadas por zonas diferentes e distanciadas, se se continuasse a seguir o sistema, agora usado, de visita à própria escola Porém, a realidade é bem (diferente e para pior, pois que desses médicos e visitadoras uma reduzida minoria constitui o quadro de médicos e escolares para as escolas primárias, e isso apenas nas cidades do Porto, Lisboa e Coimbra, o que permite dizer que fora dessas zonas urbanas jamais foi visto em visita a uma escola primária um médico escolar ou uma visitadora sanitária em acção.
Por certo que não vou falar das inúmeras vantagens resultantes da acção directa do médico junto f às escolas, não ao pela correcção dos erros de audição, da visão, da nutrição e ainda pela determinação precisa dos casos de oligofrenias, com a indicação dos melhores meios para a recuperação das crianças portadoras desses defeitos, como ainda na sua acção preventiva contra a doença e a debilidade, em colaboração com o professor e a família e a bem da saúde da nossa juventude.
Não quero, porém, deixar de notar que a saúde nesta idade não pode confinar-se a um serviço de meia observação clínica, pois que a criança, como educação, terá de ser considerada, antes de mais, sob o aspecto biológico como um ser vivo em formação de corpo e alma.
Não pode assim encarar-se o corpo senão como um efector sensório-motor da alma, e isso pressupõe a necessidade de um conhecimento completo do aluno em relação à família, à hereditariedade, às suas reacções psíquicas, o que não é possível sem a recolha desses elementos, o seu registo e arquivo e, melhor ainda, o conhecimento directo do aluno.
É a própria pedagogia que reclama a continuada assistência médica, mormente se considerarmos que a pedagogia individual se debruça sobre o indivíduo e a sua vocação, indagando dos seus antecedentes tudo o que possa influir biològicamente na sua formação (sífihs, alcoolismo, tuberculose, enfermidades mentais, etc. ) e que a pedagogia natural é o estudo dos valores dados através das condições de nascimento correlacionadas com as condições de vida pré-natal e do desenvolvimento psicossomático da criança na sua infância.
Temos então que, tal como vem sendo processada a medicina escolar, não é viável a possibilidade de ser feita a aplicação, ou tentativa de aplicação, das mais modernas normas de pedagogia no sentido de uma educação integral?
E, pois, a pedagogia social a única ao alcance completo dos professores, realizando-se as restantes formas de pedagogia na medida em que a boa vontade dos professores, a melhor compreensão dos médicos locais, médicos municipais e subdelegados de saúde o permitam.
Algumas juntas de freguesia, num desejo de colaboração, e dirigidas, geralmente, por médicos ou pedagogos, vêm procurando debelar estes inconvenientes, montando nas suas sedes serviços de vigilância sanitária e estatística médica, que se destinam a fazer a cobertura da população escolar da sua freguesia, insistindo junto dos professores e famílias com as normas de ordem sanitária que a observação e o rastreio aconselham.
Não sendo possível criar desde já um departamento eficiente de medicina escolar, com os meios suficientes e válidos para a cobertura da população escolar do País, parece-me que, atribuindo-se aos serviços da Direccção-Geral de Saúde o encargo de velar pela higiene e saúde escolar numa maior medida do que aquela que hoje já vêm fazendo, a qual se limita à vacinação, e procurando obter das autarquias locais a instalação de consultórios nas freguesias, se poderia dar um impulso de útil resultado para a solução deste problema, que me parece de primordial importância.
Não julgo também que seriam de desprezar, pelo menos em princípio e enquanto não fosse convenientemente estruturado o esquema nacional da saúde escolar, os serviços médico-sociais das caixas de previdência, os quais criariam secções especiais com vista à prestação de vigilância aos filhos dos seus beneficiários que frequentassem as escolas primárias, dotados com médicos e visitadoras sanitárias.
Teríamos então, dentro de curto prazo, a possibilidade de pôr em execução um plano de saúde escolar que traria úteis resultados e que possibilitaria aos professores o melhor desempenho da sua função docente e criaria ainda as condições indispensáveis para a formação de uma juventude saudável, não só sob o aspecto físico, como ainda sob o aspecto profissional, sabido que as vocações podem ser convenientemente orientadas desde que se consiga a coordenação e o conhecimento dos graus de desenvolvimento biológico de cada indivíduo, a fim de criar para ele o sistema apropriado de estímulo e a direcção das influências e reacções a utilizar